terça-feira, 28 de julho de 2015

Congresso nacional aprova projeto de lei que regula a gorjeta após 24 anos



Com a finalidade de preencher a lacuna deixada pelo art. 457 da CLT, o Congresso Nacional aprova proposição legislativa que tramitou durante 24 anos no parlamento. O texto analisa as principais alterações que serão introduzidas, caso seja sancionada.

Apresentado há mais de duas décadas no Senado Federal, pelo então senador cearense Antônio Valmir Campelo Bezerra (PTB/DF), o Projeto de Lei do Senado (PLS nº 28/91) que, além de dispor sobre a profissão de garçom, pretende instituir regras acerca da gorjeta incluída na nota de consumo apresentada aos clientes dos estabelecimentos de hospedagem, alimentação preparada e bebidas a varejo – hotéis, restaurantes, bares e similares.

De acordo com o projeto legislativo aprovado o exercício do que considera a “profissão de garçom” somente será possível mediante apresentação ao Ministério do Trabalho e Emprego dos seguintes documentos: registro de quitação com o serviço militar; atestado médico provando que o contratado não tem doença contagiosa e cobrança apresentação de declaração expedida pelo do sindicato laboral, declarando que o interessado exerce há mais de dois anos a atividade de servir clientes na área de alimentação e bebidas.

Tais exigências, de constitucionalidade duvidosa, resgatam a discussão em torno da liberdade do trabalho, cujo exercício somente poderia ser restringido para cumprimento das qualificações profissionais necessárias ao seu desenvolvimento estabelecidas em lei formal.[2]

Quanto à gorjeta compulsória, o projeto que será remetido à sanção presidencial após a sua redação de autógrafos, prevê a retenção de 20% do total arrecadado para satisfazer os reflexos derivados da sua integração à remuneração do empregado, que serve de base de cálculo das férias, 13º Salário, FGTS, Imposto de Renda e Contribuição Previdenciária.

Como se vê, não será desta vez que a insegurança jurídica derivada da “gorjeta espontânea”[3], entregue diretamente aos garçons pelos consumidores ainda perdurará por muito tempo, pois como não é incluída na nota de consumo, a empresa tem dificuldade em identificar o valor exato recebido pelo empregado para apuração do seu reflexo nas férias, no 13º Salário, no FGTS, além da Contribuição Previdenciária e IRPF.

Até 2014, aproximadamente 3.000 recursos em processos judiciais relativos à gorjeta ainda aguardavam uma posição final da Justiça do Trabalho sobre o tema[4]

Além disso, a proposição prevê em seu texto a transferência direta de 2% da gorjeta recebida ao sindicato representante dos trabalhadores para “emprego em obra de assistência social”, bem como o custeio de seguro de vida, coletivo e obrigatório, a ser contratado por seguradora eleita pela mesma entidade sindical laboral.

Esse ponto da proposta legislativa, em tese, afrontaria a isonomia e a paridade nas relações sindicais, assegurando uma preeminência da entidade sindical laboral frente ao sindicato representativo da categoria econômica, não assegurado na Constituição da República de 1988, em desprestígio dos princípios que norteiam a negociação coletiva de trabalho, igualmente não tratada no texto recém-aprovado pelo parlamento brasileiro.

Ademais, num momento histórico onde se questiona a necessidade de prestação de contas e controle das contribuições arrecadadas pelos sindicatos laborais, o repasse de 2% da gorjeta sem qualquer fiscalização, talvez não se afigure como a melhor solução legislativa a ser tomada no interesse dos trabalhadores em estabelecimentos de hospedagem, alimentação preparada e bebidas a varejo[5].

Já a possibilidade de rateio entre os empregados deverá ocorrer “segundo os critérios que forem adotados de comum acordo entre a empresa e o sindicato de classe”.

Mais uma vez, o Projeto de Lei do Senado passa ao largo relações coletivas de trabalho, silenciando sobre a possibilidade de que os sindicatos – representantes da categoria profissional e da categoria econômica – tratem de assunto de tamanha relevância e interesse dos atores envolvidos – trabalhadores e estabelecimentos de hospedagem, alimentação preparada e bebidas a varejo.

Sem embargo, a proposta inclui a instituição de uma comissão paritária no âmbito empresarial de, no máximo, seis membros, composta por representantes da empresa, dos empregados e do sindicato profissional para fiscalização da arrecadação e distribuição da gorjeta compulsória.

Quanto às relações de consumo, o projeto estipula que a gorjeta compulsoriamente incluída nas notas não poderão superar 10% do total consumido e a sua prática dependerá sempre da existência de “acordo escrito elaborado entre a empresa interessada e o sindicato profissional”.

Neste particular, a possibilidade de que a empresa possa autorizar a prática gorjeta em prol dos seus empregados esteja vinculada à existência de “acordo escrito”, despojado das características dos contratos coletivos de trabalho – acordos coletivos e convenções, novamente colocam “em xeque” a constitucionalidade do texto legislativo chancelado pelo Congresso Nacional.

Fato curioso é que, após ser aprovado no Senado Federal em 2005 e, uma vez remetido à Câmara dos Deputados para revisão, a prefalada proposição hibernou por mais uma década no plenário da Câmara, aguardando que fosse julgado um recurso do então Deputado Arnaldo Madeira (PSDB/SP) contra a sua forma de tramitação.

