Autora: Débora Machado Rocha(*)
Com a pandemia do coronavírus (Covid-19) e o isolamento social, as relações de trabalho foram profundamente afetadas, obrigando diversos segmentos a se reinventar, adaptarem seus negócios e a colocar seus funcionários para trabalharem de casa.
A essa modalidade de trabalho, a legislação dá o nome de trabalho à distância, teletrabalho, trabalho remoto, trabalho em domicílio, home office (trabalho de casa) ou anywhere office (trabalho de qualquer lugar).
Ainda, hoje, há divergências doutrinárias sobre a definição e abrangência do conceito teletrabalho, pois alguns autores entendem que mesmo o trabalho realizado sem o uso da informática, como o da costureira empregada que trabalha em casa, seria um tipo de teletrabalho. E isso porque o radical “tele” significa longe ou à distância, ou seja, abarcaria qualquer tipo de trabalho realizado à distância. O uso ou não da tecnologia de informação e comunicação para caracterizar o teletrabalho é algo a ser tratado por cada país.
Com o mundo cada vez mais tecnológico, é natural que as relações trabalhistas sofram constantes mudanças e evoluções. Todavia, faz-se necessário que as normas jurídicas acompanhem essas novas realidades para que não haja violação dos direitos arduamente conquistados ao longo dos anos.
No Brasil, a figura do trabalho à distância ganhou maiores contornos em 2011, com a Lei 12.551, quando houve a alteração do artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Esse artigo passou a prever que não haveria diferença entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado à distância, desde que presentes os elementos caracterizadores da relação de emprego (pessoalidade, subordinação, onerosidade e não-eventualidade).
Já que o trabalho estava sendo realizado fora das vistas do empregador, também foi preciso equiparar os meios telemáticos e informatizados de comando aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho para fins de subordinação jurídica, que é o dever que o empregado tem de seguir as regras e diretrizes estabelecidas pelo empregador.
Assim, até o advento da Reforma Trabalhista, Lei 13.467/2017, os empregados que trabalhavam à distância gozavam da proteção celetista em todos os aspectos, como jornada de trabalho, pagamento de horas extras, entre outros direitos.
Com a publicação da referida lei, houve a inclusão do capítulo "Do Teletrabalho", artigos 75-A a 75-E, na CLT, para regulamentar especificamente essa modalidade contratual.
O teletrabalho então foi conceituado como a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e comunicação. Aqui, aquela divergência sobre o uso ou não da informática para caracterizar o teletrabalho fica um pouco mais clara, pois houve determinação expressa na CLT.
No artigo 75-C ficou previsto que a prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deve constar expressamente em contrato individual de trabalho, que especificará as atividades a serem realizadas pelo empregado. Já no artigo 75-D ficou determinado que a responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito. Por fim, ficou consignado no artigo 75-E que o empregador tem obrigação de instruir seus empregados quanto às precauções a tomar para evitar doenças e acidentes de trabalho.
A cereja do bolo veio com a inclusão do inciso III, no artigo 62, da CLT, para excluir os teletrabalhadores do capítulo "Da Jornada de Trabalho", que, aos mais desatentos, pode passar desapercebido, mas que, na prática, tende a lesar inúmeros trabalhadores, pois, não havendo o controle da jornada, não haverá o pagamento de horas extras.
Embora muitos empregados tenham se adaptado bem ao trabalho à distância, relatando como vantagens o maior tempo para ficar com a família, a autonomia para gerir melhor o tempo de trabalho e lazer, a maior produtividade, o fato de poder trabalhar para mais de um empregador (pluralidade contratual), o ganho de tempo ao não precisar se deslocar até a empresa, entre outros, o período da pandemia do coronavírus tem demonstrado que nem tudo são flores.
O isolamento social por si só já foi um grande desafio, atrelado ao teletrabalho, a educação dos filhos em homeschooling (escola em casa), aos cuidados da casa, às relações familiares e aos demais afazeres do dia a dia, trouxeram situações, até então, não vivenciadas, ou se quer imaginadas, pela sociedade.
