Autor: Juliano Lavina(*)
Ambas as teorias surgiram para enfrentamento de uma onda que visa
derrubar a efetividade das normas do Código de Defesa do Consumidor, através do
nascimento de outras duas teorias, a do mero aborrecimento e a indústria do
dano moral. Assim, a Teoria do Safety Flare indica que, toda vez que a lei ou
um contrato declarar que uma atividade deve ser praticada, o desrespeito a esse
mandamento caracteriza dano moral in re ipsa, bastando ao lesado
demonstrar o ato ilícito - que seria o desrespeito a lei ou ao contrato, e o
nexo causal.
Já a Teoria Aprofundada sustenta que, o consumidor ao desperdiçar seu
tempo vital e se desviar das suas atividades existenciais para tentar resolver
problemas de consumo, sofre necessariamente um dano extrapatrimonial de
natureza existencial, que é indenizável também in re ipsa.
Como todos temos conhecimento as teorias do mero aborrecimento e da
indústria do dano moral surgiram do desespero dos infratores que, visualizando
condenações em massa, articularam essas teorias para minimizar suas percas, já
que o rombo seria extraordinário.
Como no Brasil cumprir as leis não é a regra, era necessário encontrar
uma forma de desviar o foco da Legislação Consumerista para mitigar os impactos
nos cofres daqueles que desrespeitam a legislação protetiva.
E por isso nasceram as terias do mero aborrecimento e da indústria do
dano moral que, infelizmente, hoje, dominam o mercado de consumo derrubando os
direitos dos consumidores e culpando-os pela judicialização em massa. Isso
mesmo que você leu, a culpa está sendo despejada nos pobres consumidores.
Com base nessas teorias capitalistas meros distúrbios negociais não são
suficientes para caracterizar o dano extrapatrimonial, sob pena de o ato gerar
uma indústria indenizatória injustificada, e esse é o caso teórico porque o que
era para ser uma regra passou a ser a exceção, isto é, cumprir a lei não é mais
suficiente para demonstrar ao agente transgressor que essa é a conduta esperada
de uma sociedade no mundo moderno.
O Código de Defesa do Consumidor foi instituído em 1990 exatamente para
brecar o mercado capitalista que fazia o que queria com os direitos dos
consumidores, mas infelizmente o mercado de capital, astuto como é, deu um
jeito de driblar as regras novamente. E o pior disso tudo, é ver o Judiciário
balizando essa conduta.
As regras nascem, como todos sabemos, para serem cumpridas e a pergunta
que faço ao nobre leitor é a seguinte, por que o consumidor é obrigado a seguir
a lei e o fornecedor não? Se o consumidor comprou determinado produto e ele
veio com defeito, porque o adquirente precisa experimentar todo o dissabor da
troca ou até mesmo da demora na devolução dos valores após cancelar, se é o fornecedor quem deve garantir a qualidade
do produto?
Infelizmente esse é o Brasil, onde receber uma "porcaria" é o
mínimo que o cidadão tem de direito. Falo isso porque na América ou na Europa o
melhor de um produto é o mínimo que o cidadão Europeu ou Americano pode
esperar, e nós aqui somos obrigados a receber o lixo Coreano ou o Japonês e
ficar contente, porque o mais nunca será a realidade neste país.
Nesta mesma linha é o teor das teorias do mero aborrecimento e da
indústria do dano moral, porque elas culpam o consumidor pela busca de um
direito, quando na verdade dever-se-ia entregar o mais e não o menos. A partir
do momento que o cidadão busca no Judiciário a tutela jurisdicional é porque os
tramites administrativos já se esgotaram, todas as tentativas para resolver o
problema foram manejados, razão pela qual o dano anímico oriundo dessa
resistência injustificada do fornecedor em resolver o problema, não pode ser
suportado pelo consumidor.
