Autora: Mônica Ventura Santiago
Palavras-Chave:
Comportamento: Perfídia - Traição, Escândalo; Justiça:
Julgamento – Leis; Evangelho.
"Então um dos doze, chamado Judas Iscariotes, foi
ter com os príncipes dos sacerdotes e perguntou-lhes: “que quereis dar-me e eu
vo-lo entregarei”. Ajustaram com ele trinta moedas de prata. E desde aquele
instante, procurava uma ocasião favorável para entregar Jesus."
Mateus, 26:14-16.
A perfídia, sinônimo de traição e deslealdade, constitui um crime por parte de quem perfidamente, entrega, denuncia ou vende alguém ou alguma coisa ao inimigo. Esse ato de traição é um crime se não nas leis humanas, certamente, nas Leis Naturais ou Divinas, pois, todo ato, atitude e comportamento que violente o equilíbrio da situação estabelecida, constitui um escândalo que, nada mais é, do que uma irreverência atentatória contra a ordem.
Em qualquer campo de atuação da criatura humana, seja
político, social, os efeitos desse ato danoso, de perfídia - traição, produzem
uma ressonância que desarmoniza tanto o indivíduo, seja a vítima ou o algoz,
quanto, com cada qual destes, o grupo social no qual se encontrem situados.
Em todas as épocas, a perfídia, ação que vai de
encontro à moral ou ao decoro, gera o escândalo que não está na ação em si
mesma, mas, na repercussão que possa ter.
No sentido Evangélico, como anotado ainda em
Mateus, 18:7 – "Ai do mundo por causa dos escândalos! Eles são inevitáveis;
mas, ai do homem que os causa!” - o vocábulo "escândalo" tem um significado
muito mais abrangente porque já não se trata apenas daquilo que fere o entendimento
do outro, ou seja, já não se trata apenas daquilo que escandaliza as outras
pessoas, mas, se trata também, de tudo o que é resultante dos vícios e das
imperfeições humanas.
Nas traduções mais fiéis da Bíblia Sagrada, a
palavra "escândalo" vem traduzida por "tropeço", significando que toda ação ou
reação má que um indivíduo tem para com o seu próximo, um erro ou um tropeço
que se cometa contra outrem, é o resultado efetivo do mal moral e este, se
constitui motivo de queda para o homem.
Em suma, o escândalo é tudo o que leva o homem à
queda, ao erro, quais, por exemplo, os princípios falsos que ele esposa na
vida; os maus exemplos que se cometa; os abusos e arbitrariedades que se cometem
em nome do poder e pelo poder temporal que anseia sem limites; abusos de
autoridade, de posição social, política e/ou econômica, e abusos em nome da
intelectualidade ou posição cultural que se ocupa no mundo.
A massa, não tem compaixão para com os traidores,
haja vista que assim tem sido desde há dois mil anos. Símbolo da maior traição
da historiografia humana, Judas Iscariotes, ainda hoje é aviltado, ultrajado, e
tudo e todos que se lhe julgam em termos de comparação ou não, são também
escorraçados em "praça pública" no julgamento dos que creem deter o poder ou o
direito de fazer justiçamentos com as próprias mãos.
Esse justiçamento que outrora punia com a morte ou
com o suplício físico moral, nos tempos modernos, adquiriu força e tecnologia,
porquanto também as redes sociais são utilizadas para o julgamento insano,
arbitrário e contumaz por parte de tantos quantos, expondo a inferioridade
moral de quem apenas vê a própria imagem refletida no traidor, odeia-a.
Demonstrando o primitivismo moral da criatura que
ainda é o "lobo" do seu próximo, esse julgamento pessoal é insensato porque
ignora as causas reais geradoras dos problemas e leva o sujeito a agir, covarde
e cruelmente, sedento da destruição da imagem do outro que constitui um fardo
pesado a si mesmo, ferindo pessoas com palavras perversas, insinuações
descabidas, teses estapafúrdias, mentiras caluniosas, difamações ofensivas com
o único prazer mórbido de torturar e supliciar, molestar e afligir para causar
sofrimento.
As raízes de um julgamento legal, encontram-se nas
conquistas da ética e do direito, no desenvolvimento cultural dos povos e dos
homens, que sabe conceder ao réu a oportunidade de sua defesa, ao tempo em que
prima pela aplicação das Leis justas, sem achismos do julgador, visando preservar
os valores intrínsecos da condição humana e as conquistas da cidadania que
determina deveres a cumprir com a consequente fruição e gozo dos direitos.
