Autora:Yngrid Gonçalves de Oliveira(*)
Trata-se da denominação aplicada ao consumidor por equiparação de que trata o artigo 17, do Código de Defesa do Consumidor:
"Art. 17. Para os efeitos desta Seção,
equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento."
O chamado "consumidor por equiparação", ou bystanders é aquele que, embora não esteja na direta relação de consumo, por ter sido atingido pelo evento danoso, equipara-se a consumidor no que tange ao ressarcimento dos danos que experimentar.
Conforme explicou a ministra Nancy Andrighi no REsp 1.125.276, o conceito de consumidor não está limitado à definição restritiva contida no caput do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), devendo ser extraído da interpretação sistemática de outros dispositivos da Lei 8.078/90.
Surge então a figura do consumidor por equiparação, ou bystander, "inserida pelo legislador no artigo 17 do CDC, sujeitando à proteção do CDC também as vítimas de acidentes derivados do fato do produto ou do serviço. Em outras palavras, o sujeito da relação de consumo não precisa necessariamente ser parte contratante, podendo também ser um terceiro vitimado por essa relação", afirmou.
Dessa
forma, todo aquele que não participou da relação de consumo, não adquiriu
qualquer produto ou contratou serviços, mas sofreu algum tipo de lesão pode
invocar a proteção da lei consumerista na qualidade de consumidor equiparado.
Observa-se,
a partir da categoria do consumidor por equiparação, que é possível que tenhamos consumidor sem que este tenha firmado
contrato de consumo. O Consumidor por equiparação será consumidor ainda que em
nenhum contrato tenha tomado parte, e , até mesmo, nem utilizado do produto
e/ou serviço.
Piso molhado
O ministro Luís Felipe Salomão foi relator na Quarta Turma de um recurso originado de ação de reparação movida por um idoso contra o município e um posto de gasolina (AREsp 1.076.833). O autor sofreu uma queda e fraturou três costelas ao passar pela calçada do posto, pois o piso estava molhado. Havia uma mangueira no interior do estabelecimento que escoava água, porém não existia qualquer sinalização que alertasse para o perigo no local.
O
idoso alegou negligência do posto por ter deixado escoar água sem providenciar
a sinalização adequada. Também sustentou haver falta de fiscalização dos
passeios públicos por parte do município.
O
posto afirmou a não incidência da lei consumerista no caso, já que não havia
fornecido qualquer produto ou serviço ao autor da ação. Disse que a culpa era
exclusiva da vítima e que se tratava de caso fortuito e de força maior.
O
estabelecimento foi condenado a pagar R$ 6.780,00 por danos morais. O Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) entendeu que incidiam as normas do CDC,
já que houve defeito no serviço, pois o posto não ofereceu a segurança que o
consumidor deveria esperar. Para o tribunal, a lei tutela a "segurança ou
incolumidade física e patrimonial do consumidor".
Segundo
o ministro Salomão, o entendimento da corte estadual está em conformidade com a
jurisprudência do STJ no sentido da proteção conferida pelo CDC a todos aqueles
que, mesmo sem participar diretamente da relação de consumo, sofrem as
consequências do dano, tendo sua segurança física e psíquica colocada em risco.
Cacos de vidro na via
No julgamento do REsp 1.574.784, na Terceira Turma, a ministra Nancy Andrighi também entendeu correta a equiparação do consumidor, nos termos do artigo 17 da lei consumerista, conforme decidido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ).
Uma criança se acidentou ao tentar fugir da colisão com a porta do caminhão de uma distribuidora de cervejas S., fabricadas pela empresa B. K. Indústria de Bebidas Ltda., que transitava na via com as portas abertas. Ao desviar da porta, a criança caiu sobre garrafas de cerveja quebradas que haviam sido deixadas na calçada cinco dias antes pela mesma distribuidora. Ela sofreu cortes graves no pescoço e outras lesões leves.
O
tribunal estadual manteve a condenação solidária da fabricante e da
distribuidora ao pagamento de danos morais no valor de R$ 15 mil.
Para
a ministra Nancy Andrighi, a jurisprudência do STJ é clara no sentido de que "a
responsabilidade de todos os integrantes da cadeia de fornecimento é objetiva e
solidária, nos termos dos artigos 7º, parágrafo único, 20 e 25 do CDC", sendo "impossível afastar a legislação consumerista" e a equiparação da criança a
consumidor, visto que "o CDC amplia o conceito de consumidor para abranger
qualquer vítima, mesmo que nunca tenha contratado ou mantido qualquer relação
com o fornecedor".
Tiroteio na rua
No REsp 1.732.398, de relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze, uma jovem pediu indenização por danos materiais, morais e estéticos em decorrência de ter sido baleada aos 12 anos de idade, quando retornava da escola e passava por uma rua onde havia começado um tiroteio. A troca de tiros ocorreu porque os seguranças privados contratados pelos donos das lojas instaladas no local reagiram a uma tentativa de roubo, e um dos tiros atingiu a jovem, deixando-a tetraplégica.
O
tribunal estadual fixou o valor das indenizações por danos morais e estéticos
em R$ 450 mil cada. A decisão foi confirmada pela Terceira Turma do STJ em
razão da "gravidade das lesões sofridas pela autora, que revelam, por si sós, a
existência de ofensa à sua integridade física, psíquica e emocional, não apenas
porque dependerá, muito frequentemente, da ajuda de terceiros ou de recursos
tecnológicos, não raramente de elevado custo, para realizar os atos mais
simples do dia a dia, mas também porque, juntamente com sua saúde, o disparo de
arma de fogo afetou grande parte dos seus sonhos, roubou-lhe a juventude e a
impediu de desfrutar da própria vida de maneira plena, com reflexos de ordem pessoal,
social e afetiva" – conforme apontou Bellizze.