A partir do momento que a compra dá defeito ou não supre as expectativas
de quem o adquiriu é o fornecedor que deve resolver a querela, a não ser que
cientificou expressamente o adquirente de todos os pormenores, mas sabemos
muito bem que isso não acontece no Brasil, a grande maioria é contrato de
adesão que o consumidor nunca recebeu.
Logo, obrigar o consumidor a ficar ligando para a empresa, depois ir ao
Procon e novamente não ter a solução do seu problema, e ao final ter que
contratar um advogado e pagar pelo serviço para dar mais valia a lei ou o
contrato, não pode ser objeto de uma alegação de mero aborrecimento ou
indústria do dano moral.
Enquanto houver essa cultura de que aborrecimentos comezinhos são
naturais de uma relação jurídica bilateral, fornecedores farão o que quiserem
com o Código de Defesa do Consumidor, e é o que vemos na prática hoje em
dia.
Vou citar um exemplo - seguradoras. O cidadão paga por uma vida inteira
um seguro de vida para ao final do curso da vida a família ter o direito negado
pelo banco por um motivo ignóbil – ouso falar aqui que 95% dos seguros de vida
hoje no Brasil são negados de plano imotivadamente, ou o motivo é ilegal. Tenho
experiência de 10 anos de Judiciário e 100% dos casos que analisei eram de
decisões por um fundamento qualquer, estranho a relação, simplesmente a
seguradora negava.
E por que isso? Explico: um seguro de vida com uma indenização pela
morte de 1 milhão de reais, por exemplo, tem o pleito ressarcitório negado
administrativamente. O beneficiário então será obrigado a ajuizar a ação, desta
fase em diante até a sentença lapso temporal mínimo de 2 anos, sendo bem
modesto. Soma-se a esse prazo mais 2 anos de recurso, já temos 4 anos. Além
disso, mais 1 ano de cumprimento de sentença, total 5 anos de trâmite, se não
houver recurso para o Superior Tribunal de Justiça.
Agora, faça uma simulação desse um milhão aplicado a fundo fixo por 5
anos, teríamos aí uma lucratividade de R$ 170.000,00, mas todos sabemos que os
bancos têm carteiras de investimentos muito mais lucrativas. Ainda assim, vamos
nos manter nesse patamar de R$ 170.000,00 de ganhos; agora multiplique esse
valor pelo número de seguros negados por dia, empregue novamente a
lucratividade mencionada e jogue todo esse valor em investimentos
diversificados. Responda para você mesmo se é lucrativo para as seguradoras
cumprirem o contrato? Não precisa ser muito inteligente para chegar a uma
resposta não é?
Onde quero chegar com esse cálculo? Quero dizer que é muito mais
lucrativo para o fornecedor não cumprir o contrato do que cumpri-lo.
A seguradora é só um exemplo, mas posso citar outros tantos. Hoje as securitizadoras
de crédito são as que mais estão ganhando dinheiro no mercado e as sociedades
empresárias estão pegando carona nessa onda e fazendo o mesmo.
A partir do momento que ela possui um bom grupo de pedidos que foram
cancelados e já estão pagos, quanto mais tempo levar para esse dinheiro ser
devolvido ao consumidor, mais elas lucrarão, consequentemente a negativa do
Judiciário no que toca ao reconhecimento do dano moral por todo esse incômodo
só favorece o bolso desses aproveitadores, e o resultado é um só: aquela máxima
jurídica de que o dano moral deve ser temperado pelo Judiciário para evitar a
indústria do dano moral está invertendo a lógica das coisas, deixando de
indenizar quem devidamente possui o direito para favorecer uma minoria
privilegiada no mercado de capital.
E é aí que está o pulo do gato, quando o Judiciário pensa que está
fazendo Justiça, está fazendo exatamente o contrário, infelizmente. Como
declarou muito bem o Min. Marco Aurélio Bellizze, no AREsp 1.260.458/SP, o
"Estado falha em cumprir seu dever de proteger o consumidor" {STJ}.
