quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Obrigação da Prestação de Serviços Contínuos das Concessionárias públicas

Nos deparamos recentemente com um fato curioso de um cliente que nos procurou para resolvermos a quem cabia a conta de água utilizada no início de uma locação residencial. O caso foi o seguinte: tratava-se de um primeiro aluguel, no qual o tanque de água do imóvel não havia ainda sido utilizado, por conta disso, o locatário ao recepcionar a conta de água da concessionária responsável, qual já estava em seu nome por foça do contrato de aluguel, se deparou com a geração de uma despesa extraordinária para o abastecimento total do tanque.

No contrato de locação de imóveis é comum depararmos com casos de dúvida sobre de quem é a obrigação de arcar com tais despesas perante as concessionárias que exploram o tratamento e distribuição de água, energia e gás, principalmente na utilização no momento da entrega das chaves e da devolução.

No caso do meu cliente, o locatário, muito embora tenha utilizado da água, se negou a arcar com a despesa, alegando que deveria recepcionar o imóvel em perfeito estado de utilização, inclusive com o tanque de água cheio, por conta disso, se negou a quitar o débito perante a concessionária, ocasionando a geração de multas e por fim a suspensão do serviço de água pela concessionária.

Por analogia, indagamos? Quando se compra um carro na concessionária, o novo proprietário recepciona o carro com tanque cheio ou vazio? Ou ainda, na locação de um veículo é obrigação da locadora entregar o carro com tanque cheio?

Vejam que a comparação é válida, entretanto, no caso concreto deve-se observar quem efetivamente utilizou-se do serviço, ou seja, se foi o proprietário do imóvel, ou se foi o locatário.

O fato pode ser analisado sobre dois aspectos, o primeiro a responsabilidade do locatário na contratação em seu nome junto as concessionárias de água, energia e gás, visto que ele se utilizará dos serviços.

Havendo um contrato de locação de imóvel, o interessante a fazer é solicitar ao locatário que coloque as faturas de água, energia e gás em seu nome, caracterizando indiscutivelmente a locação e posse precária.

O outro aspecto, qual iremos tratar mais profundamente é da obrigatoriedade da prestação de serviços públicos essenciais, por parte da concessionária que pela falta de pagamento cancela o fornecimento do serviço.

É interessante observar o que diz a doutrina e a jurisprudência a respeito do tema. Primeiramente, resta evidente que o fornecimento de serviços de água encanada em áreas urbanas, é considerado serviço público essencial de caráter contínuo.

O art. 22 do CDC prevê: 

"Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código." (Grifos nossos)
Veja que o artigo é claro, “são obrigados”, não resta a menor dúvida, que o fornecimento de água como também o de energia elétrica e gás resulta de um contrato de adesão, cuja obrigação é de natureza pessoal, o que não constitui ônus real que deva necessariamente acompanhar o imóvel. (Grifos nossos)

Observa-se com muita frequência que as empresas fornecedoras dos serviços de água, energia elétrica e gás, tratam os débitos pelos consumos respectivos como obrigação “propter rem”, ou seja, como uma obrigação real, que segue a coisa, no caso o imóvel, independentemente de quem quer que a tenha contraído, pelo fato da conta estar vinculada a um imóvel.

Por outro lado, o entendimento que prevalece é no sentido de que os débitos concernentes a água e luz são de natureza pessoal, ou seja, vinculam-se apenas a pessoa que efetuou o consumo, seja ela o proprietário/locador, o locatário, o usufrutuário ou qualquer pessoa.

Nesse sentido, inclusive, vale citar as seguintes decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgadas em data recente, que abordaram o cerne da questão:

"Fornecimento de água e esgoto. Dívida de natureza pessoal e não “propter rem”. Imóvel locado. Cobrança que deve ser dirigida ao locatário e não ao titular do domínio das parcelas vencidas e não pagas. Solidariedade inexistente, não se equiparando à lei decreto estadual sobre a matéria. Sentença mantida. Apelo improvido. TJ-SP, 34ª Câmara, Apelação nº 0155275-92.2007.8.26.0002, Voto 23.239, Relator Desembargador SOARES LEVADA, Julgada em 07/10/2013. "(grifos nossos)

