sábado, 7 de abril de 2018

Possíveis Práticas Educativas para a Construção de uma Cultura de Paz





O texto que segue está fundamentado na superação da violência, tema da Campanha da Fraternidade, cujo lema é: em Cristo somos todos irmãos. (Mt 23,8). O tema desta Campanha é decidido, anualmente, pela Conferência Nacional dos Bispos (CNBB). Dom Leonardo Steiner - Bispo auxiliar de Brasília e secretário geral da CNBB – afirma que a temática exige muito de nós, destaca que: "ela tem muitos aspectos, tem muitas nuances, tem abordagens que necessitamos fazer diante da amplitude do tema".

Mediante a premissa,é necessário refletir sobre as possibilidades de educar para a paz, conscientes de que somos todos irmãos. Mas, o que entendemos por educar?

O dicionário online da língua portuguesa afirma que: é um verbo transitivo direto, significa dar a (alguém) todos os cuidados necessários ao pleno desenvolvimento de sua personalidade. Consta na Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu Título VIII - Da Ordem Social, Capítulo VII - Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso, no Art. 229:
"Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade"
Segundo a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN nº 9394/96, em seu artigo 1º:
 "a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais."
Desta forma, podemos compreender que somos todos educadores; enquanto família devemos cuidar uns dos outros e como cidadão educamos a todo momento por nossos gestos, atitudes e palavras. Tarefa da família e de toda a sociedade.

Se somos todos educadores e somos todos irmãos, deveríamos viver em fraternidade, mas o ato de educar é ambíguo. Um ato carregado de diferentes intenções. Lembremos dos países que ensinam os meninos a serem soldados para a guerra, ou seja, aprendem a matar. Da mesma forma, triste por sinal, há um vídeo caseiro no youtube, exibido em um dos telejornais da Rede Globo, que pode ser visto em: https://www.youtube.com/watch?v=eVyrkNnpL1Y, em que um ser humano ensina seu filho e uma sobrinha a roubar e matar utilizando uma boneca. Educamos para o bem ou para o mau.

Escolhi então alguns autores para fundamentar o raciocínio do educar para a paz, temos vários outros autores, neste momento em que escrevo este texto pensei nestes que relaciono a seguir.

Precisamos lembrar a todo momento sobre o que Jesus nos disse: "somos todos irmãos, somos a semelhança do Pai". Pensar e fazer uma educação para a paz é objetivo de cristão. Ele também nos ensinou que devemos amar uns aos outros. E como proposto a todos os cristãos, a Bíblia deveria ser lida todos os dias, afinal, esta obra traz o texto que pode auxiliar o ser humano a estar mais próximo dos propósitos de Deus.

Registro também os ensinamentos de São Francisco de Assis, sua oração nos determina o cuidar do outro/irmão, sendo para o outro o instrumento de paz. Este outro pode ser alguém que esteja precisando de ajuda, não devo negar a ajuda, mas ser: esperança, união, fé, verdade, luz, amor, perdão. 

No campo da epistemologia, destaco três autores que nos fazem refletir sobre o ato de educar, Paulo Freire, Pe. Sandrini e por último, mas não menos importante, o professor Ruy Cesar do Espírito Santo.

Freire (1921-1997), considerado o Patrono da educação brasileira, em seu legado registrou que educar é um ato específico da natureza humana, considerou que a educação muda as pessoas e as pessoas podem mudar o mundo. Para isto necessitamos, ainda nas palavras do educador e epistemólogo, saber a favor de quem ou contra quem educamos. Considera-se a possibilidade de educar para a paz mesmo que a violência esteja se instalando.

Pe. Sandrini - doutor em Educação e professor da PUC-RS, em sua obra "Para sempre! O compromisso ético do educador" nos leva a refletir sobre: ética, espiritualidade e educação, sobre o comprometimento ético do educador em uma cultura desvalorizada pela lógica do desejo. Para ele, necessitamos buscar um sentido pelo educador pelo contexto da sociedade neste início do século XXI. Se, enquanto educadores considerarmos que temos o dever e o comprometimento de educar contra a sociedade dos desejos, mas para a paz, poderemos mudar o mundo.

