sábado, 6 de julho de 2024

Da necessidade do pensamento crítico em tempos de Inteligência Artificial (IA)


Autora: Maria Thereza Pompa Antunes (*)

[...] A meu ver, (a maledicência) é a mais esplêndida arma da razão na luta contra as potências das trevas e da fealdade. A maledicência, senhor, é o espírito da crítica, e a crítica representa a origem do progresso e do esclarecimento.

 (Diálogo entre Setembrini e Hans Castorp em: A Montanha Mágica, de Thomas Mann, 1924 – Ed. 2016, p.76)

 

A pergunta que coloco em discussão, com os meus colegas educadores e leitores, nesse breve espaço, é: Considerando que a Inteligência Artificial (IA ) está disponível indistintamente e que o desenvolvimento tecnológico continuará impelindo, em ritmo cada vez mais célere, a necessidade de adaptação a essa realidade, onde se encaixa o pensamento crítico nesse contexto?

Como tudo na vida, a IA tem o seu lado muito bom e o lado muito ruim e, entre esses dois extremos, existe toda uma gradação de possibilidades. Trago essa análise para o campo da Educação, que é o meu métier.

Na área da educação identifico benefícios importantes para os professores, notadamente na interação com alunos em ambientes virtuais criativos e, para os estudantes, na assimilação do conhecimento e agilidade das pesquisas, além de otimizar a própria gestão das instituições de ensino.

Ocorre que, no meu entendimento, e independentemente do ambiente em que se aplique a IA, o pensamento crítico aliado à uma conduta ética são indispensáveis (aliás, como tudo na vida), visto que no uso da IA se tem que analisar tanto o conteúdo, quanto o direcionamento do texto por ela produzido.

Vejamos por quê.

É de conhecimento geral que os textos produzidos pelos aplicativos de IA não são totalmente confiáveis, em termos de veracidade dos fatos Exemplo: consultei quem é Maria Thereza Pompa Antunes, ou seja, eu. Resposta: Maria Thereza Pompa Antunes é uma professora e pesquisadora brasileira, formada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ora, embora eu seja uma professora e pesquisadora brasileira, eu nunca estudei na UFSC.

Esse exemplo caseiro se refere a um aspecto pontual, quanto à veracidade de um dado, cuja consequência é o descrédito do autor do texto que incorpora esse dado como de sua autoria.

Porém, a meu ver, o mais importante está no direcionamento ideológico, pois nas palavras de Natalia Pasternak, "em ciência dificilmente temos respostas binárias, pois a ciência trata com incertezas" e, como sabemos, os textos produzidos pela IA, via de regra, não deixam isso claro levando o leitor a crer que existem verdades absolutas.

Sabemos que existem várias formas de se abordar um problema, que produzem resultados diferentes e, por vezes, até opostos, de acordo com a visão de mundo que se tem. Exemplificando: se perguntarmos a um liberal e a um socialista qual é a função do estado, obteremos respostas opostas.

Em resposta a minha pergunta inicial, considero que o exercício da crítica seja essencial, de forma a não se aceitar como verdade absoluta os textos científicos produzidos em tempos de IA.

A quem se dispõe a produzir um texto baseado na IA, entendo que seja, primeiramente, necessário saber elaborar a pergunta certa, ou seja, conhecer o significado das palavras e o contexto em que vai utilizá-las, o que requer uma riqueza de vocabulário que só pode ser obtida por meio do estudo e de aprofundada leitura e, ainda assim, posteriormente, analisar de forma crítica o texto que foi produzido. Afinal, como pensar e exercer a crítica sem conhecimento (leitura)?

Muito cuidado, pois a aparente facilidade no desenvolvimento de textos pode resultar em desde no descrédito do autor, por escrever besteiras, até em processos por plágio, complicando a sua vida.

Senso crítico (em tudo) especificamente na utilização da IA: um filtro crítico para se separar o joio do trigo.

Concluindo...

Inteligência Artificial: a IA não substitui o conhecimento que se obtém pela leitura, estudo e experiências de vida, sendo apenas mais uma ferramenta que pode ser útil para a evolução de uma sociedade.

Educação: formar cidadãos com capacidade de transformar a realidade.

Pensamento crítico: sem um pensamento crítico corremos o risco de viver as distopias imaginadas (talvez previstas) por George Orwell na sua obra 1984, ou Ray Bradbury em Fahrenheit 451º.

 REFERÊNCIAS:

MANN, Thomas. A montanha mágica. São Paulo: Companhia das Letras, 2016; e

PASTERNAK, Natalia. Ciência e pensamento crítico. O Globo. Caderno Saúde, p. 14, 10/06/2024.

 *MARIA THEREZA POMPA ANTUNES











-Professora Adjunta da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (EPPEN) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP);

Mestre e Doutora em Ciências Contábeis pela FEA/USP; Graduação em Administração pela PUC/RJ, com Especialização em Finanças pelo IAG/PUC/RJ, e em Ciências Contábeis pela FEA/USP, com 26 anos de experiência na área da educação atuando como docente, pesquisadora e gestora.

E-mail: teantunes@uol.com.br

WhatsApp: (11)-98338-4343

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6278852648499064

 Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

6 comentários:

  1. Excelente reflexão . Muito pertinente a uma época tão cheia de "certezas". Como educadores, teremos também que reaprender a não aceitar esse "oito e oitenta" que estamos vivendo e transmitir aos nossos educandos a curiosidade de saber e de investigar, pois são essas habilidades que fundamentam o pensamento crítico.

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    1. Sim. Despertar em nossos alunos o espírito crítico. Se todos fizermos isso, tenho certeza de que teremos uma sociedade melhor. Obrigada por seus comentários.

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  2. Parabenizo a Professora Maria Thereza por seu brilhante texto. Como educador me alinho às suas preocupações no sentido de desenvolver e incentivar em nossos alunos o espírito crítico, mormente nos tempos atuais onde tudo que surge na Internet é apresentado como verdade absoluta.

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  3. Professor Octávio, boa noite.
    Agradeço por seu comentário e fico muito feliz por compartilhamos das mesmas preocupações. Forte abraço.

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  4. O tema é atual é deve ser discutido para que não se pense que a AI possa ser utilizada indiscriminadamente. Ela deve ser um consulta e não o texto final. Muitas vezes as pessoas tomam o texto como verdade por desconhece o assunto.

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  5. Concordo.
    A autora aborda um tópico importante que, certamente, deveria ser razão de pauta nas redes; ademais, discutido e abordado com maior frequência em comissões e universidades.
    Acredito que o uso da IA aplicado a pesquisas é passível de grandes mudanças, entretanto, desconfio de que seu uso para criação de textos seja, de certa forma, um retrocesso, visto que o autor não se permite explorar a riqueza da criatividade e se sujeita às diversas inconveniências citadas na publicação. Concomitante a isto, o fato é que usuários da IA se privam da total individualidade em "suas composições", o que, na minha perspectiva, se faz o principal fator a ser discutido na consideração da IA como dispositivo estudantil e profissional.

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