terça-feira, 13 de novembro de 2018

Execução Provisória da Sentença Penal Condenatória e o Princípio da Presunção de Inocência


O princípio da presunção de inocência, tese elementar de que ninguém será considerado culpado sem antes haver uma sentença penal condenatória transitada em julgado, existe como regra no processo penal. Em outras palavras, o réu deve estar em liberdade durante a investigação, processo e julgamento dos fatos. Nesta toada, no entendimento de Nestor Távora, “o encarceramento, antes de transitar em julgado a sentença condenatória, deve figurar como medida de estrita exceção”. Tem-se, desta forma, facultado ao acusado, o direito de usar os instrumentos e garantias processuais que lhe são disponibilizadas, de forma a ter condições de garantir sua ampla defesa e contraditório.

Desta forma, a execução penal condenatória só deverá ter seu início após o trânsito em julgado. Vale ressaltar, no entanto, que embora seja um princípio constitucional de suma importância, a positivação da presunção de inocência na Carta Magna de 1988, parece não mostrar-se suficiente para conter a execução provisória da sentença penal condenatória, sendo esta admitida no Brasil, como ocorreu na ocasião em que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 68.726, cujo relator foi o Ministro Néri da Silveira, ainda em 1991, mostrou que a presunção de inocência não se mostra impeditiva para a execução provisória da pena.

Ressalte-se, no entanto, que desde 2009 havia uma posição consolidada da doutrina, da jurisprudência e do próprio Supremo, quando do julgamento do HC 84078, no sentido da vedação/inconstitucionalidade da execução provisória da pena, senão vejamos:
"EMENTA: HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA "EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA". ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece que "[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença". A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. 5. Prisão temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos "crimes hediondos" exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva: "Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinquente"". 6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados --- não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subsequentes agravos e embargos, além do que "ninguém mais será preso". Eis o que poderia ser apontado como incitação à "jurisprudência defensiva", que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço. 7. No RE 482.006, relator o Ministro Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional [art. 2º da Lei n. 2.364/61, que deu nova redação à Lei n. 869/52], o STF afirmou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante violação do disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição do Brasil. Isso porque --- disse o relator --- "a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de qualquer condenação, nada importando que haja previsão de devolução das diferenças, em caso de absolvição". Daí porque a Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1.988, afirmando de modo unânime a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas. 8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual Ordem concedida. 
(HC 84078, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 05/02/2009, DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT VOL-02391-05 PP-01048)."

Até então, a jurisprudência constitucional estava em consonância com o dispositivo legal expresso na Constituição Federal, acerca da vedação a execução de sentença penal condenatória antes do transito em julgado.
 
Entretanto, em 2016 ao ter o tema posto novamente em pauta no STF, a Suprema Corte entendeu por bem mudar seu entendimento, decidindo nos autos do HC 126292 acerca da possibilidade da execução provisória da pena antes do trânsito em julgado. Vejamos:
"CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal. 2. Habeas corpus denegado.(HC 126292, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-100 DIVULG 16-05-2016 PUBLIC 17-05-2016)"

Dado o conteúdo polêmico, as opiniões contrárias multiplicaram-se. Nesse sentido, os Patriotas, antigo Partido Ecológico Nacional (PEN), e o Conselho Federal da OAB interpuseram Ação Declaratória de Constitucionalidade, cujo objetivo era declara constitucional a redação do art. 283, do CPP, cuja dúvida surgiu quando do julgamento do HC 126.292.
 
Deve-se destacar que com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal proferida nos autos das ADCs 43 e 44 interpostas pelo Partido Patriotas e a OAB, reafirmou-se a mudança de entendimento para possibilitar a execução provisória da sentença penal condenatória, antes do trânsito em julgado, sob o prisma de que com uma condenação proferida por um tribunal já se exauriu o princípio da não culpabilidade. A possibilidade de recursos cabíveis, a partir de então, só se discute matéria de direito, e não mais fatos e provas, autorizando assim a execução antecipada da sentença.
 
Existem elencados vários fatores que justificam a controvérsia em torno do tema. Podemos recorrer, por exemplo, ao Código do Processo Penal, que traz previsão em seu art. 228:
 "Art. 228. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva."

No entanto, houve alteração deste artigo com o advento da Lei 12.403/11, que buscou uma adequação à interpretação que impossibilitava a execução provisória da pena seguindo o princípio da presunção de inocência, pelo ordenamento jurídico.

Havia, até então, vedação expressa da execução provisória da pena tanto constitucional como infraconstitucionalmente, de forma que o legislador processual penal optou pelo não comento do impacto que a decisão controversa teria sobre a legislação processual, não havendo nenhuma menção ao art. 283, até mesmo pela total incompatibilidade com o que decidiu o STF.

