quinta-feira, 12 de junho de 2025

A relação entre a Convivência Familiar e a autoridade parental em Reality Shows


 © 2025 Renata Joyce Theodoro

A história da televisão brasileira ganhou um novo capítulo em 2001, com a estreia da primeira edição do reality show. Esse programa inovador deixou uma marca indelével na programação nacional, revolucionando a forma como o público interagia e se envolvia com a telinha. Desde aquele momento, anualmente, os brasileiros se juntam para apoiar, vibrar e discutir a vida de indivíduos comuns que aceitam o desafio do confinamento e se afastam de qualquer tipo de interação com o público, até mesmo com seus familiares, na expectativa de garantir o prêmio em dinheiro.

Entretanto, assim como é frequente em transmissões de TV aberta, as transformações sociais impactam diretamente a audiência. Em 2020, uma nova modalidade de reality show introduziu uma nova dinâmica. Esta nova fase envolveu o confinamento de participantes anônimos ao lado de celebridades. Dessa forma, além do habitual impacto gerado pelo reality show, os participantes famosos não só ampliaram a audiência, como também elevaram o valor dos anúncios publicitários e cativaram a atenção do público.

Com o acúmulo de vantagens adquiridas devido à repercussão gerada por artistas, atletas e influenciadores que foram selecionados para atuar na televisão, a presença em frente às câmeras, com transmissão ao vivo a qualquer momento, pode traduzir-se, com a mesma rapidez, em um triunfo ou em um desastre para a carreira desses profissionais. Dessa forma, é evidente que o programa exerce uma significativa influência e possui o potencial de transformar carreiras, especialmente para os participantes já reconhecidos, que conseguem aproveitar a visibilidade a seu favor.

Especialmente em relação à participação de integrantes famosos com histórico familiar de separação e guarda dos filhos menores, o confinamento desses têm um impacto significativo do ponto de vista jurídico, especialmente em relação ao direito à convivência familiar. A questão que se coloca é a seguinte: o sigilo contratual entre a transmissora de TV e os participantes terá predominância mesmo quando confrontado com a obrigação de comunicação que surge da divisão do poder familiar? Neste texto serão examinadas as repercussões jurídicas relacionadas aos conceitos de guarda e convivência e a viabilidade da implementação de perdas e danos em situações de violação do sigilo contratual, que se estende naturalmente ao ex-cônjuge, levando em consideração a responsabilidade de comunicação e o princípio da coparentalidade.

O direito de convivência familiar na codificação de 2002

O Código Civil de 2002 trouxe mudanças importantes, adaptando-se às transformações sociais desde sua criação em 1916. O Direito de Família passou a promover igualdade entre homens e mulheres, não discriminando filhos, independentemente de serem gerados dentro ou fora do casamento. A Constituição Federal de 1988 é central na garantia dos direitos fundamentais nesse âmbito, priorizando a proteção da família e a dignidade humana, sem discriminação de sexo.

O artigo 226 da Constituição estabelece igualdade nas relações conjugais, sendo responsabilidade de ambos os pais educar e cuidar dos filhos. Após a redemocratização, o conceito de guarda se modernizou, alinhando-se à realidade atual e aos direitos humanos. O Código Civil reafirma que o poder familiar é conjunto, independentemente da situação conjugal dos pais.

A expressão “direito de visita” é vista com restrições, uma vez que sugere que pais não guardiões têm um papel limitado. A legislação indica que o progenitor sem guarda deve ter garantido tempo com os filhos, além de eliminar a noção de visitas programadas. A convivência familiar permite uma relação constante, enquanto a paternidade não deve ser tratada como um compromisso agendado.

A guarda compartilhada e o direito à convivência devem priorizar os interesses da criança, conforme estabelecido na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente. A convivência, portanto, deve ser incentivada como parte fundamental da experiência familiar.

Do Pátrio Poder à Autoridade Parental

O poder exercido pelos pais foi, ao longo da história, moldado pela ideia de superioridade masculina, incluindo leis que reforçavam a posição subordinada da mulher, que atuava como uma assistente no núcleo familiar.

As mudanças sociais e políticas permitiram que as pessoas reconhecessem as injustiças criadas pelas normas anteriores e, num novo contexto democrático, foi estabelecido um Código Civil que previa a equidade entre homens e mulheres em todos os aspectos, incluindo no ambiente familiar.

Dessa forma, a igualdade ajudou a prevenir vários abusos dentro da família e promoveu o desaparecimento do conceito de pátrio poder, que se baseava na inferioridade das mulheres. Assim, a Constituição Federal introduziu o conceito de poder familiar, que deve ser compartilhado igualmente entre ambos os pais, mesmo que a união matrimonial tenha sido desfeita ou nunca tenha existido.

