terça-feira, 6 de junho de 2023

Reflexões sobre os direitos autorais de imagens geradas por IA


 

Autora: Karoline  Vasconcelos (*)

Nos últimos anos, temos testemunhado avanços notáveis no campo da Inteligência Artificial que têm impactado significativamente diversas áreas de atuação. Um aspecto impressionante é a capacidade da IA em gerar imagens altamente realistas, o que está transformando várias indústrias, como publicidade, entretenimento, design e medicina.

A evolução da IA na geração de imagens é resultado do desenvolvimento de redes neurais artificiais cada vez mais complexas, conhecidas como redes adversariais generativas (GANs). Essas redes consistem em dois componentes principais: um gerador e um discriminador. Enquanto o gerador cria novas imagens a partir de um ruído aleatório, o discriminador avalia a autenticidade dessas imagens. Com o treinamento adequado, essas redes podem aprender a gerar imagens altamente convincentes e indistinguíveis das reais.

Nesse cenário, surgiram plataformas populares por sua capacidade de criar impressionantes ilustrações de alta qualidade. Um exemplo é o Midjourney, um serviço desenvolvido por uma equipe que utiliza uma IA generativa de imagens. Outra plataforma notável é o DALL-E 2, desenvolvido pela OpenAI, a mesma empresa por trás do famoso ChatGPT, e que conquistou os usuários com suas habilidades impressionantes de aprendizado e geração de ilustrações.

Uma das aplicações mais notáveis da IA na geração de imagens é na indústria do entretenimento. Os efeitos visuais em filmes e jogos eletrônicos se beneficiam enormemente da capacidade da IA de criar ambientes e personagens realistas. Anteriormente, a criação desses elementos exigia um trabalho intensivo de artistas gráficos e animadores. Hoje, com o uso de GANs, a geração de conteúdo visualmente impressionante tornou-se mais rápida e eficiente.

A publicidade também está se beneficiando do avanço da IA na geração de imagens. Agências de publicidade agora podem criar campanhas altamente personalizadas, gerando imagens adaptadas às preferências e interesses específicos de cada indivíduo. Além disso, a IA pode ajudar a otimizar o processo de design, gerando automaticamente diferentes variações de um anúncio e selecionando a mais eficaz com base em dados históricos e feedback do público.

Sob tal perspectiva, o avanço da inteligência artificial na geração de imagens tem levantado uma série de desafios éticos e jurídicos, especialmente no que diz respeito aos direitos autorais sobre essas criações geradas por algoritmos. À medida que as redes adversariais generativas se tornam capazes de produzir imagens altamente realistas e indistinguíveis das reais, surge a pergunta sobre quem detém os direitos autorais sobre essas obras.

Tradicionalmente, os direitos autorais são atribuídos aos criadores humanos (pessoas físicas) de obras artísticas e visuais. Neste panorama, a IA traz novos contornos à questão, pois as imagens são geradas por algoritmos complexos, sem a intervenção direta de um autor humano. Isso desafia a definição convencional de autoria e cria um vácuo jurídico para determinar a propriedade dos direitos autorais.

Na maioria dos países, a legislação de direito autoral foi projetada para proteger as criações humanas e não contempla explicitamente as obras geradas por IA. Isso significa que, em alguns casos, essas imagens geradas por IA podem não ser automaticamente protegidas por direitos autorais, ou pertencer ao domínio público.

No entanto, algumas jurisdições têm interpretado a autoria de forma mais ampla e têm considerado a possibilidade de reconhecer a IA como autora legítima, desde que ela seja considerada uma extensão ou ferramenta do criador humano. Exemplo disso foi a Corte de Shenzhen, na China, que decidiu a favor da Tencent, empresa de tecnologia, considerando que a IA Dreamwriter, que produz notícias sobre finanças e esportes – é a legítima autora do conteúdo criado.

No Brasil, a Lei nº 9.610/1998, em seu artigo 11, estabelece que o autor de uma obra é uma pessoa física. Como resultado, a autoria de uma obra não pode ser atribuída a uma máquina, mas sim ao seu criador. Em outras palavras, a legislação determina que apenas indivíduos humanos podem ser considerados autores de uma obra, excluindo assim qualquer possibilidade de autoria por parte de máquinas.

Em perspectiva semelhante, há precedentes que estabelecem que a IA em si não pode ser considerada autora das imagens, uma vez que ela é uma ferramenta desenvolvida e controlada por seres humanos. A autoria seria atribuída à pessoa ou entidade responsável pelo desenvolvimento, treinamento e design dos algoritmos de IA utilizados. Nessa visão, a IA seria apenas um instrumento utilizado para materializar a criatividade humana, sendo o autor o indivíduo ou equipe que desenvolveu e utilizou a tecnologia.