Mas, é pertinente o questionamento trazido à baila por Aury Lopes Jr e Gustavo Bardaró. Vejamos:

É o acórdão que viola o disposto no artigo 283 do Código de Processo Penal e precisa ser reformado para suprir tal omissão ou o mencionado dispositivo que é inconstitucional e assim precisa ser expressamente declarado? A não discussão sobre tal tema de extrema relevância prática poderá causar irrecuperáveis prejuízos para a liberdade dos acusados. 
Importa ressaltar que em detrimento das críticas, Ana Cristina Mendonça e Geovane Moraes, colocam que a decisão acaba dando pauta para algumas considerações, com base no que se aduz do entendimento do STF. Os autores citam então:

1) A presunção de inocência ou não culpabilidade não obsta a execução penal provisória enquanto estiver tramitando a apelação, vez que esta possui efeito suspensivo;2) Após o julgamento da apelação, é possível a expedição do mandado de prisão para fins de execução antecipada da pena, visto que os recursos especial e extraordinário não possuem efeito suspensivo;
3) A execução provisória do acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que pendente o julgamento de recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio da presunção de inocência.

O Ministro Teori Zavascki ao justificar seu voto, fez algumas considerações, como por exemplo, que a decisão tinha na realidade, como objetivo, reconstruir posicionamento anterior do Supremo, quando este optou por reduzir o alcance do princípio da presunção de inocência, em que este seria aplicado apenas até o exercício do duplo grau de jurisdição.

De forma enfática, rebatem os juristas abaixo:

"A ineficiência do Estado ao não conseguir prestar a tutela jurisdicional em tempo razoável, seja por insuficiência física ou material, que terminam por gerar incapacidade no Poder Judiciário, não pode ser resolvida com a supressão das garantias processuais dos acusados (LOPES JUNIOR; BARDARÓ, 2016, p-37)."
                           
Todo este debate aponta para uma questão crucial que acaba fazendo com que decisões como essa seja um dos fatores para agravá-la que é a precariedade do sistema penitenciário brasileiro.

No Brasil, conforme aponta Danilo Cymrot, há uma prevalência da lógica do controle e não da lógica disciplinar, isto é, a ênfase estar na repressão do ato delituoso, que efetiva a exclusão social do detento, sem compromisso com a sua recuperação.

"Desde o nascimento das prisões, verificou-se a propensão à falência do sistema carcerário em relação às necessárias medidas retributivas e preventivas. Cada vez mais, indica-se a limitação da privação da liberdade àquelas de longa duração e aos condenados que representem perigo efetivo e que dificilmente possam ser recuperados. Passa-se a adotar o conceito de pena necessária de von Liszt (2011, p. 60)."

Acredita-se que o legislador constituinte ao estabelecer o princípio da presunção de inocência e outros dispositivos jurídicos legais existentes na legislação brasileira, buscou dirimir exatamente a premissa da prisão a qualquer custo, optando pela adoção de critérios que seriam recebidas e respeitadas legalmente pelos tribunais, mesmo havendo no Brasil, a cultura de buscar delineamentos que tornem a legislação fruto de interpretações muitas vezes, improvisadas e incoerentes, simplesmente para satisfazer determinado fim.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ALENCAR, Nestor Távora Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 11. ed. Salvador: Juspodivm, 2016;
BARBAGALO, Fernando Brandini. Presunção de inocência e recursos criminais excepcionais: em busca da racionalidade no sistema processual penal brasileiro. Brasília:TJDFT, 2015;
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
________, Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Brasília;
________, Lei de Execução Penal – Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984;
________, Lei Federal Nº 11.689 de 09 de Junho de 2008.
­­­________, Lei Federal Nº 11.719, de 20 de junho de 2008.
________, Lei Federal Nº 12.403 de 04 de Maio de 2011.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011;
CYMROT, Danilo. As origens da pena privativa de liberdade e seu significado na estrutura social brasileira. In: SÁ, Alvino Augusto de, TANGERINO, Davi de Paiva Costa, SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia no Brasil. História e aplicações clínicas e sociológicas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011;
LOPES JR, Aury; BARDARÓ, Gustavo Henrique. Parecer. Presunção de inocência: Do conceito de trânsito em julgado da sentença penal condenatória. 2016. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/wpcontent/uploads/2016/06/Parecer_Presuncao_de_Inocencia_Do_concei.pdf. Acesso em: 13 de junho de 2017;
MARINHO, Alexandre Araripe; FREITAS, Guilherme Tavares. Manual de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.e
MENDONÇA, Ana Cristina; MORAES, Geovane. Vade Mecum Penal. 2. Ed. Recife: Armador, 2015.

POR IURY JIM BARBOSA LOBO













-Advogado - OAB/CE 33153; 
-Graduado em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará – FAP/CE (2015); 
-Pós Graduado em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Regional do Cariri – URCA (2017); 
-Advogado Criminalista no Escritório OLIVEIRA, PESSOA & LOBO ADVOGADOS, situado em Juazeiro do Norte/CE, desde 2015. 
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E-mail: iurylobo.adv@outlook.com

Nota do Editor:

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