Entretanto, com várias discussões sobre a conotação negativa que a palavra "poder" carrega no contexto familiar, muitas vezes associada ao uso da força, foi sugerido por leis e doutrinas internacionais que o termo fosse alterado para autoridade parental.

A função parental, ou poder familiar, exige que haja comunicação entre os pais, permitindo a troca necessária de informações para a criação e educação dos filhos menores. Contudo, as decisões judiciais não concedem a guarda unilateral apenas por conta da separação ou desentendimentos entre os genitores, que devem aprender a se comunicar e interagir em benefício dos filhos.

Como não é possível extinguir a paternidade somente pelo fim da relação conjugal, a partilha das responsabilidades parentais é crucial para que os pais desempenhem suas funções de forma adequada, criando e educando seus filhos em igualdade.

Portanto, o poder familiar exige, de forma inevitável, que haja comunicação entre os pais, criando um ambiente saudável que favoreça o desenvolvimento pleno das crianças e adolescentes.

Dessa maneira, nota-se que, mesmo após a separação entre um cônjuge e o ex-parceiro, os filhos menores mantêm um vínculo indissolúvel de comunicação, que gera a obrigação de informar sobre quaisquer situações ou eventos que possam afetar o exercício da autoridade parental ou alterem a dinâmica familiar na vida dos filhos.

A predominância da convivência familiar face ao sigilo contratual

O acordo para participação em reality shows exige que os participantes mantenham sigilo sobre seu isolamento, protegendo a identidade e promovendo o programa. O público só descobre os nomes dos participantes durante a transmissão ao vivo. Os participantes devem respeitar essa confidencialidade, pois a violação pode cancelar o contrato. O sigilo tem implicações legais, especialmente para aqueles com filhos, já que a ausência do pai ou mãe pode afetar a guarda e convivência familiar.

A participação em reality shows deve sempre considerar o melhor interesse da criança, que pode ficar sem contato com o pai ou mãe por mais de três meses. Os pais devem discutir a dinâmica de convivência durante a ausência. A comunicação entre os pais é fundamental para manter os laços familiares, principalmente com a família extensa. O sigilo se aplica também ao outro genitor, pois vazamentos podem prejudicar a participação do inscrito. No entanto, isso não deve impedir a comunicação necessária para a convivência familiar. O respeito ao sigilo deve equilibrar o direito à liberdade pessoal e o bem-estar da criança. A cláusula de sigilo não substitui o melhor interesse do menor.

Conclusão

A Constituição Federal trouxe profundas alterações ao Direito de Família, criando uma diferença clara na esfera jurídica antes e pós-redemocratização do Brasil. No que se refere à família, a Constituição estabeleceu que a responsabilidade de garantir, como prioridade absoluta, o direito à convivência familiar é de pais, sociedade e Estado, introduzindo o princípio do melhor interesse da criança.

Assim, considerando a obrigação de sigilo prevista em contrato, o interesse superior da criança e do adolescente deve prevalecer, exigindo que, ao participar de um reality show, o pai ou mãe confinados devem informar o outro genitor sobre a dinâmica familiar durante o período de isolamento e, ainda, decidir sobre a convivência com a família extensa e a divisão do poder familiar, que será exercida de maneira unilateral, tendo em vista a impossibilidade temporária.

Dessa forma, em virtude da partilha do poder familiar, é necessário comunicar sobre qualquer circunstância que possa afetar a criação e educação dos filhos. Nesse contexto, a situação de confinamento para a participação em um programa de televisão claramente desafia a obrigação de informar, equilibrando o sigilo contratual e o melhor interesse da criança.

Se a confidencialidade não for mantida e informações forem divulgadas, essa questão poderia ser resolvida por meio de indenização por perdas e danos, calculada com base no valor do prejuízo, além da multa contratual, e da possível frustração nas oportunidades de carreira, conforme a teoria da perda de uma chance.

Portanto, a interação familiar é um direito básico das crianças, sugerindo que, enquanto o genitor confinado estiver ausente, sua família poderia aproveitar momentos com os filhos, caso isso fosse previamente combinado com a família extensora ou decidido por meio de uma ordem judicial posterior.

RENATA JOYCE THEODORO

















-Advogada graduada em Direito pela Unicsul (2006);

 -Contabilista graduada pela Fecap (2016)

-Mestrado em Ciências Contábeis pela Fecap (2014); 

-Pós-graduada em Direito Tributário pela EPD (2018);

-Consultora tributária há 19 anos na área consultiva tributária de impostos diretos e

-Instrutora de cursos na área tributária.

Nota do Editor:

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