sábado, 17 de agosto de 2024

Como combater a intolerância religiosa na escola?


Autora:Karla Reis Martins de Oliveira


"- Você é macumbeiro!".

Provavelmente quem trabalha em escola já ouviu alguma frase com esse teor, à qual não caberia o estudante responder "- Você é cristão!", porque a sociedade contemporânea ainda entende que a pessoa que não pertence à religião da maioria, é a que deve ser marginalizada.

Dificilmente, quando uma criança ouve o termo macumbeiro, com intenção de ofensa, bastará simplesmente tentar explicar que macumba nada mais é do que um instrumento musical, semelhante ao reco-reco, de origem africana.

Apesar da grande diversidade de religiões, as de matriz africana são especialmente muito malvistas e malfaladas.

Timidamente, na última década, pode-se observar manifestações de religiões como umbanda ou candomblé, entre estudantes da educação básica, como a utilização de vestimentas e acessórios, que provocam medo ou zombaria.

A escola é um recorte da sociedade, repleta de preconceitos e o religioso se desenha de forma bastante nítida, e tão cruel como qualquer outro.

Embora haja embasamento legal que norteie o trabalho das escolas para uma cultura antirracista, não é o que vemos, de fato, na prática.

Talvez as crianças e jovens de religiões não cristãs já aprendam desde muito cedo a necessidade da paciência e da resiliência, mas o que a escola precisa também ensinar é o sentido de luta pelos direitos.

A Constituição Federal, no artigo 5º, inciso VI, aponta que "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias".

O Código Penal Brasileiro - Decreto-Lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940, em seu artigo 208, estabelece que é crime "escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso", tendo como pena “detenção, de um mês a um ano, ou multa”, considerando-se que "se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência."

A Lei nº 20.451, de 22 de abril de 2019, instituiu a campanha estadual Aluno Consciente, que "tem como finalidade desenvolver, dentro do ambiente escolar, projetos acerca de temáticas que estão em discussão e afetam o ambiente e as relações escolares, como: [...] liberdade religiosa, intolerância religiosa e laicidade do Estado".

A Lei nº 14.532, de 11 de janeiro de 2023, alterou "a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (Lei do Crime Racial), e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar como crime de racismo a injúria racial, prever pena de suspensão de direito em caso de racismo praticado no contexto de atividade esportiva ou artística e prever pena para o racismo religioso e recreativo e para o praticado por funcionário público".

Somente haverá tolerância e respeito quando houver conhecimento suficiente sobre o diferente.

A escola, representada por cada membro pertencente, precisa se mostrar antirracista e eficiente no combate a qualquer tipo de preconceito.

Mesmo que alguns pais não entendam e questionem, mesmo que alguns professores e funcionários não concordem.

É necessário que os estudantes conheçam a diversidade em todos os seus aspectos.

É preciso desmistificar, por exemplo, o que significa a figura Exu, que é associado ao Diabo pelos cristãos, mas que representa um ser de luz, força e grande proteção para as religiões de matriz africana.

Não se pode simplificar dizendo que todos seguem um só deus. Não é verdade.

Assim como a oração do Pai Nosso é tida, erroneamente, como universal. Se um estudante pertence ao islamismo, por exemplo, não fará sentido algum uma oração católica.

Por isso o Estado é laico e, embora cada um tenha o direito de professar sua fé, ou não crença, é imprescindível o respeito ao outro.

Esse é um assunto muito sério, que deve ser amplamente discutido e esclarecido, porque as pessoas temem o desconhecido.

O conhecimento é sempre o melhor, aliás, o único, caminho.



*KARLA REIS MARTINS DE OLIVEIRA
















-Graduada em Letras, com Habilitação Plena em Línguas Portuguesa e Inglesa e Literaturas - UNIFATEA (2004);

-Pós-graduada em:


Estudos Literários – UNIFATEA (2008);

Gestão Escolar - UNIFATEA (2012);

Psicopedagogia Clínica e Institucional – FACON (2018);

Supervisão Escolar - Faculdade São Luís (2019); e 


Educação em Direitos Humanos, Diversidade e Questões Étnico-Sociais ou Raciais - FAVENI (05/2024).

Diretora Efetiva da Rede Estadual de Ensino, atuando em Escola de Ensino Integral de 7h, no interior de SP, com experiência em Coordenação Pedagógica de Ciclo I e II do Ensino Fundamental e Ensino Médio, em Vice-Direção e como Professora Efetiva de Língua Inglesa

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Nota do Editor:

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9 comentários:

  1. Apesar de estarmos em um país livre, ainda existe muito preconceito, não só em respeito da religião, mas em muitos outros aspectos como cor de pele, posição social, gênero, e por ai vai. Acredito que só a educação pode mudar esse cenário , mesmo que a muito longo prazo.

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  2. Concordo! Obrigada pela colaboração!

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  3. Texto excelente e necessário nos dias atuais. Sociedade evoluiu, mas os preconceitos não se dissociaram das pessoas nesse processo evolutivo.

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  4. Texto excelente e esclarecedor, eu poderia acrescentar também nesta situação de preconceito, o caso dos estudantes que já nos anos finais e ensino médio principalmente, manifestam tendência a não crença em divindades ou religiões como ateus e agnósticos. Por exemplo, no pouco tempo que atuo na docência já testemunhei vários casos do tipo, em que estas crianças se sentem constrangidas e passam por olhares reprovadores não somente por colegas de sala como até mesmo por profissionais da educação. Entendo que nas situações oportunas este tema deve ser levado em pauta sempre focado na diversidade da condição humana e que ter crença ou não ter crença é totalmente natural e acima de tudo a religião não define o caráter do indivíduo...

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    1. Excelente observação, professor! Obrigada!

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  5. Excelente texto! Parabéns!

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  6. Infelizmente a intolerância tem imperado na sociedade nos últimos tempos e como não poderia deixar de ser, na escola o cenário não é diferente. Preconceito deriva de falta de conhecimento, de esclarecimento. Nós profissionais da Educação temos a obrigação de nos colocarmos a favor não dessa ou daquela religião ou crença, mas primordialmente ao lado do saber. É esta a função do ensino religioso nas escolas: esclarecer, desmistificar. Contra o preconceito, conhecimento.

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