Ruy Cesar do Espirito Santo – professor da PUC-SP, afirma que precisamos considerar a vida em totalidade. Fundamentado em Fritjof Capra[1] direção, procura retomar a unidade do ser humano, ou seja, o "renascimento do sagrado[2]". Ele entende que é preciso romper com o modelo fragmentado de ser humano, propõe o exercício do autoconhecimento como resgate da pessoa humana que vem sendo fragmentada pelo racionalismo.


Mediante o apresentado, pode-se afirmar que o ato de educar para a paz é um encontro entre seres humanos. Um encontro que precisa ser marcado pela concepção de ser humano.


Para fundamentar a concepção de humano nos reportamos aos ensinamentos de Jesus – somos todos irmãos.

Morin afirma que:

"O ser humano é um ser racional e irracional, capaz de medida e desmedida; sujeito de afetividade intensa e instável. Sorri,ri, chora, mas sabe também conhecer com objetividade; é sério e calculista, mas também ansioso, angustiado, gozador, ébrio, extático; é um ser de violência e de ternura, de amor e de ódio; é um ser invadido pelo imaginário e pode reconhecer o real, que é consciente de morte, mas que não pode crer nela; que secreta o mito e a magia, mas também a ciência e a filosofia; que é possuído pelos deuses e pelas idéias, mas que dúvida dos deuses e critica as idéias; nutre-se dos conhecimentos comprovados, mas também de ilusões e de quimeras."
Freire afirma que o humano é ser de inacabamento, e que quando tivermos consciência do inacabamento estaremos abertos às mudanças. Santos Neto (2006), embasado nos estudos de Grof, o autor apresenta a antropologia da inteireza e propõe uma educação transpessoal.

Conforme Santos Neto (2006, p.27), o ser humano para Grof é um extenso campo de consciência, de proporções infinitas, que se manifesta sob um estado pessoal, individual e material (estado hilotrópico), e de um estado transpessoal, cósmico e espiritual (estado holotrópico).

Ao compreendermos o ser humano/educador a semelhança de Deus e ao mesmo tempo como um ser frágil de erros e acertos, sendo capaz de ser melhor a cada dia, não melhor que o outro, mas que si mesmo, é capas de recuperar-se de qualquer deslize, pecado, erro. 

Se somos seres de inacabamento, complexos, além de sermos a semelhança do Pai, fica nítida a acolhida como atividade puramente humana. Acolher o outro significa aceitá-lo como é, e auxiliá-lo no desenvolvimento de sua autonomia, em seguimento da vida de cristão. Acolher a todo ser humano passa pelo crivo de aceitar a todos independente de religião e todo tipo de preconceito. Acolher é acreditar que o outro é/pode ser capaz de ser melhor a cada dia, não importa qual tenha sido seu erro/deslize/pecado mediante os ensinamentos de Deus, pela ética do humano. Devemos acolher e acreditar na recuperação do outro. Acolher é cuidar, cuidar é ato de amor consigo e com o outro.

Destaco uns dos legados deixado por Freire "Eu sou um intelectual que não tem medo de ser amoroso. Amo as gentes e amo o mundo. E é porque amo as pessoas e amo o mundo que eu brigo para que a justiça social se implante antes da caridade." As palavras do epistemólogo ajudam a captar que devemos ser luz ao outro para que este seja capaz de seguir a vida com autonomia em uma cultura de paz.

Estas premissas nos levam a crer que não podemos mais dizer "este menino não tem mais jeito". Frase dita por educadores de diferentes seguimentos da sociedade. Esta frase carrega ou demanda somente razão, implica uma fala de quem não tem clareza sobre o perfil do ser humano que defende.

