sábado, 4 de abril de 2015

Seleção de Artigos Jurídicos da Semana


Nos sábados postarei uma seleção de artigos jurídicos publicados durante a semana em blogs, jornais ou sites.

A seleção dessa semana é a que segue e os artigos serão reproduzidos em sua íntegra, com menção ao final do seu texto do nome do autor e o local onde foram originariamente publicados :

JUIZ PAULISTA AFASTA INDENIZAÇÃO POR BRINCADEIRA DO PROGRAMA PÂNICO

"No futuro estará rindo da situação", diz juiz ao negar indenização
Autor requereu danos morais e materiais por ser vítima de brincadeira do programa Pânico.

Fonte: Migalhas.

“Quem não passou por uma situação vergonhosa e após certo tempo riu com ela mesma? Certamente passou a contá-la até mesmo para desconhecidos? Pois bem, ao certo que uns de imediato, outros mais tarde – tudo varia conforme a evolução do estado de espírito – mas, de qualquer forma, justamente a brincadeira e a gozação, ao final, acabam sendo o melhor instrumento da confraternização.”


Com tal espírito é que o juiz de Direito Rodrigo Garcia Martinez, da 45ª vara Cível de SP, julgou improcedente ação de indenização ajuizada por homem alegando que foi indevidamente vinculado a “degradante inserção televisiva” no programa humorístico 
“Pânico na Band”.

Na peça da qual foi vítima, os integrantes do programa ofereciam doces para os torcedores que foram a uma partida entre a Argentina e a Suíça durante a Copa do Mundo de Futebol de 2014, dando a entender ao telespectador que as guloseimas teriam sido produzidas com estrume bovino.

Rir da situação

O magistrado concluiu que em momento algum ficou provado que o autor consumiu dejetos bovinos, nem que os artistas do programa de fato distribuíram substâncias alimentícias adulteradas, e sim que o elenco do Pânico apenas vendeu a ideia de que iriam fazer os torcedores argentinos consumir dejetos bovinos, realizando uma edição de imagens.

"Não assisti o referido programa para saber qual o móvel desta brincadeira, mas o intuito talvez fosse "vingar" a torcida brasileira da da Argentina, de uma forma humorística, em relação a aquele marcante episódio (este sim verdadeiro, que revoltou todos os brasileiros) da água adulterada oferecida pela seleção Argentina à Brasileira, numa certa partida da Copa do Mundo de Futebol de 1990, cuja verdade deste evento foi revelada muitos anos depois por um certo jogador (quase sempre ligado a escândalos) durante uma entrevista televisiva."

Rodrigo Garcia Martinez entendeu que não houve lesão a qualquer tipo de direito de personalidade do autor.

“Constam várias mensagens eletrônicas, todas elas brincadeiras dos amigos do autor, de forma totalmente salutar, sobre o evento no qual ele aparece consumindo o alimento entregue por um desconhecido. Qualquer pessoa que lê essas mensagens percebe que não há qualquer exposição do demandante ao ridículo, ou a qualquer tipo de constrangimento. Muito pelo contrário, percebe-se como o requerente é muito querido pelos colegas os quais, por sua vez, como em qualquer grupo de pessoas normais, não perderam tempo em realizar gozações. Caso o autor realmente experimentasse uma situação típica de dano moral, outro seria o ânimo dos seus amigos, o quais sem dúvida alguma escreveriam mensagens de apoio ao demandante, solidarizando-se com ele.” (grifos nossos)

Segundo o julgador, os documentos dos autos demonstram que a brincadeira serviu, em verdade, como forma de animação dos amigos. E continuou na sentença:


“Por qualquer ângulo que se analise a questão, desnecessária a autorização do autor para a veiculação de sua imagem no programa humorístico, da forma como foi exposta. Logo, por mais que o autor ainda não tenha amadurecido a ideia da brincadeira realizada pelo elenco do programa, creio que num futuro bem próximo estará rindo da situação vivenciada, relembrando-a com os amigos. Talvez, por ora, o momento seja de mágoa, mas, muitas vezes na vida, sem aprendermos a supera-la, não chegamos à paz de espírito. De toda forma, desejo muito sucesso ao demandante e um parabéns, que no seu devido tempo, saberá compreender o significado deste voto.” (grifos nossos)


