Autora: Maíra Veiga(*)
Na mais remota Antiguidade, com a ausência de um Estado forte que assumisse a prerrogativa de dirimir os conflitos entre as pessoas, prevalecia a vingança privada, evoluindo para a justiça privada. O Código de Hammurabi sobressai-se e teve como escopo maior fazer reinar a justiça em seu reino, podendo qualquer cidadão recorrer ao rei. Entre os babilônios, livre era o homem que tinha todos direitos de cidadão e era denominado awilum. Entre os povos antigos, a arbitragem e a mediação constituíam meio comum para sanar os conflitos entre as pessoas. Na Grécia antiga, as soluções amigáveis das contendas fazia-se com muita frequência, por meio da arbitragem, que poderia ser compromissória ou obrigatória. Os compromissos especificavam o objeto do litígio e os árbitros eram indicados pelas partes. O povo tomava conhecimento do laudo arbitral gravado em plaquetas de mármore ou de metal e sua publicidade dava-se pela afixação nos templos das cidades.
No Direito Romano, no primeiro período do processo, as legis acciones em muito se assemelhavam às câmaras ou às cortes arbitrais. Ainda em Roma, as questões cíveis eram primeiramente apresentadas diante do magistrado, no Tribunal, para depois sê-lo, perante um árbitro particular (arbiter) escolhido pelas partes para julgar o processo. Trata-se da ordo judiciorum privatorum ou ordem dos processos civis. Este sistema, por ser muito rápido, perdurou por muito tempo, ou seja, até o período clássico - nesse instituto, as partes podiam celebrar compromissos, da mesma forma como o faziam, perante a Justiça comum, para que um terceiro, o árbitro, julgasse o conflito. O julgamento chamava-se sententia, conferindo a actio in factum. Com Justiniano, porém, esse processo veio a complicar-se sobremaneira, em virtude de disposições legais, visando regular a forma de julgamento, suspeição, forma de constituição etc.
Na Idade Média, também era comum a arbitragem, como meio de resolver os conflitos, entre nobres, cavaleiros, barões, proprietários feudais e, fundamentalmente, entre comerciantes. O Direito Lusitano medieval também previa a utilização da arbitragem. As ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas disciplinavam este sistema de composição dos conflitos.
A doutrina brasileira identifica a presença da arbitragem em nosso sistema jurídico desde a época em que o País estava submetido à colonização portuguesa. Em ambiente puramente brasileiro, a arbitragem surgiu, pela primeira vez, na Constituição do Império, de 22/03/1924, em seu art. 160, ao estabelecer que as partes podiam nomear juízes–árbitros para solucionar litígios cíveis e que suas decisões seriam executadas sem recurso, se as partes, no particular, assim, convencionassem. A CF de 24 de fevereiro de 1895, a primeira Carta Republicana, não cuidou de homenagear a arbitragem entre pessoas privadas. É certo que não deixou de incentivar a sua prática como forma útil para pacificar conflito com outros Estados soberanos. A Carta de 16 de julho de 1934 voltou a aceitar a arbitragem, assegurando à União competência para legislar sobre as regras disciplinadoras do referido instituto.
As Constituições de 1937 e 1946 não fizeram qualquer referência à arbitragem, tendo o mesmo comportamento a Lei Maior de 1967. A atual CF, de 05/10/88, referiu-se sobre a arbitragem no art. 4º, § 9º, VII, bem como no art. 114, § 1º. Saliente-se, contudo, que a Carta de 1988, no seu preâmbulo, 13 faz, em nível de princípio fundamental, homenagem à solução dos conflitos por meio de arbitragem, no pregar a forma pacífica de serem resolvidos, quer na ordem interna, quer na ordem internacional.
O marco histórico da arbitragem no Brasil foi sem sombra de dúvida a Lei nº 9.307/1996, tal norma esclarece os pontos importantes do instituto da arbitragem, regulamenta a arbitragem, esclarece quem pode ser árbitro, estabelece também que a arbitragem pode ser decidida por equidade ou pelo direito isto é uma opção das partes, de outro modo, a lei é de essencial importância para a efetivação da arbitragem no Brasil. Doravante isto, antes de 1996, já se decidia os conflitos entre as partes que assim optaram por arbitragem, principalmente em arbitragens internacionais, ou seja, a arbitragem como método extrajudicial de resolução de conflitos já tem mais de um século que é usada no Brasil.
É antiga a discussão acerca da natureza jurídica da arbitragem, sendo certo que a doutrina se divide em basicamente três teorias: a privatista/contratual, a publicista/jurisdicional e a mista.
A teoria privatista, ou contratual, considera a arbitragem tão somente um negócio jurídico, uma vez que ao árbitro seria conferida a função de solucionar o conflito, no entanto, sem o poder de executar e impor a sentença às partes, que é monopólio do Estado. Ou seja, a decisão do árbitro seria, em essência, a extensão do acordo celebrado entre as partes.
A arbitragem, assim, possuiria um caráter privatista tanto no que concerne à sua origem – posto que decorre de um acordo entre as partes –, quanto no que diz respeito à qualidade dos árbitros – visto que não possuem o poder de executar suas decisões.
Por outro lado, a teoria publicista defende que a arbitragem é "verdadeira atividade jurisdicional, e, prova disso, é a lei ter outorgado poderes, ao árbitro, para dirimir os conflitos de interesse das partes". Nessa linha, os árbitros são considerados verdadeiros juízes, de fato e de direito,de modo que a arbitragem é uma "jurisdição de caráter privado".
Os adeptos a essa teoria – entre eles Francisco José Cahalie Carlos Alberto Carmona– sustentam que as modificações trazidas pela Lei nº 9.307/1996 equipararam a atividade do árbitro à atividade estatal no exercício de função jurisdicional, tendo a sentença arbitral eficácia e força de título executivo judicial.
No mesmo sentido, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery acreditam que "o árbitro exerce verdadeira jurisdição porque aplica o direito ao caso concreto e coloca fim à lide que existia entre as partes", considerando a arbitragem um "instrumento de pacificação social".
A teoria mista, por sua vez, "se insere na ideia de que a Arbitragem possui característica contratual em um momento inicial, ou seja, no exercício da autonomia da vontade privada das partes para a escolha e o pacto convencional desta, tendo, mais adiante, com a sentença arbitral, conteúdo jurisdicional, daí também público".
José Cretella Neto é um dos defensores desta corrente. Segundo ele, "a arbitragem tem natureza jurídica mista, sui generis, contratual em seu fundamento, e jurisdicional na forma da solução de litígios e nas consequências que provoca no mundo de Direito".
Leonardo de Faria Beraldo e Francisco José Cahali tratam ainda de uma quarta teoria, denominada autônoma, a qual enxerga a arbitragem como um "sistema de solução de conflitos totalmente desvinculado de qualquer sistema jurídico existente". Referida corrente tem mais relevância nas arbitragens internacionais..
*MAÍRA VEIGA VIEIRA DE SOUZA - OAB/SP 341.862
-Advogada graduada em Direito pela Faculdade de Direito Damásio - IBMEC-SP )2010);
Pós graduada em:
-Direito Público pela Damásio Educacional - SP (2011);
-Direito de Família e Sucessões pela EPD (2017); e
-Direito Constitucional e Eleitoral pela Damásio Educacional - SP(2020).
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