Outro exercício a que me refiro, mediante a concepção de ser humano que destaquei anteriormente, é o exercício do diálogo. Dialogar requer saber ouvir/escutar o outro sem recriminá-lo. Olho no olho, de olho nos gestos; o corpo fala como o outro se apresenta à nós. Necessitamos de muita atenção para o saber ouvir/dar atenção ao outro. Saber ouvir é uma arte, requer sensibilidade, exige respeito e credibilidade do humano.

Desta forma, é preciso ser guia/mediador do outro, afinal o livre arbítrio existe. Muitos são os atalhos que podemos pegar pelo caminho, entretanto, é preciso saber escolher. A escolha precisa ser pautada no lema de que somos a semelhança do Pai, somos todos irmãos e devemos buscar a paz. Considerando a paz como a relação entre pessoas que estão de acordo, concórdia e não em conflito ser mediador é propor ao outro o exercício de reflexão sobre seus atos/atitudes e não a imposição da mera aceitação, exercício árduo e possível.

Discorrendo sobre sermos todos educadores, saliento que a educação formal ou a educação escolar deve ter como compromisso a educação para a paz pautado em seu projeto político pedagógico - documento que deve ser elaborado por cada instituição de ensino para orientar os trabalhos durante um ano letivo. Desta forma, este documento deve explicitar a concepção de ser humano que defende, bem como o tipo de sociedade que se pretende formar mediante as ações da escola, ou seja, impulsionando as atividades de educar para a paz.

Para concluir, remeto, novamente, ao legado de Freire quando disse que: a educação não é neutra, mas política; que precisamos saber que política é essa, busquemos pela política de paz. 

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Constituição (1988). Lei nº 1988, de 5 de outubro de 1988. Artigo 207. ConstituiÇÃo da RepÚblica Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 12 fev. 2018;
_______. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasilia, 20 dez. 1996. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2018;

ESPÍRITO SANTO, Ruy Cesar. A pessoa do educador. Revista do Congresso de Educação Continuada. PEC-UNITAU;

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Automonia – saberes necessários à prática educativa. 31ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 2005;
____________. Pedagogia da Esperança- um reencontro com a pedagogia do Oprimido. Notas de Ana Maria de Araújo Freire. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992;

Morin, Edgar. Os sete saberes necessários à Educação do Futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. 7ª edição. São Paulo: Cortez, 2003;
__________. Ética, Cultura e Educação. Vega, Almeida e Petraglia(org.) 2º edição. São Paulo: Cortez, 2003:
SANDRINI, Marcos. Para sempre! O Compromisso Ético do Educador.Petropolis, RJ: Vozes, 2007;
SANTOS NETO, Elydio. O encontro Educador – Educando – tensões, angústias...e fundamentos para possíveis resposta.IN: ALMEIDA, Jane Soares de (org.). Educação e Prática docente - as interfaces do saber. Franca: Unifram, 2005.p.54-66;e
___________________. Por uma educação transpessoal – a ação pedagógica e o pensamento de Stanislav Grof. São Bernardo do Campo: Metodista, Lucerna, 2006. 

REFERÊNCIAS


[1], físico, autor dos livros O Tao da Física e Ponto de Mutação, denomina de paradigma ecológico.
[2] Nome de seu livro resultado da sua tese de doutorado.

POR MARIA CRISTINA MARCELINO BENTO







- Graduada em Pedagogia; 
- Mestre em Educação pela UMESP-SBC; 
- Doutora em Tecnologias da Inteligência e Designer Digital 
- Atuou na Educação Básica por 22 anos
Atualmente é:
- Professora titular da FATEA nos cursos de graduação e pós-graduação;
-Professora Coordenadora do Curso de Pedagogia da Fatea; e
- Professora Coordenadora de Área do Subprojeto PIBID - Pedagogia-FATEA-SP (2012/2013 - 2014/2017).

Nota do Editor:

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Um comentário:

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