Professor Flávio Tartuce
Postado no Blog do Professor Flávio Tartuce - Direito Civil - 01.04.2015

Princípio da presunção de inocência é direito universal



Ao defender a prisão de condenados em primeiro grau, ou seja, antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o juiz Sergio Moro e presidente da Associação de Juízes Federais (Ajufe) Antonio Cesar Bochenek estão rasgando a nossa Lei Maior — a Constituição da República Federativa do Brasil. Segundo os magistrados federais “A melhor solução é a de atribuir à sentença condenatória, para crimes graves em concreto, como grandes desvios de dinheiro público, uma eficácia imediata, independente do cabimento de recursos. A proposição não viola a presunção de inocência. Esta, um escudo contra punições prematuras, impede a imposição da prisão, salvo excepcionalmente, antes do julgamento. Mas não é esse o caso da proposta que ora se defende, de que, para crimes graves em concreto, seja imposta a prisão como regra a partir do primeiro julgamento, ainda que cabíveis recursos” (“O problema é o processo”, artigo publicado na página 2 de O Estado de S. Paulo, edição de domingo, 29 de março de 2015).


A Constituição Federal no Título que trata dos direitos e garantias fundamentais traz em seu bojo as chamadas cláusulas pétreas, ou seja, que não podem ser alteradas e, menos ainda, abolidas (artigo 60, parágrafo 4º, IV da CF) por constituir afronta aos próprios fundamentos do Estado democrático de direito.

A CF de 1988, chamada por Ulisses Guimarães de Constituição Cidadã, consagrou entre os seus princípios fundamentais o princípio da presunção de inocência, para alguns, princípio da não culpabilidade, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII da CF).

Antes que algum desavisado, desinformado ou mal-intencionado, afirme que o princípio da presunção de inocência é “coisa do Brasil para beneficiar criminosos”, “que vivemos no país da impunidade”, “que se trata de princípio bolivariano” e outras atrocidades e absurdos do gênero, é importante e forçoso destacar que o princípio da presunção de inocência, que remonta ao direito romano, foi consagrado pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, pela Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 e pela Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969. Trata-se, como se pode constatar, de um princípio universal devido sua natureza de direito fundamental.

Como bem salientam Rubens R R Casara e Antonio Pedro Melchior “uma das principais exigências inerentes à presunção de inocência é evitar a imposição de penas antecipadas”. (Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica vol. 1: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013).

Francesco Carrara elevou o princípio da presunção de inocência ao postulado fundamental da ciência processual e a pressupostos de todas as outras garantias do processo. (apud FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014).

Possivelmente, só mesmo em razão da cólera e da cegueira punitiva para os subscritores do ora combatido artigo insistirem em dizer que as suas proposições “não violam a presunção de inocência”.

Se como afirmam Sergio Moro, personalidade do ano escolhido pelo O Globo, e o presidente da Ajufe, Antônio Bochenek, “o problema é o processo”, é salutar, também, lembrar que a Constituição Federal assegura o devido processo legal (artigo 5º, inciso LVI), o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (artigo 5º, inciso LV da CF).

O jurista italiano Ferrajoli é preciso ao dizer que: “se a jurisdição é a atividade necessária para obter a prova de que um sujeito cometeu um crime, dede que tal prova não tenha sido encontrada mediante um juízo regular, nenhum delito pode ser considerado cometido e nenhum sujeito pode ser reputado culpado nem submetido a pena... – postula a presunção de inocência do imputado até prova contrária decretada pela sentença definitiva de condenação. Trata-se, como afirmou Luigi Lucchini, de ‘um corolário lógico do fim racional consignado ao processo’ e também ‘a primeira e fundamental garantia que o procedimento assegura ao cidadão: presunção juris, como sói dizer-se, isto é, até prova contrária’. A culpa, e não a inocência, deve ser demonstrada, e é a prova da culpa – ao invés da de inocência, presumida desde o início – que forma o objeto do juízo”. (FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão..., ob. cit.)

