No
celular, uma mensagem do "INSS" avisa : "você foi selecionado para realizar
a prova de vida" – mas, não se preocupe... a prova de vida poderá ser
realizada via reconhecimento facial. Entre na página do INSS, coloque seu login
e senha e siga as instruções, em breve você receberá uma mensagem, siga todos
os passos e ... plin.. sua prova de vida foi concluída.
Tudo seria tão simples e tão prático, a serviço dos milhares de aposentados de todo o país, idosos, pessoas nas mais diversas situações e comorbidades... A intenção da Autarquia Federal foi excelente, entretanto esta opção pode trazer maiores dores de cabeça do que benesses.
Explicamos:
fraudadores inescrupulosos, não se sabe de que maneira, conseguem acessar os
dados biométricos de milhares de pessoas e vendem estes dados, para outros
fraudadores, que repassam esses dados para a realização de empréstimos
consignados, sem a autorização do beneficiário – e, pior, o dinheiro vai para a
conta do aposentado...
Os leitores devem se perguntar : Mas por qual motivo os supostos fraudadores transfeririam o valor do empréstimo diretamente para a conta do aposentado ou pensionista?
Simples... dali há alguns dias... outra mensagem é enviada para o celular do aposentado e do pensionista, informando que o INSS (obviamente que não é o INSS), detectou um empréstimo fraudulento e para tanto, o dinheiro deve ser devolvido ao banco..
O interlocutor por telefone ou por Whatsapp ainda informa que será enviado um boleto para que o pagamento seja realizado e o dinheiro supostamente devolvido – aí o golpe idealiza as condições jurídicas necessárias para que a fraude, infelizmente, seja descartada pelo judiciário fazendo com que muitas ações sejam julgadas improcedentes.
Explicamos... o interlocutor, então acessa a localização geográfica do tal aposentado ou pensionista, inclusive pede para que o mesmo ative a localização. Confirma o endereço e todos os dados. Envia o boleto e ainda informa que para realizar o cancelamento do tal empréstimo, é necessário que o aposentado faça o reconhecimento facial – a tal biometria facial.
Pronto. O fraudador tem nas mãos tudo que precisava para , teoricamente, validar a sua fraude, ou seja, a fotografia do aposentado, um SIM, digitado no whats app, e a geolocalização do aposentado com o seu número de telefone no seu CPF , obviamente.
Continuando o golpe, o fraudador envia um boleto para o ingênuo aposentado, que para se livrar do empréstimo não solicitado pelo consumidor, paga o boleto com o dinheiro depositado do suposto empréstimo . Entretanto, esses boletos contém algoritmos que não são do banco onde o empréstimo foi disponibilizado e vão para as contas dos fraudadores.
O
aposentado fica com a dívida descontada de seu benefício mensalmente. Ao
reclamar perante a justiça, a defesa do banco
escancara os logs – com a geolocalização do aposentado... o print do SIM... e a fotografia do aposentado. Em defesa, conclui a
instituição financeira que o empréstimo foi realizado pelo aposentado.
Em nosso trabalho na defesa dos interesses do consumidor, temos nos amparado a legislação consumerista, como forma de rever os valores descontados, porque muitas das vezes, o aposentado e pensionista só se apercebe do golpe, tempos depois mas esta missão tem sido muito dura.
Vimos aconselhando a que os nossos clientes depositem em juízo o valor depositado a revelia do consumidor e não faça uso deste dinheiro – porque a instituição, em sua defesa, sempre alega que "embora o consumidor afirme que não autorizou o empréstimo – usufruiu do numerário disponibilizado."
Mesmo assim, não tem sido fácil a vida dos juízes.
Isto porque é difícil lhe dar com provas concretas apresentadas pelas instituições financeiras, que confirmam a realização do empréstimo – ou seja, o que parece – não é.
O sistema fraudulento é tão ardiloso que em face de todas as provas apresentadas pelas instituições financeiras, os juízes vêm pedindo perícia tecnológica, para não serem injustos em sua decisão – poucos profissionais existem para a realização desse trabalho e, fadado ao insucesso, muitos consumidores desistem de ingressar na justiça e reaver os descontos efetuados, acabando por concluir que é melhor ficar com o dinheiro depositado ... a enfrentar uma longa batalha jurídica.
