Autora: Sheyllah Campos(*)
No período da redemocratização brasileira, precisamente na transição do autoritarismo (1964-1985) para a democracia, o papel das Forças Armadas não foi analisado nos meios de comunicações e acadêmicos na época, ao estudarmos as transições das recentes Repúblicas e seus regimes democráticos dos quais saíram de um autoritarismo para uma democracia a questão militar foi até certo ponto negligenciada academicamente.
Não houve com a redemocratização pós-constituinte uma reestruturação institucional nas Forças Armadas continuando, essa instituição, a exercer suas funções no cenário político e socioeconômico sem qualquer restrição e com gozo de suas prerrogativas intactas.
Fazendo o recorte histórico analítico Nóbrega Jr. (2005) explica que:
“Aqui a variável histórica tem algum impacto, mas não pode ser hiperdimensionada, pois o caráter transitório foi um jogo político pelo “alto” e, no caso brasileiro, não houve uma real tentativa de dominar os militares por parte dos civis.” (Nóbrega Jr, 2005, p. 158).
Acredita-se que com a redemocratização do nosso país, os militares voltaram a ocupar seus lugares nos quartéis e o Estado Democrático de Direito ficou sendo assegurado pelo controle civil democrático, onde os poderes do Executivo, Legislativo e Judiciário “retornaram” suas atividades separadamente.
Passados mais de 34 anos após o fim do período ditatorial, as Forças Armadas não se manifestaram em nosso país nas últimas décadas, esta parcimônia se deve ao fato de que os militares até o momento não foram ameaçados pelo poder civil, não havendo pelos últimos qualquer manifestação sobre a atuação militar e suas “pétreas” prerrogativas..
É relevante o devido entendimento do papel das Forças Armadas em nosso país, na seara política deve haver um relacionamento entre os militares e as autoridades civis democraticamente eleitas de cunho independente.
Entretanto, para que isso ocorra é primordial considerar que as instituições militares de qualquer sociedade são moldadas por duas forças: um imperativo funcional, que se originadas ameaças à segurança da sociedade, e um imperativo societário, proveniente das forças sociais, das ideologias e das instituições dominantes dentro dessa mesma sociedade, (HUNTINGTON, 1996).
Este artigo apresentará a necessidade de um controle civil sobre o poder militar, pois não podemos pensar academicamente em uma democracia sem que haja os critérios de um regime democrático de fato, no mais ao analisarmos notamos presença maciça de militares na atual gestão do governo federal.
O artigo parte da análise teórica das relações entre civis e militares no cenário brasileiro, partindo da premissa de que com a transição dos regimes ditatorial e pós-democrático ocorridos em nosso país, os militares desempenharam um importante papel, colocando em exposição o alto custo do governo civil em controlar a instituições das Forças Armadas, estas que desempenham no meio político atuação constante, perpassando muitas vezes a questão da segurança pública.
Jorge Zaverucha (1994) em seu livro "Rumor de Sabres: Controle Civil ou Tutela Militar. Estudo comparativo das transições democráticas no Brasil, na Argentina e na Espanha " (1994) analisou dentre outros temas as relações civis militares durante o governo Sarney e fez algumas previsões sobre o futuro governo Collor afirmando que havia o receio que em vez de caminharmos para uma democracia consolidada deixávamos aberto a possibilidade de um retrocesso autoritário.
Ao analisar o contexto político e o contexto militar, poucos estudiosos da Ciência Política fizeram em suas análises trabalhados que moldassem institucionalmente o situação funcional refletida no cenário político brasileiro destes dois grupos (civil e militares), o professor Jorge Zaverucha (2000) em seu livro “Frágil Democracia” apresenta um estudo detalhado da não-ruptura do poder militar no período de transição de regimes, mesmo porque este é o detentor do poder do qual é adjetivo legal em nosso país.
Não foi formulado em nenhum partido, seja ele de esquerda, centro ou de direita, que os Estados que houveram ruptura com regimes autoritários precisariam possuir o controle militar em suas “mãos”, estudos sobre essa temática surgiram com um dos principais pensadores políticos conservadores dos EUA no século XX Samuel Huntington — autor do controverso “O choque de civilizações”.
Não é pela sociedade civil na investidura das instituições civis que qualquer controle sobre os militares se faça simplesmente, muito pelo contrário, afinal de contas, se hoje possuímos uma democracia (ou uma semidemocracia ou uma democracia híbrida como defende Nobrega Jr., como veremos a seguir) é porque houve entre os civis e militares um acordo para que esses últimos não fossem atingidos pela supressão de suas prerrogativas, caminhando desta forma, para um processo democrático “de mãos dadas” com as Forças Armadas monopolizadoras dos meios da coerção legal.