É lamentável, estarrecedor e, até mesmo bizarro, ver o presidente da Ajufe subscrever com outro magistrado federal artigo em que “culpa” o processo e as garantias processuais pelos males da “justiça”. O processo e com ele os princípios garantistas e fundamentais devem ser vistos sob a ótica da Constituição Federal, mas também, diz Geraldo Prado, pela ótica político-institucional. Assim, dito pelo o eminente processualista, “o processo penal não é apenas o instrumento de composição do litígio penal mas, sobretudo, um instrumento político de participação, com maior ou menor intensidade, conforme evolua o nível de democratização da sociedade. Para tanto, afigura-se imprescindível a coordenação entre direito, processo e democracia, o que ocorre pelo desejável caminha da Constituição, porquanto, institucionalizando a proteção dos mencionados direitos, reconhece-se que somente pela via democrática atingirão sua plena efetividade”. (PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001).

Resta saber que processo desejam Moro e Bochenek?

O processo, ilustres magistrados, como assevera Aury Lopes Júnior, “não pode mais ser visto como um simples instrumento a serviço do poder punitivo (Direito Penal), senão que desempenha o papel de limitador do poder e garantidor do indivíduo a ele submetido. Há que se compreender que o respeito às garantias fundamentais não se confunde com impunidade, e jamais se defendeu isso. O processo penal é o caminho necessário para chegar-se, legitimamente, à pena. Daí por que somente se admite sua existência quando ao longo desse caminho forem rigorosamente observadas as regras e garantias constitucionalmente asseguradas (as regras do devido processo legal)”. (LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010).

Sinceramente, espero e desejo que “enquanto houver sol” os direitos e garantias fundamentais prevaleçam e, mesmo como diz a música, “quando não houver esperança, quando não restar nem ilusão”, ainda assim a Constituição Federal não seja rasgada.


Leonardo Isaac Yarochewsky-Advogado criminalista e doutor em Ciências Penais in Revista Consultor Jurídico, 3 de abril de 2015

Liquidez jurídica de 16 anos

O senso comum não tem legitimidade moral, intelectual, cultural e científica para se posicionar, sobretudo, diante da hipótese de se remover direitos. Sem reconhecermos o significado, o alcance e as diferenças entre direitos, garantias e liberdades, não temos condição intelectual de debater com propriedade e muito menos de querer retirar direitos e suas garantias institucionais. Para os leigos, é bom que se esclareça desde sempre, direitos fundamentais são cláusulas pétreas. De acordo com a Constituição Federal são direitos, garantias e liberdades não-negociáveis. São direitos consagrados pela Humanidade e estão livres do jugo do populismo jurídico que nos abate como clamor público solicitante de mera vingança. Que seriedade há em substituir o direito pela vendetta?