No caso de Judas, o discípulo que vendeu o seu
Mestre por trinta moedas de prata, caindo em si, entrou em desespero e
enforcou-se sem a chance do auto perdão, porque a perfídia, denota, claramente,
a falta de amadurecimento psicológico do ser humano independentemente de sua
intelectualidade ou posição, e, por constituir, esse escândalo, um
desequilíbrio daquele que o pratica, revela-se a sombra que
permanece em a criatura em vertiginosa expansão, o que gera vícios e hábitos
cada vez mais perturbadores que levam a desaires profundos, uma vez que sempre
terminam por afetar aqueles que lhe compartem a convivência e a afetividade.
Interessante refletir que ao tempo de Jesus, a Galileia
era uma região muito agradável em Israel e porque suas gentes eram formadas por
pessoas modestas e simples, eram amantes da natureza, acostumados à lida diária
sem a presunção intelectual da Judeia, o Mestre elegeu aquela região,
preferindo viver com os galileus e ali, Ele convidou homens simples do povo
para formar Seu Colégio Apostólico.
Contudo, na Judeia intelectual e austera, Ele
convidou apenas um, chamado Judas, oleiro e natural de Kerioth, povoado situado
a 35 quilômetros ao sul de Jerusalém. Este foi exatamente, aquele que o traiu,
como a demonstrar, quiçá, que a áspide da inteligência, a serpente que inocula
veneno, e que mascara a astúcia, caracterizada pela exigência de quinquilharias
por moedas e poder, era justamente, aquela, a personalidade com pouquíssimas
resistências morais para os enfrentamentos da grande luta sem quartel, que
deveriam empreender os lidadores da divulgação da Boa Nova nos corações.
Judas personificava a dúvida quanto aos poderes de
seu Mestre. A insatisfação pelos meios singelos empregados pelo Senhor Divino
na divulgação do Evangelho. O medo pelo que viria a ser o futuro daquele Reino
dos Céus que o Pastor de Almas prometia aos sedentos de justiça.
E, personificava também, a desconfiança na própria
condição de discípulo do Senhor, ao mesmo tempo em que agia nas sombras da
inconsciência e das atitudes temerárias, imprudentes, prepotentes e arrogantes
que o levaram a "vender" o Filho de Deus por trinta moedas, aos homens
gananciosos que temiam, por sua vez, perder seu ouro e seu poder para o Reino
de Deus que não compreendiam.
Visando ilustrar o conteúdo destas reflexões,
transcrevemos, resumidamente, do texto dos Evangelhos a passagem: "A TEMPESTADE
ACALMADA", enriquecida na narrativa sublime e magistral da poetisa, dramaturga
e escritora baiana, Amélia Augusta do Sacramento Rodrigues (1861-1926).
"O céu apresentava-se fulgurante e à hora undécima,
o Mestre questiona os discípulos:
- Os barcos estão prontos? – Sim,
Rabi – retruca Simão.
- Devemos atingir a outra margem antes da
alvorada – elucida o Amigo Divino.
- Mas, neste período – relata o velho
pescador – as tempestades sopram de surpresa e colhem os incautos,
imprevistamente, ameaçando-lhes as vidas.
- Não temamos as coisas que promanam de Nosso
Pai – esclarece Jesus. – Saiamos daqui.
Os barcos deslizaram sobre as cristas das ondas
eriçadas.
O Rabi toma de um travesseiro e, na popa da barca
em que seguem os irmãos Boanerges – João e Tiago -, procura repouso.
Ao longe, as praias. As cidadezinhas da orla das
águas rebrilham distantes e o Mestre dorme em plácida serenidade.
Os remos cantam nas águas, e os lemes estão seguros
com vigor.
Há uma inocente alegria, conquanto algumas mesclas
de preocupação e, Judas exclama:
- Não será uma temeridade essa viagem?
- O Rabi está conosco, portanto, não há
problemas – redargui
João.
- Simão, porém, conhece os perigos neste
período – investe o Iscariotes.
- De fato, se formos colhidos por um vendaval
– obtempera Simão -, nossas vidas estarão ameaçadas.
- Mas Jesus está conosco – insiste
André.
- No entanto, dorme – chasquina Judas
-, enquanto deveria vigiar; isto, para ser fiel às Suas próprias
palavras...
- Não temamos! Confiemos! – conclama
João.
- Contudo, é perigoso – retruca, mais
uma vez, a inquietação de Judas.
- Rememos – propõe Pedro, na condição
de timoneiro.
As terras da Decápole estão à vista, desenhadas nas
sombras da frente.
- O dia fora exaustivo – relaciona o
jovem Boanerges. – O Mestre atendeu as gentes de várias partes que
levarão, agora, as notícias.
- Eu vi um cego abrir os olhos –
relata, Simão Bar Jonas -, e as lágrimas cristalinas diziam da emoção
incomparável daquele beneficiado.
- E o leproso? – interroga Tiago. – O
olhar que o Rabi depositou sobre ele comoveu-me.
