domingo, 17 de janeiro de 2016

Perseguidores de Ilusões



Cursos profissionalizantes, técnicos, graduação, de extensão, aperfeiçoamento, aprimoramento, especialização, mestrado, doutorado, PHD...

Me lembro de que, na época da faculdade, ficava ansiosa quando entrava na biblioteca, pensando que para ser uma profissional perfeita teria de ler todos aqueles livros.

E além de ser uma profissional perfeita, também tenho de ter um corpo perfeito, a mente equilibrada, alimentação saudável, praticar esportes, ser boa em trabalhos manuais, ter um hobby, ser assertiva, casar, ter filhos e dormir, pois isso não é mais que minha obrigação, é o mínimo que tenho de fazer se quiser ter uma chance de dar certo na vida.

Em uma definição simples de perfeição, retirada do Dicionário Informal, lê-se: "aquilo que tem qualidade máxima; que não tem nenhum defeito; o mais bonito, o mais bem feito; preciso, sem falha, excelente,primoroso".

Desde crianças somos pressionados a termos um bom desempenho e aprendemos que assim nossas chances de sermos elogiados, reconhecidos e conseguir o que queremos aumentam muito. Isso, por um lado, é bom, pois cria pessoas que tendem a fazer as coisas com mais capricho, cuidado e atenção, mas por outro, pode se tornar um problema, se a pessoa perde a referência na hora de avaliar seu desempenho e acha que nada do que faz está bom o suficiente.

Nesses casos, o que temos é uma pessoa perfeccionista. É comum vermos em currículos ou entrevistas de emprego pessoas apontando o perfeccionismo como uma qualidade, e que acham que é bom ser assim. Mas existe uma diferença entre se esforçar para fazer as coisas certas, querer sempre melhorar um desempenho e ser perfeccionista.

O perfeccionismo gera sofrimento em forma de ansiedade intensa e pode levar à depressão, pois a pessoa acredita que seu valor como indivíduo depende de seu desempenho e, portanto, se esforça para ser perfeita em todas as áreas de sua vida. Se recebe uma crítica no trabalho, por exemplo, tende a generalizar e acredita que não faz nada certo. Assim, tem uma verdadeira aversão à idéia de cometer erros ou de ser criticado.

O perfeccionismo distorce nossa avaliação de como está nosso desempenho de fato, bem como prejudica o estabelecimento de prioridades, pois tudo parece igualmente importante e ter a mesma urgência para ser feito. Assim, enquanto a pessoa que se diz perfeccionista, mas é somente detalhista e caprichosa, sabe o momento de parar de fazer algo e consegue se decidir por onde começar, o verdadeiro perfeccionista se força a dar conta de tudo ao mesmo tempo e pode perder os prazos das tarefas, pois nunca acha que o que fez está bom o suficiente. Então, o caprichoso consegue reconhecimento enquanto que o perfeccionista acaba indo de encontro ao que mais teme, já que quer tanto fazer tudo que acaba não fazendo nada, e o resultado são as críticas que, para ele, nada mais são do que provas de que ele precisa melhorar, o que faz com que um novo ciclo de busca da perfeição comece.

Mas, se olharmos em volta, quantas pessoas conhecemos que são boas em tudo?, quantas pessoas de sucesso fazem tudo certo?. Algumas pessoas podem até passar a impressão de terem vidas perfeitas, mas não se iluda, pois é somente aquela velha história de que a grama do vizinho é sempre mais verde. No entanto, se pudéssemos passar um dia na pele dessa pessoa, veríamos que a história é bem diferente.

Isso porque outra coisa que o perfeccionismo distorce é nossa capacidade de estabelecermos metas realistas, assim, em vez de pensarmos que está tudo bem em não saber cozinhar, por exemplo, e valorizar que se é um bom profissional, tudo o que fazemos bem cai por terra quando encontramos uma limitação, pois a meta é ser perfeito.

E por que buscamos tanto a perfeição se isso nos faz sofrer?. Simples, porque queremos tudo o que não podemos ter. Basta algo ser proibido, estar inacessível para que sintamos que nossa vida só terá sentido se conseguirmos. Passa a ser uma questão de honra e o fato de ser impossível não faz diferença, pois continuamos perseguindo-o em vão.

Eu ainda gostaria de ler todos os livros da biblioteca, mas aprendi a me enxergar como uma boa profissional apesar disso, pois preciso lidar com o que é possível e estabelecer metas realistas para mim mesma. Nenhum dos profissionais da minha área que admiro leram todos os livros. Descobri que meus erros e limitações são os maiores responsáveis pelo meu progresso e que deixa-los em nome da perfeição só seria possível se eu deixasse de ser humana, o que não me parece um bom negócio. O desafio, portanto, não é buscar algo que não existe, como é o caso da perfeição, mas sim, aprender a aceitar e a amar os defeitos, pois são eles que nos fazem evoluir. No dia em que não houver mais defeitos não haverá mais evolução.

Por RENATA PEREIRA




-Psicóloga formada pela Universidade Prebsteriana Mackenzie;
 -Especialista em Terapia Comportamental Cognitiva pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP;
-Atende adolescentes e adultos em psicoterapia individual e em grupo

CONTATOS:
EMAIL: renatapereira548@gmail.com
TWITER:@Repereira548

2 comentários:

  1. Muito bom o texto, atualmente somos impelidos a nos exigir demais e o resultado que temos é o alto índice de psicopatologias e, por que não considerarmos também as psicossomáticas? Parabéns pelo tema.

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  2. Muito bom o texto, atualmente somos impelidos a nos exigir demais e o resultado que temos é o alto índice de psicopatologias e, por que não considerarmos também as psicossomáticas? Parabéns pelo tema.

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