Não preciso dizer mais nada!
Sob esse aspecto, antes mesmo da Teoria Safety Flare vir ao mundo a teoria
do desvio aprofundado já demonstrava para o Judiciário que essa corrente do
mero aborrecimento/indústria do dano moral era uma aplicação injusta, e foi
assim que o Tribunal de Justiça de São Paulo inovou à época proferindo várias
decisões declarando que todo o transtorno experimentado pelo consumidor pela
perda do tempo para resolver um problema criado pelo fornecedor, deveria ser
indenizado. Mais tarde foi a vez do Superior Tribunal de Justiça dar peso a
essa teoria, aplicando-a em inúmeros casos, inclusive quando se tratava das
astreintes, reiteradamente descumpridas pelos agentes financeiros. Citar
desrespeito ao ordenamento pelos fornecedores é muito fácil no nosso País!
Nessa mesma esteira lancei a Teoria do Safety Flare, irresignado com a
deterioração do Código de Defesa do Consumidor e das injustiças presenciadas no
Judiciário com a falsa resposta Estatal. Após acompanhar inúmeros pleitos de
pessoas que escrachadamente tinham seu direito ceifado por bancos, seguradoras,
empresas de telefonia ou aviação, sociedades empresárias, entre outras, percebi
que o objeto central sempre foi o descumprimento do contrato ou da lei, e mesmo
depois de 30 anos de Pergaminho Consumerista nada havia sido ensinado aos
fornecedores com as sentenças proferidas, lamentavelmente.
Assim nasceu minha teoria que trata essas questões e outras, como um
problema de macrocriminalidade. Esta se caracteriza por crimes praticados que
atingem toda uma coletividade, sua característica se concentra no elevado
status social dos seus infratores, e a impunidade fomentada por inúmeros
setores faz com que esses fornecedores invertam valores, a regra passa a ser
não obedecer às leis ou o contrato. O fato de não executar um acordo ou a lei;
de não atender o cliente com fito em resolver o problema; o seguro que não é
devidamente indenizado; o cancelamento do serviço que não é realizado após
inúmeras tentativas e etc., são condutas criminosas desses fornecedores, que se
utilizam dessas manobras para dificultar a concretização do pleito realizado,
vencendo o consumidor pelo cansaço ou criando entraves à concretização.
A questão é simples: ou cumpre ou não cumpre a lei/contrato, não há
espaço para delírios normativos. Os poderes institucionalizados atualmente
estão enfraquecidos justamente por força desse tipo de decisão que sustenta a
indústria do dano moral, que inverte a culpa para impunha-la no consumidor.
A reação backlash que vivenciamos no país tem fundamento na insatisfação
dos cidadãos com esse tipo de decisum, e eu provoco qualquer um dos
leitores a perguntar ao povo brasileiro o que eles pensam das decisões atuais
do Judiciário a esse respeito. O próprio tema da segurança jurídica foi objeto
de discurso do Min. Dias Toffoli em reunião com Ministros do Superior do Tribunal
de Justiça.
Contudo, o espaço aqui é exíguo para falar mais a respeito e no curso
das minhas publicações falarei mais profundamente sobre esta teoria que já
desperta atenção de algumas autoridades que acompanham mais de frente essa
mudança que precisa ser posta em prática logo, agora para ser mais preciso. O
tempo urge e não há mais espaço para manter esse dano provocado.
Espero que tenham gostado do artigo, por favor comentem e compartilhem
para que possamos dialogar abertamente sobre.
* JULIANO LAVINA
-Advogado Criminal especializado no Trib. do Júri;
-Professor de Direito Penal e Processo Penal;
-Membro da Comissão Especial de Estudos de Ciências Psicológicas;
-CEO da Conceito Soluções;
-Autor da Teoria do Safety Flare ou da Direção Sinalizada; e
-Ex-Assessor do Min. Marco Buzzi
Nota do Editor:
Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.
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