Lado outro, há quem defenda que a IA, ao aprender a partir de grandes volumes de dados e ser capaz de criar novas imagens de forma autônoma, possa ser considerada uma forma de autoria em si mesma. Nessa perspectiva, a IA seria capaz de combinar e reinterpretar os dados de treinamento de maneiras não previsíveis pelos humanos, gerando imagens originais que não poderiam ser criadas sem sua intervenção. Portanto, a autoria seria compartilhada entre a IA e os seres humanos envolvidos em sua criação.

Existem propostas que sugerem a criação de um novo tipo de direito autoral coletivo compartilhado entre a IA e o criador humano. Isso reconheceria a contribuição da IA na geração das imagens e estabeleceria um sistema de recompensa e proteção para ambas as partes. Essa abordagem busca equilibrar os interesses dos criadores humanos e reconhecer a capacidade criativa das IAs.

Sobre a temática, em fevereiro deste ano, o Escritório de Direitos Autorais dos Estados Unidos (USCO) emitiu diretrizes sobre a proteção de conteúdos produzidos por inteligência artificial. De acordo com a decisão, imagens geradas integralmente pelas IAs Midjourney e Stable Diffusion não podem ser protegidas por direitos autorais.

Em um caso específico, o autor de quadrinhos Kris Kashtanova teve seus direitos autorais negados pelo uso da IA Midjourney na criação de sua obra intitulada "Zarya of The Down". O USCO justificou que conteúdos gerados unicamente por meio de comandos e sem modificações artísticas não se enquadram nas leis de direitos autorais, pois essa abordagem é considerada similar a dar "instruções a um artista contratado".

No entanto, o órgão mencionou a possibilidade de proteger elementos criados por IA em certas situações, afirmando que "a resposta dependerá das circunstâncias, especialmente de como a ferramenta de IA funciona e como foi usada para criar a obra final. Isso requer uma análise caso a caso. Se os elementos tradicionais de autoria de uma obra forem produzidos por uma máquina, a obra não terá autoria humana e não será registrada pelo Instituto".

Existem também casos e decisões judiciais recentes que começaram a abordar a questão dos direitos autorais sobre imagens geradas sem intervenção humana. Um exemplo notável é o caso "Monkey Selfie", em que um macaco tirou uma foto de si mesmo usando a câmera de um fotógrafo. A controvérsia surgiu sobre quem seria o detentor dos direitos autorais da foto, levando a uma batalha jurídica que eventualmente considerou a foto como de domínio público, uma vez que não havia uma intervenção humana direta na criação da imagem.

Esses casos e decisões demonstram a necessidade de atualizar as leis de direitos autorais para lidar adequadamente com os desafios trazidos pela IA. É essencial considerar não apenas a contribuição humana no treinamento e no design dos algoritmos, mas também a capacidade criativa das IAs na geração de novas obras. Isso exigirá uma reavaliação das definições de autoria, originalidade e proteção legal para garantir uma abordagem equilibrada e justa.

Diante dessas diferentes perspectivas, é necessário um debate amplo e multidisciplinar envolvendo especialistas em direitos autorais, juristas, cientistas da computação e a sociedade em geral. É fundamental encontrar um equilíbrio entre o reconhecimento da contribuição humana e da criatividade da IA, garantindo ao mesmo tempo a proteção dos direitos autorais e incentivando a inovação e o desenvolvimento da tecnologia de maneira ética e responsável.

Além disso, é importante abordar a questão da responsabilidade por violações de direitos autorais envolvendo imagens geradas por IA. As leis de direitos autorais devem determinar quem é responsável em casos de plágio, uso não autorizado ou reprodução indevida de imagens geradas por IA. Essa responsabilidade pode recair sobre os criadores humanos, as empresas que desenvolvem as IAs ou até mesmo sobre as próprias IAs, caso sejam consideradas legalmente capazes de possuírem direitos autorais.

Somente através de um diálogo contínuo entre legisladores, especialistas em IA, criadores e a sociedade em geral, poderemos construir um ambiente jurídico que responda aos desafios dessa nova era digital, equilibrando os interesses de todas as partes envolvidas.

Referências

pixforce.com.br/post/o-que-sao-gans Acesso em 2 de jun. 2023;






* KAROLINE TOSCANO VASCONCELOS
























-Advogada inscrita na OAB/PB sob o nº 30.201;

-Bacharela em Direito pela Unifacisa Centro Universitário (2020);

-Pós-graduanda em Direito e Processo Tributário; e 

-Membro da Comissão de Direito Digital, Internet, Tecnologia e Inovação da OAB/PB, Subseção Campina Grande

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