Autor: Vinicius Henrique de Almeida Costa (*)
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais firmou uma tese polêmica acerca de processos que envolvem relação de consumo que vai impactar diretamente na possibilidade de ajuizar ações. Isso porque, segundo entendimento firmado pelo tribunal, somente poderá ser ajuizada ação após tentativa extrajudicial de composição com o fornecedor de produtos e serviços.
A tese fixada pelo TJMG dispõe o seguinte:
(I) A caracterização do interesse de agir nas ações de natureza prestacional das relações de consumo depende da comprovação da prévia tentativa de solução extrajudicial da controvérsia. A comprovação pode ocorrer por quaisquer canais oficiais de serviço de atendimento mantido pelo fornecedor (SAC); pelo PROCON; órgão fiscalizadores como Banco Central; agências reguladoras (ANS, ANVISA; ANATEL, ANEEL, ANAC; ANA; ANM; ANP; ANTAQ; ANTT; ANCINE); plataformas públicas (consumidor.gov) e privadas (Reclame Aqui e outras) de reclamação/solicitação; notificação extrajudicial por carta com Aviso de Recebimento ou via cartorária. Não basta, nos casos de registros realizados perante o Serviços de Atendimento do Cliente (SAC) mantido pelo fornecedor, a mera indicação pelo consumidor de número de protocolo;(II) Com relação ao prazo de resposta do fornecedor à reclamação/pedido administrativo, nas hipóteses em que a reclamação não for registrada em órgãos ou plataformas públicas que já disponham de regramento e prazo próprio, mostra-se razoável a adoção, por analogia, do prazo conferido pela Lei nº. 9.507/1997 ("Habeas Data"), inciso I, do parágrafo único do art. 8º, de decurso de mais de 10 (dez) dias úteis sem decisão/resposta do fornecedor. A partir do referido prazo sem resposta do fornecedor, restará configurado o interesse de agir do consumidor para defender os seus direitos em juízo;(III) Nas hipóteses em que o fornecedor responder à reclamação/solicitação, a referida resposta deverá ser carreada aos documentos da petição inicial, juntamente com o pedido administrativo formulado pelo consumidor;(IV) A exigência da prévia tentativa de solução extrajudicial poderá ser excepcionada nas hipóteses em que o consumidor comprovar risco de perecimento do direito alegado (inclusive na eventualidade de iminente transcurso de prazo prescricional ou decadencial), situação em que o julgador deverá aferir o interesse de agir de forma diferida. Nesses casos, caberá ao consumidor exibir a prova da tentativa de solução extrajudicial em até 30 (trinta) dias úteis da intimação da decisão que analisou o pedido de concessão da tutela de urgência, sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC;(V) Nas ações ajuizadas após a publicação das teses fixadas no presente IRDR, nas quais não exista comprovação da prévia tentativa extrajudicial de solução da controvérsia e que não haja pedido expresso e fundamentado sobre a excepcionalidade por risco de perecimento do direito, recebida a inicial e constatada a ausência de interesse de agir, a parte autora deverá ser intimada para emendar a inicial de modo a demonstrar, no prazo de 30 dias úteis, o atendimento a uma das referidas exigências. Decorrido o prazo sem cumprimento da diligência, o processo será extinto sem julgamento de mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC; e(VI) Com relação à modulação dos efeitos da tese ora proposta, por questão de interesse social e segurança jurídica (art. 927, §3º do CPC c/c art. 46 da Recomendação n. 134/ 2022 do CNJ), nas ações ajuizadas antes da publicação das teses fixadas no presente IRDR, o interesse de agir deverá ser analisado casuisticamente pelo magistrado, considerando-se o seguinte: a) nas hipóteses em que o réu ainda não apresentou contestação, constatada a ausência do interesse de agir, a parte autora deverá ser intimada para emendar a inicial (art. 321 do CPC), nos termos do presente IRDR, com o fim de coligir aos autos, no prazo de 30 dias úteis, o requerimento extrajudicial de solução da controvérsia ou fundamentar o pleito de dispensa da prévia comprovação do pedido administrativo, por se tratar de situação em que há risco de perecimento do direito. Quedando-se inerte, o juiz julgará extinto o feito sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC. b) nas hipóteses em que já houver contestação nos autos, tendo sido alegado na peça de defesa fato extintivo, modificativo ou impeditivo do direito do autor (art. 373, II, do CPC), restará comprovado o interesse de agir.
Antes de adentrarmos ao mérito da tese, cabe uma pequena explicação do que venha a ser um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR. Sempre que um Tribunal de Justiça ou uma Corte Superior se deparar com um tema que possui várias demandas para ser julgado, poderá afetar um recurso específico sobre a questão para fixar uma tese que deverá ser aplicada a todos os processos que tratarem do assunto.
Art. 976. É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito;II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.Art. 985. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:I - a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região;II - aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986 .
Há na Constituição Federal disposições contidas no art. 5º que destacam o quão polêmica é a tese firmada pelo TJMG:
Art. 5º (omissis)(...)XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;(...)XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
Comparando essa decisão e outras que também têm sido proferidas pelos tribunais em IRDR e também pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de Recursos Repetitivos há uma clara usurpação do poder judiciário da capacidade legislativa que compete ao poder legislativo.
O judiciário tem se sentido no direito de proferir decisões com efeito de lei para limitar e criar direitos que a própria lei não impõe ao cidadão.
Não queremos dizer que somos contra a composição entre as partes, mas colocar isso como requisito para uma demanda judicial é afastar o direito de ação do cidadão e impor requisito pré processual que a lei não impõe. Não cabe ao judiciário legislar sobre relação de consumo!
Vale destacar ainda que grande parte da população não tem a menor ideia de quais são os seus direitos em um situação de consumo, podendo ser facilmente enganada e ter direito renunciado em eventual acordo, situação que não poderá ser discutida no judiciário por se tratar de direito disponível.
Ora, já temos diversos contratos de adesão com cláusulas extremamente abusivas rodando no mercado. Agora, vamos imaginar quantos acordos abusivos poderão ser firmados porque os consumidores vulneráveis e hipossuficientes serão obrigados a procurar plataformas extrajudiciais antes de recorrer ao poder judiciário.
A educação na relação de consumo deveria ser pautada em decisões e punições legais e não na criação de impedimento de acesso livre do consumidor ao poder judiciário.
*VINICIUS HENRIQUE DE ALMEIDA COSTA
-Advogado graduado pela Universidade FUMEC (2011);
-Pós graduado em Direito de Família e Sucessões (2015);
-Especialista em Direito Imobiliário, consumidor e condominial e
-Áreas de atuação: Imobiliário, Condominial, Consumidor, Família e Sucessões, Cível e Trabalhista.
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