Portanto, debater o rebaixamento da maioridade penal é uma discussão vazia. Com a aparência líquida de uma reflexão turva, réplica vazia da Teoria da Aparência, vamos sempre copiar o Tio Sam. Porque somos incompetentes. Daqui a 20 anos vamos rebaixar a maioridade penal para 14, depois 12. Quem sabe 10 anos. Por quê? Porque não temos inteligência social e nem capacidade jurídica. Condenados estamos ao estágio da cópia barata, estragada.
Nossa liquidez jurídica é tão pífia que discutimos com cientificismo como enfiar mais pessoas na cadeia, bem no fundo do esquecimento, e não em formas sociais dignas e capazes de retirá-las desse destino. País miserável em que o Destino é a masmorra medieval. Nós somos medievais na cultura, na vida social, nos pastiches que queremos a todo custo importar. Somos o país das baboseiras e das grandiloqüências de juristas não togados: escribas das ideologias mais predadoras e do fascismo.
É incrível como se discute o direito sem nada saber dele. Ao menos na matriz de cultura legalista, os cidadãos podem dizer: “É a lei”. Aqui só se sabe da lei para aplicar a negros e pobres – e agora aos jovens. Onde está a prova da ciência jurídica e social de que a prisão minimiza a violência e reconduz à pax capitalista? Realmente, temos muito que estudar. Nosso direito é feito com casuísmos: Perez (crimes hediondos), Richthofen, Friedrenbach.
Um exemplo sempre tomado de empréstimo é do Champinha (e que não é meu), para a exigência de termos leis “duras”. Porém, isto apenas denota a tese central de que todo esse opinatório sobre leis especiais é anti-jurídico. Há que se lembrar que Champinha não está preso, mas, especificamente, porque foi declarado “incapaz” por uma junta médica – sendo esta especialmente constituída por psiquiatra e psicólogo e que são, de fato, os que conhecem (em respeito à ciência) os distúrbios da mente. Falamos aqui da Psiquiatria Forense, ciência médica auxiliadora do Direito Penal. Do mesmo modo, frise-se, não há legitimidade na Vitimologia que quer naufragar a ressocialização e negar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Além do mais, o senso comum corrosivo nunca se lembra do Silva, do Amarildo. É óbvio, mas não vemos que liquidado está esse pragmatismo copia/cola que herdamos faz 50 anos, exatamente de um regime e de uma visão (sem perspectiva) de que “o social é caso de polícia”. Liquidada está é a sociedade em que a maioridade cultural não passa dos 16 anos.
A bitola estreita nos impede de olhar para o horizonte em que a reincidência dos aprisionados é de 10,15% - como na Suécia, Holanda, Dinamarca – e assim, mais uma vez, preferimos o militarismo criminal estadunidense, em que os jovens não apenas são dragados pelo sistema, como sua revolta se manifesta nos 60% de reincidência criminal. Isto, sem dúvida, é efeito de uma longa noite mal dormida de colonização cultural dos penduricalhos. Além do aprisionamento que, literalmente, virou febre e fábricas (privatização da segurança pública), o Tio Sam ainda tem a nos oferecer (na venda, é claro) os modelos culturais do Pateta.
O Brasil todo é feito com casuísmos, consumismos e tonterias. Por quê? Porque assim todos se desincumbem de responsabilidade política e social: joga-se para o povão, como se diz. Discutimos novas leis – e cada vez mais aguçadamente. No país sem educação, a saída para a miséria humana (diga-se, brasileira) está na fabricação de leis. Mas, o que é lei? Será que encontramos um sábio do senso comum que nos responda? Outros povos dedicaram-se a fabricar o comércio, as artes, a política (a Polis: a própria noção de civilidade), as ciências e a filosofia.
Segundo a tese central desse texto, devemos estudar todo e qualquer assunto (muito mais o Direito Penal, que trata da liberdade e da vida das pessoas) antes de termos alguma mísera impressão formada. Do contrário, trocaremos a própria Ciência do Direito pelas salivas corrosivas do senso comum. Ou seja, é preciso deixar a medicina a cargo dos médicos – vamos decidir em referendo popular se o melhor é o parto normal ou a cesariana? Então, em nome do bom senso, deixemos o direito sob a guarda de quem pelo menos sabe definir o que é direito. Ou, o seu inverso, para aqueles que reconhecem o anti-direito e assim afastam as teses populistas eivadas de injustiça e de forças de exceção.
O problema é que não agiremos desse modo. Nós nos bastamos com a criação de leis chinfrins e tupiniquins: porque “aqui a lei não pega”. Um povo de leis que não sabe especificar o que é uma lei: a não ser pelo dicionário. Se ao menos fosse um dicionário jurídico, já teria falido a tentativa. Porém, preferimos uma Teoria da Aparência (sem lógica ou racionalidade) em que o real não é sua referência. É algo realmente incrível o que a mídia nos faz: preferimos a lei, à civilidade. Pois então aproveitemos, está em liquidação.
Vinício Carrilho Martinez

Vinício Carrilho Martinez
Professor da Universidade Federal de São Carlos in Jus Navegandi -04/2015 


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