De acordo com o referido recurso, o projeto deveria ser obrigatoriamente apreciado pelo plenário daquela Casa legislativa, sendo insuficiente a análise conclusiva realizada pelas comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) e Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

À margem dos motivos que ensejaram a sua inclusão na “Ordem do Dia” do Plenário da Câmara, em sua Sessão Deliberativa Extraordinária realizada no último dia 23 de junho, fato é que, atualmente, ainda estão em curso no Congresso Nacional quase uma centena de propostas legislativas, que não foram apreciadas em conjunto com o PLS nº 28/91[6][7].

Com redação dada pela Lei 1999, de 01/10/53 e pelo Decreto-Lei 229, de 28/02/67, os enunciados normativos que hoje disciplinam a gorjeta através do art. 457 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) já não são capazes de equacionar as relações do trabalho diuturnamente havidas entre hotéis, restaurantes, bares e similares e seus empregados.

Na prática, o estabelecimento se vê obrigado a arcar com Férias, FGTS e 13º Salário[8] como reflexo da integração da gorjeta na remuneração do trabalhador, inflacionando a sua folha de pagamento.

Mais que isso, apesar de se considerado um direito disponível do trabalhador, de conteúdo econômico e não relacionado à higiene ou à segurança do trabalho, os Contratos Coletivos de Trabalho (acordos e convenções) firmados com a participação do sindicato laboral e que visam autorizar a retenção parcial da gorjeta para satisfazer os encargos trabalhistas e previdenciários derivados da sua integração na remuneração, atualmente são declarados nulos pela Justiça do Trabalho.

Em contrapartida, com evidentes deficiências na educação básica, o trabalhador mais qualificado somente se dispõe a laborar no setor, acaso se permita a prática da gorjeta, grande atrativo remuneratório[9].

O vácuo legislativo oriundo dessas tensões sócio-jurídicas deságuam no Judiciário, cujas pautas abarrotadas contribuem ainda mais para um sentimento de verdadeira injustiça quando o tema diz respeito à gorjeta.

Após a redação final, o texto legislativo aprovado no Congresso Nacional seguirá à Presidente da República para, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, a partir do recebimento dos autógrafos, sancioná-lo ou vetá-lo, de forma integral ou parcial.

Caso seja sancionado ou vetado parcialmente, as novas regras sobre a gorjeta vigorarão após 90 dias, contados da data da publicação da lei na imprensa oficial.

De uma forma ou de outra, a sua aplicação prática certamente dará sinais se a atuação do parlamento foi acertada ou se ainda existem arestas a serem aparadas nestas específicas relações do trabalho, que envolvem, no mínimo, quatro grupos de interessados diretos e, por vezes, com aspirações diametralmente antagônicas: garçons; trabalhadores da copa e da cozinha; sindicatos e consumidores.

{C}[2]{C} Constituição da República Federativa do Brasil de 1988


"Art. 5º ...........................................................
XIII - É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;"
 [3]{C} AGRAVO DE INSTRUMENTO. GORJETA. ACORDO COLETIVO. REPASSE APENAS PARCIAL DO VALOR ARRECADADO. RETENÇÃO INDEVIDA. Ante a aparente violação ao artigo 457 da CLT, nos termos exigidos no artigo 896 da CLT, provê-se o agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista . RECURSO DE REVISTA. GORJETA. ACORDO COLETIVO. REPASSE APENAS PARCIAL DO VALOR ARRECADADO. RETENÇÃO INDEVIDA. O artigo 457 da CLT determina que integram a remuneração do empregado as gorjetas, dadas espontaneamente pelo cliente ao obreiro ou cobradas pela empresa ao cliente. Logo, a existência de previsão legal, no tocante à matéria, não autoriza margem à negociação coletiva para a supressão de direitos dos trabalhadores. Assim, é inválida a cláusula do acordo coletivo que prevê a retenção pela empresa de 35% dos valores arrecadados a título de gorjetas, conforme consignado na sentença, pois ofende o direito à integralidade dos mencionados valores aos obreiros, nos exatos termos do artigo 457 da CLT. Há precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 1401001220085010021, Relator: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Julgamento: 29/04/2015, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 08/05/2015)

[4] Fonte: http://www.tst.jus.br/consulta-unificada. Consulta realizada em 08/07/2015.


[6]{C} De acordo com o art. 142. Do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD), “Estando em curso duas ou mais proposições da mesma espécie, que regulem matéria idêntica ou correlata, é licito promover sua tramitação conjunta, mediante requerimento de qualquer Comissão ou Deputado ao Presidente da Câmara”.

[7]{C} No Senado federal, a principal proposição em curso é o PLC 7443/2010, de autoria do Deputado Gilmar Machado.

[8]{C} De acordo com a Súmula nº 354 do TST, “As gorjetas, cobradas pelo empregador na nota de serviço ou oferecidas espontaneamente pelos clientes, integram a remuneração do empregado, não servindo de base de cálculo para as parcelas de aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado”.


Postado no dia 27.07.2015 às 11,58hs em http://jus.com.br/


Por RICARDO RIELO FERREIRA


-Advogado no Rio de Janeiro;
-Gerente Jurídico da Federação Nacional de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares (FNHRBS); 
-Mestrando em Direito Econômico (UCAM/RJ); Especialista em Direito do Trabalho e Legislação Social (UNESA/RJ)

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