Culturalmente não tínhamos o hábito do trabalho à distância, que, na maioria das vezes, por ser algo novo, era visto com certa desconfiança.
Além disso, com o aumento do teletrabalho na pandemia, tem se notado que:
- nem todo empregado conseguiu criar uma rotina e se adaptar ao teletrabalho, criando e mantendo horários de início, descanso e término das tarefas, gerando diminuição da produtividade;
- em muitos casos, a qualidade dos relacionamentos ficou comprometida, aumentando os casos de solidão, depressão, estresse, ansiedade, violência doméstica e outros;
- houve sobrecarga do trabalho da mulher, que, antes da pandemia já tinha uma jornada considerada dupla, e agora, com a educação dos filhos em casa, por exemplo, passou a ser responsável por uma jornada maior e mais extenuante (é verdade que a participação dos homens nos trabalhos domésticos e criação dos filhos aumentou. Porém, ainda hoje, na maioria dos lares, a mulher ainda é a grande responsável por essas tarefas);
- dificuldade em controlar e estabelecer metas, principalmente em pequenas e médias empresas;
- ausência de fiscalização das normas de segurança e saúde do trabalho;
- redução de direitos trabalhistas;
- carência da legislação trabalhista em dar maior proteção aos teletrabalhadores em aspectos relacionados a responsabilidade no fornecimento de equipamentos e mobília adequada, pagamento de luz, internet e manutenção do sistema, entre outros, gerando o aumento de custos individuais para o empregado;
- em alguns casos, ausência de local próprio na residência do teletrabalhador para se dedicar ao trabalho, pois o “escritório” e a sala de estar, por exemplo, ocupam o mesmo espaço, ocasionando distrações;
- distanciamento de outros funcionários, prejudicando o contato e a amizade, que fazem parte do convívio e desenvolvimento humano;
- comprometimento do direito à desconexão, havendo uma extensão casa/trabalho e consequentemente perda dos momentos para o lazer; e
- uso intenso das tecnologias da informação e comunicação, e outros tantos desafios que ainda surgirão ao longo do tempo.
Como se vê, o tema desperta inúmeras reflexões e a atual legislação se monstra insuficiente para tratar de aspectos tão complexos, além de não promover a devida proteção aos direitos dos teletrabalhadores a fim de se evitar abusos por parte dos empregadores.
Neste sentido, encontra-se em trâmite no Senado Federal o Projeto de Lei (PL) 3.512/2020, de iniciativa do Senador Fabiano Contarato (REDE/ES), para revogar o inciso III do art. 62, alterar o art. 75-D e acrescentar o art. 75-F à CLT.
A proposta tem como objetivo obrigar o empregador a fornecer e manter os equipamentos e a infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho em regime de teletrabalho, ressalvado o disposto em acordo coletivo, bem como a reembolsar o empregado pelas despesas de energia elétrica, telefonia e internet. Prevê também que os empregados em regime de teletrabalho estarão sujeitos às normas relativas à jornada de trabalho dos trabalhadores em geral.
Assim, conclui-se que a legislação sobre o teletrabalho no Brasil é insuficiente para regular e proteger os teletrabalhadores, onerando significativamente os gastos dos empregados ao prever que as obrigações com a aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada ao trabalho remoto, bem como reembolso de despesas, como energia e internet, serão negociadas e previstas em contrato escrito.
Na seara trabalhista, de modo geral, não há como colocar empregadores e empregados em "pé de igualdade", pois, devido principalmente a necessidade de trabalhar e prover seu sustento e de sua família, o trabalhador irá aceitar as condições impostas pelo empregador.
*DÉBORA MACHADO ROCHA
- Bacharel em Direito pelo Centro Universitário UNA de Belo Horizonte/MG.
Bacharel em Ciências Contábeis pela Faculdade de Ciências Contábeis e Administrativas Machado Sobrinho de Juiz de Fora/MG;
- Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário pela Faculdade Estácio de Sá de Juiz de Fora/MG
-. Pós-graduanda em Direito
Previdenciário pela Faculdade Legale;
- Advogada trabalhista e previdenciária
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