E o entendimento adotado no Superior Tribunal de Justiça não é diferente. Veja-se: 

"O entendimento jurisprudencial proferido pela instância de origem coaduna-se com o desta Corte Superior no sentido de que o débito tanto de água como de energia elétrica é de natureza pessoal, ou seja, não é propter rem, não estando vinculada ao imóvel, de modo que não pode o ora recorrido ser responsabilizado pelo pagamento de serviço de fornecimento de água utilizado por outras pessoas” (STJ. Resp. 1311418/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, T2, j. 17.04.2012)." (grifos nossos).
Entretanto, não é o que vem sendo aplicado na prestação de serviço público, que diga-se de passagem está sujeito a cinco requisitos básicos: 
a) eficiência; 
b) generalidade; 
c) cortesia; 
d) modicidade e finalmente 
e) permanência.

O requisito da permanência, principalmente no que tange aos serviços públicos essenciais, está sedimentada no artigo 22 "caput " do Código de Defesa do Consumidor, já citado acima.

Assim, resta como evidente que o serviço de fornecimento de água, por ser essencial, não pode ser interrompido sobre qualquer pretexto. 

Há no serviço considerado essencial uma perspectiva real e concreta de urgência, isto é, necessidade concreta e efetiva de sua prestação. O serviço de fornecimento de água para uma residência não habitada não se reveste dessa urgência. Contudo, o fornecimento de água para uma família é essencial e absolutamente urgente, uma vez que as pessoas precisam de água para sobreviver. Essa é a preocupação da norma.

Admitir-se-á o corte do fornecimento do serviço apenas após autorização judicial, se demonstrado no feito que o consumidor inadimplente, podendo pagar a conta — isto é, tendo condições econômico-financeiras para isso, não o faz. Afora essa hipótese e dentro dessa condição autorização judicial, o serviço não pode ser interrompido.

O fato é que aqueles que pensam que se pode efetuar o corte confundem o direito de crédito que tem o fornecedor, com o direito que ele não tem de interromper a prestação do serviço, visto que é essencial e contínuo.

Sobre o corte da água, a empresa distribuidora de água poderá proceder ao corte do fornecimento tão logo se verifique o não pagamento do débito. No entanto, o consumidor tem o direito de ser informado de forma clara e precisa que está sujeito a essa ocorrência.

Algumas decisões como já exemplificado acima, considera que o fornecimento de água, por ser um serviço essencial, não poderia estar sujeito a interrupção, devendo as empresas viabilizarem a cobrança de débitos nas formas previstas em Lei. Porém, essa discussão só é possível através do Judiciário.

Não há legislação específica qual procedimento a ser adotado sobre a religação do serviço de fornecimento de serviços essenciais. É prática das empresas tomarem a providência após 48 horas no caso de corte simples e 5 dias quando ocorreu supressão.

Serviços essenciais, como no caso o fornecimento de água deverá ser contínuo, não sofrendo interrupção exceto para manutenção, por casos fortuitos ou problemas que obriguem as empresas a esse procedimento.

Se o corte da água for determinado apenas por falta de pagamento, sem que haja qualquer ocorrência de força maior, os consumidores devem solicitar esclarecimentos à própria empresa, com base no Inciso III, artigo 6º do já mencionado Código, que diz:

" São direitos básicos do consumidor: 
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem. "
Quanto a possíveis prejuízos, decorrentes da falta de água, o ressarcimento só é possível através da esfera judicial. Fique atento aos seus direitos.

Ah sobre o caso do meu cliente, o locatário pagou a conta, e tudo voltou ao normal.

POR OLÍVIA PIMENTEL


















-Advogada, sócia do escritório Araújo Pimentel Advogados;
-Formada pela Universidade Paulista, OAB/SP 256.631 e OAB/BA 51.740;
-Pós-graduada 
  -em Análise de Negócios pela FAAP, e 
  -em Direito Ambiental Novas Tendências pela FGV;
Especialista em Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito ambiental, Direito dos animais e Direito Digital e
- Faz parte da Comissão de Direito Digital e Compliance – CDDC da OAB/SP.

Nota do Editor:

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