- Olhem as nuvens! – gritou Judas,
deixando transparecer um assomo de pavor.
Repentinamente as estrelas desapareceram sob as
nuvens escuras. Sopraram os ventos de várias direções e o pânico tomou vulto.
Os barcos oscilam e trovões espocam após relâmpagos
ligeiros.
- E Ele dorme! – exclama André.
- Dorme enquanto perecemos! – grita
Judas.
- Confiemos! – insiste João.
Cai a tempestade. As forças em desgoverno sacodem o
mar, e o tumulto domina a paisagem.
- O Mestre dorme, Deus meu, e nós...
– desespera-se Judas. – Acordem-nO!
- Mestre, Mestre! – chama João,
receoso e trêmulo. – Pereceremos se não nos salvares.
- Se não nos salvares?! – repete,
revoltado, Judas. – Terá que nos salvar. A ideia da viagem perigosa foi
ele quem a teve.
Brame o mar, e ululam os ventos. – Que
tendes? – indaga, sereno, o Rabi.
- Perecemos, Amigo! – explica,
tímido, o amado...
Ele se ergue e abre os braços. O relâmpago veste-O
da claridade luminosa, emoldurando-O, num átimo.
– Calai! Emudecei! – Sua voz supera
os estrondos das forças desconexas da natureza. – Aquietai! – O
brado arrebenta-se nos longes das praias. Os ventos amainam e as águas
revoltas, desencrespam-se.
A tentação dissera há pouco por aquelas bocas: - Não
te importas que pereçamos? – quando indagara Simão, traduzindo as
dúvidas gerais.
No entanto, Ele estava ali.
- Quem é esse a Quem até o vento e o mar
obedecem?
E, todavia, viviam com Ele, mas, não O conheciam..."
Traições, escândalos e julgamentos, constituem
facetas na personalidade humana ainda subjugada às sombras do ego
que preserva o lado vulgar, mesquinho, licencioso, ganancioso e feroz, em
detrimento do Self, o Eu superior, aquele lado bom
e gentil das criaturas.
Dúvidas, insatisfações, medos, desconfianças, ao
modo de Judas, são tormentas que açoitam as criaturas com frequência em plena
tempestade no mar das nossas existências.
Que fazer? – "Remar", trabalhando vigilantemente
contra as paixões desconcertantes que nos levam às derrocadas no mal moral.
Cultivar a humildade que evita a prepotência e a arrogância, para confiarmos no
Cristo interno que habita em nós, mas, que jaz adormecido sem que as nossas
ações O permitam despertar.
Referências Bibliográficas - Obras e Livros consultados:
Bíblia Sagrada – 64ª Edição – Editora Ave Maria
Ltda:
A Tempestade Acalmada - Evangelho Segundo São
Mateus 8: 23-27; São Marcos 4:35-41; São Lucas 8:22-25:
A Traição de Judas - Evangelho Segundo São Mateus
26:14-16; São Marcos 14: 10-11; São Lucas 22:3-6;
Livro:
Elucidações Psicológicas à Luz do Espiritismo – Organização: Geraldo Campetti
Sobrinho e Paulo Ricardo A. Pedrosa – Autora: Joanna de Ângelis por Divaldo
Franco. Ed. LEAL – 3ª Ed. 2018:
Livro: Em
Busca da Verdade – Autora: Joanna de Ângelis por Divaldo Franco. Ed. LEAL–1ª
Ed. 2009;
Formato
ebook. Acesso: World Wide Web – ISBN 9788520943748 (recurso eletrônico).
Livro: Breve
História da Justiça – Autor: David Johnston – Tradutor: Fernando Santos. Ed.
WMF Martins Fontes. 1ª Ed. 2018.
*MÔNICA MARIA VENTURA SANTIAGO
- Advogada.
Especialidades:
- Direito de Família e Sucessões,
- Direito Internacional Público,
- Direito Administrativo;
- Lato Sensu em Linguística e Letras
Neolatinas;
- Degree in
English by Edwards Language School – London - Accredited by the British
Council, a member of English UK and a Centre for Cambridge Examinations;
-Escreve artigos sobre Direito;
Política; Sociologia; Cidadania; Educação e Psicologia.
Nota do Editor:
Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.
Parabéns, Mônica,
ResponderExcluirGostei do artigo onde você soma o conhecimento do passado aos dias de hoje, trazendo o Evangelho de Jesus.
Obrigado.
Obrigada por seu comentário!
ExcluirPena que não se identificou.
Paz e bem!
Muito bom, Mônica, Parabéns!!!
ResponderExcluirExcelente reflexão, parabéns!
ResponderExcluirOlá, Eli!!
ExcluirMuito feliz que você tenha lido e tenha apreciado a reflexão!!
Obrigada!! Paz e bem!!