quinta-feira, 23 de junho de 2022

Entenda a decisão do STJ sobre a “taxatividade” do rol da ANS


Autor: Diego dos Santos Zuza (*)

Recentemente, em 8 de junho p.p., a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu uma decisão que vale como um precedente importante quanto ao direito dos planos de saúde e seguros saúde se negarem autorização a procedimentos e eventos médicos não previstos no rol da Agência Nacional de Saúde (ANS).

O fato foi amplamente noticiado pela imprensa ante a sua importância para todos os usuários de Planos de Saúde e Seguro Saúde no país.

Na prática os planos de saúde e seguros saúde sempre se negaram a fornecer qualquer procedimento que não estivesse no rol da ANS. E a autorização só se dava por meio de ações judiciais, geralmente por decisão liminar, ante a grande urgência do paciente em receber o tratamento e o impacto negativo e até fatal que a demora poderia trazer para sua saúde.

A maior parte do Poder Judiciário considerava que o rol da ANS era meramente exemplificativo, sendo o mínimo que qualquer plano de saúde ou seguro saúde deveria fornecer.

A decisão proferida pela segunda turma do STJ, como já dito é um importante precedente e embora não tenha efeito vinculante para outros tribunais e juízes, já demonstra a tendência daquele Tribunal Superior. Servindo de guia para as instâncias inferiores, embora vale novamente ressaltar, não há efeito vinculante.

A tese foi firmada por maioria de votos, tendo seis votos a favor da taxatividade do rol da ANS, contra três votos vencidos que entendiam que rol da ANS era meramente exemplificativo.

Em resumo, houve o entendimento de que o rol da ANS é em regra taxativo, podendo haver negociação com o plano de saúde para uma cobertura ampliada, contudo, em casos excepcionais e mediante o cumprimento de alguns requisitos, o plano de saúde ou seguro saúde pode ser obrigados a cobrir procedimentos que não constem no rol da ANS.

A tese abrangeu os seguintes pontos:

1. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é, em regra, taxativo;

2. A operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol;

3. É possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra rol; e

4. Não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que:

(I) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar;

(II) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências;

(III) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e Natjus) e estrangeiros; e

(IV) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.

A decisão pretendeu fixar critérios mais objetivos para que o Poder Judiciário balize suas decisões antes de autorizar o fornecimento de medicamentos e outros procedimentos médicos que estão fora do rol da ANS. As exigências se mostram razoáveis e tentam evitar que tratamentos sem eficácia comprovada sejam permitidos por meio de decisões judiciais.

A justificativa foi de que a taxatividade do rol da ANS é fundamental para o funcionamento adequado do sistema de saúde suplementar, que é aquele prestado pelos planos de saúde e seguros saúde, pois ordens judiciais indiscriminadas para a concessão de procedimentos fora do rol da ANS, levariam a um aumento no valor das mensalidades o que prejudicaria os demais usuários do plano. Ademais, a taxatividade garantiria que a inserção de novos fármacos e procedimentos dependesse sempre da avaliação criteriosa da ANS, sobretudo quanto à sua eficácia.

Mantendo, contudo, a possibilidade de o Poder Judiciária garantir a realização de procedimentos fora do rol da ANS, desde que baseado em critérios técnicos e da demonstração da necessidade e da pertinência do tratamento, como os que foram elencados na decisão.

Noutro giro, os Ministros ressaltaram que em nenhum outro país do mundo, há lista aberta de procedimentos e eventos em saúde de cobertura obrigatória pelos planos privados e pelo sistema público. Bem como, que a lista da ANS é elaborada com base em profundo estudo técnico, sendo vedado ao Judiciário, de forma discricionária, substituir a ANS no exercício de sua função regulatória.

Outro fator importante citado pelos Ministros foi que a atualização do rol da ANS que antes se dava a cada dois anos, foi alterada para ser atualizada a cada seis meses, o que seria razoável para a incorporação de novos medicamentos e procedimentos.

A decisão traz importantes consequências práticas, pois o rol da ANS não comtempla muitos tratamentos para doenças raras, ou ainda de medicamentos aprovados recentemente, e alguns tipos de quimioterapia oral e radioterapia, e cirurgia com técnicas de robótica, por exemplo. Além disso, a ANS limita o número de sessões de algumas terapias para pessoas com autismo e vários tipos de deficiência e muitos pacientes precisam de mais sessões do que as estipuladas para conseguir resultado com essas terapias. E considerar o rol como taxativo, isenta os planos de saúde e seguros saúde de tais coberturas.

Embora, logicamente que as principais coberturas e tratamentos já estão previstos no rol da ANS, que possui mais de 3,7 mil procedimentos, o que não causaria grandes mudanças para a maioria dos usuários.

A decisão tenta tornar mais racional e fazer com que o Poder Judiciário se baseie em critérios mais técnicos e específicos para que sejam deferido qualquer procedimento fora do rol da ANS.

Contudo, mesmo o fato de ser permitida a negociação com o Plano de Saúde de procedimentos fora do rol na ANS, já sinaliza que existem diversos procedimentos que são eficazes, como tratamentos para doenças raras por exemplo, que estão fora do rol.

A decisão visa privilegiar a maioria dos usuários, pela prevenção no aumento dos planos, o que também é questionável, em detrimento de uma minoria que tenha uma necessidade especial fora do rol da ANS, embora seja imprevisível o fato de qualquer um de nós desenvolver ou não uma doença rara.

Como já bem ressaltado, a decisão não vincula as outras instâncias, mas deve servir como norte para decisões judiciais daqui pra frente, embora, provavelmente também não é uma decisão definitiva, pois a matéria ainda pode ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, que tem, inclusive um ADI ajuizada tratando do tema.

Como a decisão não tem efeito vinculante, ela pode levar, inclusive, a uma maior judicialização na busca dos procedimentos, pois definem os critérios a serem seguidos e cumpridos pelo advogado e pelo juiz no deferimento de tratamentos não previstos no rol da ANS, a fim de garantir a integridade física e a saúde do usuário, que já paga um grande valor atualmente para os planos de saúde e seguros saúde que lucram mais a cada ano.

*DIEGO DOS SANTOS ZUZAOAB/SP 318.568
















- Graduado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo -FDSBC (2011);
- Especialista em:
 -Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2015);
-  Direito Penal e Direito Processual Penal pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo -FDSBC(2015) e 
-Atuante em diversas áreas , inclusive no Direito do Consumidor.  
          
   Zoboli & Zuza Advogados Associados              
                                       
Site: www.zobolizuza.adv.br                              

Nota do Editor:

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2 comentários:

  1. Ou seja; nada muda! Quem tem doenças crônicas e raras que necessitem de intervenções fora do rol da ANS vai continuar a peregrinação jurídica e a possibilidade do plano de saúde se negarem ou provocar aumentos continua.

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    1. Bom argumento.
      Acredito que as coisas vão ficar mais ou menos do mesmo jeito.

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