Os
comerciantes sustentaram que o crime de roubo à mão armada caracterizava
fortuito externo e os tiros que atingiram a vítima foram disparados pelos
assaltantes.
Segundo
Bellizze, "ao reagirem de maneira imprudente à tentativa de roubo à joalheria,
dando início a um tiroteio, os vigilantes frustraram a expectativa de segurança
legitimamente esperada, a qual foi agravada, no caso, uma vez que a autora foi
atingida por projétil de arma de fogo, sendo o fato suficiente para torná-la
consumidora por equiparação, ante o manifesto defeito na prestação do serviço".
A causa que produziu o dano, de acordo com o ministro, não foi o assalto, "que
poderia ter se desenvolvido sem acarretar nenhum dano a terceiros, mas a
deflagração do tiroteio em via pública pelos prepostos dos réus, colocando
pessoas comuns em situação de grande risco, o que afasta a caracterização de
fortuito externo", além de os vigilantes terem atuado coletivamente "para a
produção do resultado lesivo, advindo não dos disparos em si, mas da ação que
desencadeou o conflito armado. Daí a responsabilização dos estabelecimentos
pelos danos ocorridos".
Explosão em bueiro
Outro caso de consumidor por equiparação foi reconhecido no AgRg no REsp 589.789, de relatoria do ministro Villas Bôas Cueva, na Terceira Turma. O caso teve origem em uma ação indenizatória contra a L. Serviços de Eletricidade S.A. após a explosão em um bueiro em Copacabana, no Rio de Janeiro.
Os
autores pediram ressarcimento pelos danos materiais, morais e estéticos, porém
a L. alegou que não seria possível a aplicação do CDC ao caso por não haver
relação de consumo a ser tutelada.
O
entendimento unânime da Terceira Turma foi no sentido de que o acórdão do
tribunal estadual estava em perfeita harmonia com a jurisprudência do STJ de
que "equipara-se à qualidade de consumidor, para os efeitos legais, aquele que,
embora não tenha participado diretamente da relação de consumo, sofre as
consequências do evento danoso decorrente do defeito exterior que ultrapassa o
objeto e provoca lesões, gerando risco à sua segurança física e psíquica",
conforme exposto pelo ministro João Otávio de Noronha no REsp 1.000.329.
Derramamento de petróleo
No AgInt nos EDcl no CC 132.505, sob relatoria do ministro Antonio Carlos Ferreira, a Segunda Seção discutiu o caso de pescadores artesanais do Espírito Santo que haviam ajuizado ação de reparação de danos contra a C. Brasil, em razão de um vazamento de petróleo ocorrido no litoral do Rio de Janeiro.
O
óleo derramado se espalhou e prejudicou a atividade dos pescadores que moravam
no Espírito Santo, considerados consumidores por equiparação.
O
ministro explicou que tal entendimento estava correto e já havia sido aplicado
em hipótese semelhante na Segunda Seção, quando pescadores foram considerados
vítimas de acidente de consumo, visto que suas atividades pesqueiras foram
prejudicadas por derramamento de óleo (CC 143.204, da relatoria do ministro
Villas Bôas Cueva).
A
Justiça do Espírito Santo afirmou não ser competente para julgar um crime
ambiental ocorrido em outro estado. A Justiça fluminense alegou que, como os
pescadores são consumidores equiparados, poderiam ajuizar ação em seus
domicílios, conforme preconiza o artigo 101, inciso I, do CDC.
Segundo
o ministro Antonio Carlos, havendo a incidência das regras consumeristas, "a
competência é absoluta", razão pela qual deve ser fixada no domicílio do
consumidor, ou seja, "apesar de o acidente ter ocorrido no litoral do Rio de
Janeiro, seus reflexos danosos se estenderam para outras localidades, entre as
quais o território pesqueiro onde os autores da ação laboravam, que deve ser
considerado o local do fato, para fins de incidência do artigo 100, inciso V,
alínea a, do Código de
Processo Civil".
"Nesse
sentido, aplicam-se ao caso as regras definidoras de competência do artigo 101
do CDC, as quais, nos termos da jurisprudência do STJ, têm natureza absoluta,
podendo ser conhecidas de ofício pelo juízo, sendo improrrogável, sobretudo
quando tal prorrogação for desfavorável à parte mais frágil", disse o relator.
REFERÊNCIAS
Processos: REsp 1125276, AREsp 1076833, REsp 1000329, REsp 1574784, REsp 1732398, REsp 589789, CC 132505, CC 143204
Fonte: Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
Livro: Felipe Peixoto Braga Netto, Manual de direito do consumidor à Luz da Jurisprudência do STJ, 9º Edição, Editora JusPodivm, Salvador-BA.
*YNGRID HELEN GONÇALVES DE OLIVEIRA
-Bacharel em Direito;
-Advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil nº OAB/DF 44.727;
- Especialista nas áreas de Direito Consumidor, Direito Penal e Processo Penal e Direito Cível;
- Atuou como Membro da Comissão de Ciências Criminais da OAB/DF;
- Atuou como Membro da Advocacia Jovem OAB/DF
-Articulista na Seção Hora e a vez do Consumidor do O Blog do Werneck;
-Atuou como conciliadora cível e criminal durante 4 anos no TJDFT. Conciliadora certificada pelo Núcleo de Mediação e Conciliação do Tribunal de Justiça de Brasília - NUPEMEC;
-Atuou como membro da Comissão de Advogados Iniciantes da OAB/DF; e
-Possui diversos artigos jurídicos publicados em revistas jurídicas online. (JusBrasil e JusNavigandi)
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Nota do Editor:
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