terça-feira, 3 de abril de 2018

A Reforma Administrativa e o impasse da Desestatização





Há tempos já se constatou no Brasil que a organização administrativa burocratizada de outrora havia se tornado insuficiente para atender aos interesses plurais de uma sociedade que cresce vertiginosamente num mundo globalizado. O Estado, tendo concentrado muitas funções, se tornou inchado e, muitas vezes, incompetente para o exercício de certas atividades a ele atribuídas. Se tornou, portanto, manifesta a necessidade de uma reestruturação dos instrumentos administrativos para uma organização adequada e, consequentemente, ao atingimento dos seus fins estabelecidos constitucionalmente.
A Administração atual brasileira é fruto da Reforma Administrativa que deu origem à Emenda Constitucional n.19/1998, ocorrida por meio do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, no governo Fernando Henrique, tendo sido inspirada na experiência inglesa. Por meio dela, se oficializou a substituição da “Administração Pública Burocrática” pela “Administração Pública Gerencial”. Enquanto aquela tinha como foco os processos, esta visa priorizar os resultados, a eficiência.

Assim, o papel e tamanho da Administração Pública deveria diminuir para dar espaço a um maior protagonismo do particular nos papéis em este demonstre ser mais capacitado e eficiente para à sociedade, ao invés de forçar uma atuação insuficiente por parte do Estado em algumas áreas.

Dessa forma, o Plano Diretor reformulou as atividades nas quais o Estado deveria estar presente, ou seja, as seções do aparelho estatal, subdividindo-se em 4 setores.

Inicialmente, consagrou-se o chamado Núcleo Estratégico do Estado, no qual a atuação particular é vedada, não podendo ocorrer, portanto, a delegação dos serviços que se subsumirem a este tema, como a definição das políticas públicas, a título de exemplo.

Em sequência, se classificou as Atividades Exclusivas do Estado que, em tese, se referem as atividades que necessitam do exercício do Poder de Polícia. No entanto, quando este não for indispensável, essas atividades podem e devem ser delegadas aos particulares por meio de concessões e permissões de serviços públicos.

Dando seguimento, reconheceu-se a importância das Atividades não-exclusivas do Estado, ou seja, as que o Estado atua concomitantemente com demais organizações não-estatais e privadas, por meio de transferência de subsídios e fomento.

E, finalmente, o setor de Produção de Bens e Serviços para o Mercado, o qual sua prestação deve ser conferida ao particular via de regra, haja vista possuir essência de natureza privada. Aqui, evidencia-se o Princípio da Livre Iniciativa cuja previsão está presente no Art. 1º da Constituição Federal:

"Art.1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:I - a soberania;II - a cidadania;III - a dignidade da pessoa humana;IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;V - o pluralismo político (Grifo nosso)."

Dessa maneira, a prioridade de atuação no referido setor é do particular, sendo este regulado por organismos autônomos e independentes. Esse afastamento do Estado não exclui, contudo, a possibilidade de sua eventual prestação, por meio das empresas estatais, quando se tratar de atividade de relevância pública, conforme aduz o Art.173 da Carta Magna:
"Art.173.Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei."
Destarte, como consequência da reforma em andamento, na década de 90, iniciou-se o processo de desestatização de algumas empresas federais, como no setor de telecomunicações, em que o Congresso autorizou o Executivo a realizar a desestatização por meio da Lei Geral de Telecomunicações, Lei nº 9472/97, in verbis:

"Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995.Art. 191. A desestatização caracteriza-se pela alienação onerosa de direitos que asseguram à União, direta ou indiretamente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade, podendo ser realizada mediante o emprego das seguintes modalidades operacionais:
Parágrafo único. A desestatização não afetará as concessões, permissões e autorizações detidas pela empresa."

Contudo, não raramente se inicia um debate social acerca da possibilidade, benefícios e/ou malefícios de privatização de determinada empresa estatal, como a que ocorre com a Eletrobrás, no momento atual. Se por um lado uns vislumbram a legalidade da ação e a possibilidade de crescimento nacional, outros entendem a proposta ilegal, em razão de entenderem o serviço prestado como parte do setor que corresponde ao Núcleo Estratégico do Estado e, portanto, indelegável ao particular.

Assim, a divergência parece ser em o que se considera como parte do Núcleo Estratégico do Estado. O Plano Diretor da Reforma do Estado assim definiu:
"Núcleo estratégico - Corresponde ao governo, em sentido lato. É o setor que define as leis e as políticas públicas, e cobra o seu cumprimento. É portanto o setor onde as decisões estratégicas são tomadas. Corresponde aos Poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e, no poder executivo, ao Presidente da República, aos ministros e aos seus auxiliares e assessores diretos, responsáveis pelo planejamento e formulação das políticas públicas."
A problemática não parece ser solucionada com a referida definição e, interpretações e interesses distintos fazem o imbróglio se perpetuar a cada proposta de lei com intuito de abertura de capital por parte do governo de empresas estatais, fazendo com que cresça a insegurança e confiança política.

A Reforma Administrativa fez com que houvesse progresso nos expedientes em muitos aspectos. Apesar disso, é iminente o esforço constante para sofisticar e elaborar identificadores para transformar a administração num espelho de uma sociedade bem organizada, eficiente e equilibrada para que se possa alcançar os propósitos impostos pela Constituição, respeitando, por conseguinte, o bem social para que se aumente a legitimidade democrática do país.

POR TAÍSA PEREIRA CARNEIRO



- Advogada atuante nas áreas dos Direitos Administrativo e Constitucional;
- Possui Especialização em Compliance(FGV- SP).

Nota do Editor:

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