Devemos entender que o controle civil diminui à medida que os militares tornam-se progressivamente envolvidos nas instituições de classe e política constitucional (Huntington, 1957, p. 83), podemos analisar um contexto de que muito provavelmente nenhum governo que assuma uma democracia onde haja resquícios de um regime ditatorial e/ou autoritário, pouco poderá realizar uma ação institucionalizada da sociedade civil e os poderes políticos para que de fato haja uma consolidação da democracia com um controle civil sob os militares.
Nesse viés dois problemas se apresentam para que haja um controle civil sobre os militares: o primeiro trata da contestação militar articulada contra as políticas da nova liderança democrática civil (onde em um regime de democratização ou redemocratização esse grau de contestação é afetado pelo nível de intensidade da disputa ou pela substância do acordo que foi alcançado entre os militares e o governo que assume o poder) a outra se refere às prerrogativas militares institucionais.
Segundo Stepan (1988) o Brasil é o país onde existe menos conflitos sobre a iniciativa do novo governo civil de redimensionar a missão e a organização dos militares, essa ausência relativa de conflito deve-se ao fato de que a Nova República e seus princípios regentes com toda a sua reestruturação, em relação aos militares não foi satisfatoriamente realizada.
Se ao tentar reduzir as prerrogativas militares no novo governo democrático, encontrará este uma forte resistência militar, essa resistência se refletiria na dimensão de conflito, porém do ponto de vista analítico é útil distinguir entre dimensão de conflito e dimensão de prerrogativa uma vez que numa democracia se apresentam várias relações possíveis entre elas.
A questão sobre o conflito articulado supramencionado envolve um tipo de contestação aberta que é fundamental na conceitualização do poder formulada por Robert Dahl (classificamos a democracia brasileira como uma Poliarquia “delegativa” de acordo com os requisitos de Robert Dahl, 1995), havendo nos dias atuais esforço tecnocrata delegativo na gestão econômica e política em um processo que ganha força para afastar as instituiçõesdemocráticas e políticas do seu verdadeiro papel, constituindo uma dimensão muito importante no padrão das relações entre civis e militares, no entanto, na medida em que o militar pode derivar de uma série de prerrogativas eles adquirem – ideologicamente ou politicamente – essas prerrogativas, tendo em vista um tipo de poder estrutural independente latente no sistema político.
No que se refere a Segurança Pública, o professor e autor Nóbrega Jr (2005) destaca:
“... a estrutura de Segurança Pública brasileira, que deveria ser de natureza civil e com fins de defender os interesses dos cidadãos brasileiros em quaisquer circunstâncias, se preocupa mais com a defesa dos interesses do Estado que da cidadania, onde o processo de militarização dessas instituições é a prova desse hiperdimensionamento do Estado em relação aos cidadãos (NÓBREGA JR, 2005, p. ).
Explica o autor que a própria estrutura do aparelho policial se manteve praticamente igual ao do regime autoritário, não havendo ruptura alguma. No processo de formulação da Constituição 1988, mantiveram-se as prerrogativas militares em atividades de segurança interna, “como o policiamento (Polícias Militares) e defesa civil (Corpo de Bombeiros). As PMs dividindo com os policiais civis a administração dos conflitos sociais”.
Concluímos que o sistema político brasileiro não foi capaz até hoje de equacionar adequadamente a relação de autonomia e controle do aparelho militar, até porque raramente atribuiu funções claramente definidas a estes e a sociedade parece ter dado as “costas”, mesmo no regime democrático quando defende que a elite política brasileira nunca viu os militares como servidores do Estado, mas como adversários na política, pelo poder no campo interno. As instituições políticas e administrativas no Brasil, falharam pela falta de ação por parte em estabelecer um efetivo controle sobre os militares, o que fez com que o processo de transição democrática fosse uma bagatela de favores entre as elites civil e militar.
Mas, como preceitua Steven Levitstky (2019), “o fato de as instituições estarem sobrevivendo no Brasil é, antes de tudo, uma prova de força de uma das democracias mais importantes da América Latina”, com isso devemos, enquanto instituição civil, sairmos da zona de acomodação e laborarmos para produzirmos uma efetivação de passagem de uma democracia híbrida para uma necessária democracia consolidada, democracia essa merecedora da sociedade brasileira.
-Advogada OAB/PB 23444;
-Professora de Geografia Especialista;
-Pesquisadora em Políticas Públicas de Gênero na Inclusão do processo Eleitoral Mundial;
Pós Graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela UNIPE;
Aluna do Mestrado em Ciências Políticas pela UFCG.
-Professora de Geografia Especialista;
-Pesquisadora em Políticas Públicas de Gênero na Inclusão do processo Eleitoral Mundial;
Pós Graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela UNIPE;
Aluna do Mestrado em Ciências Políticas pela UFCG.
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