A suposta regularidade do empréstimo consignado tem sido confirmada pelos Tribunais, já que o "aceite dos termos do contrato a partir do envio dos dados biométricos solicitados e a fotografia obtida através da biometria facial é idêntica à de documento pessoal e correntista..."
Ocorre que os juros que são utilizados para estes empréstimos são absurdos . Por exemplo, em recente caso, um empréstimo fraudulento no valor de R$ 15.000,00 foi realizado por 80 parcelas de R$ 330,00 o que significa quase 7 anos de parcelas, a juros compostos...
Infelizmente, alguns julgados, desconhecem a verdadeira função destes empréstimos consignados que, dentre outros predicativos tem o objetivo de enriquecer os fraudadores, causar prejuízos a economia, e causar danos ao erário público, inclusive, porque na maioria das vezes, os pensionistas e aposentados, não tem condições de arcar com as custas processuais sem prejuízo de seu próprio sustento e o de sua família – e fatalmente recorrem a máquina judiciária, já exacerbada de processos.
O sistema é bruto...
O próprio sistema cria o problema e não consegue se livrar dele. Biometria facial, geolocalização, endereço de IP... tudo isto é muito complexo para pessoas humildes, que em sua grande maioria são os beneficiários do INSS .
A intenção de facilitar a prova de vida e a contratação de empréstimos através da tecnologia é muito boa – entretanto, inescrupulosamente, os fraudadores conseguem burlar a segurança dos bancos, a segurança da autarquia federal, emitem boletos falsos, e a conclusão a que se chega é que foi "vendida a facilidade para os fraudadores..."
A nós, operadores do direito, resta-nos estudar soluções cada vez mais criativas, do ponto de vista hermenêutico para explicar aos julgadores o inexplicável porque, infelizmente, as recentes decisões dos mais variados tribunais do país não estão do lado do consumidor e acabam por validar tais empréstimos, mesmo que diante da inexistência de um contrato assinado e da afirmativa inegável do aposentado ou pensionista que definitivamente não contratou a operação : é a tal tecnologia a favor dos estelionatários que induzem a erro suas vítimas.
A teoria da liberdade das formas, previstas no art. 107 do Código Civil que reza: "A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir", tem sido muito utilizada nos dispositivos das decisões.
A ausência de declaração explícita de vontade da parte, prevista no Código do Consumidor, que disciplina no capítulo VI a relação das instituições financeiras a esta legislação especial, tem sido relativizada, não pela vontade dos julgadores, mas pela dificuldade que há em refutar as provas que são apresentadas pelas instituições bancárias, enquadrando o aposentado na validação da operação bancária.
De qualquer forma, é preciso alertar e coibir este tipo de prática, alertando parentes e pessoas próximas para não fornecerem informações particulares, muito menos enviar fotografias, terem cuidado com as postagens em redes sociais, porque há casos que os fraudadores conseguem, utilizando também a tecnologia mapear o rosto do consumidor e tornar verossímil a contratação.
As decisões, no entanto, não são uníssonas, devendo-se analisar o caso concreto frente a imensidão de consumidores lesados, que acabam por se vincular a uma dívida impagável, e havendo explícita abusividade na técnica utilizada a justiça deve ser acionada.
*SILVANA CRISTINA CAVALCANTI
Advogada,
MBA em Business Law pela FGV, especialista em Direito do Consumidor e em
Direito Internacional.
Seu
escritório atua nos ramos do direito de família, direito do consumidor, direito
internacional, direito trabalhista empresarial e direito imobiliário, consagrando
sua experiência como Membro do Conselho
de Compliance e LGPD da OAB/SP .
WhatsApp 11 96136-12167
E-mail cavalcantiadv@aasp.org.br
Os maiores bancos privados do país registraram quedas em seus lucros no último trimestre devido a alta inadimplência, consignado; zero inadimplência! Eis que zero será a preocupação dos bancos.
ResponderExcluirExcelente artigo. Domingo foi tema de reportagem no Domingo Espetacular da Record. A polícia federal prendeu uma quadrilha.
ResponderExcluirEntende-se que o golpe inicia-se na captação dos dados da vítima dentro das instituições financeiras e isso elas nunca irão assumir.
O ideal é antes de ingressar com a ação procurar o INSS e informar que não reconhece o empréstimo. Também é possível bloquear o benefício para empréstimos consignados. E atenção a disponibilização dos dados nas redes.
ResponderExcluir