terça-feira, 14 de março de 2017

Rescisão Unilateral de Contratos de Planos de Saúde



         Com a edição do Código de Defesa do Consumidor – CDC, o direito brasileiro adotou o princípio da vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, I, CDC). Nesse sentido, nos termos do art. 2º do CDC, “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.

De fato, não há outra forma de encarar atualmente as relações entre consumidor e fornecedor sem se atentar para o fato de que o consumidor é a parte mais fraca das relações de consumo. É, dito de outro modo, a parte que se apresenta frágil e impotente diante do poder econômico, técnico e até mesmo político do fornecedor.

O contratante de plano de saúde enquadra-se perfeitamente no conceito de consumidor e, inclusive, a Súmula 469 do Superior Tribunal de Justiça – STJ prevê expressamente que o CDC é aplicável a contratos de planos de saúde. Assim, a operadora e administradora de planos de saúde devem responder de forma objetiva pelos danos causados aos consumidores, independentemente de culpa, conforme o art. 34 do CDC.

Ultrapassadas as considerações introdutórias acima, quanto à aplicação do CDC aos contratos de plano de saúde, passa-se à análise dos requisitos para uma possível e legal rescisão unilateral, por parte do plano de saúde.

O Art. 13, parágrafo único, inciso II da Lei nº 9.656/98 prevê que é vedada a rescisão unilateral do contrato de plano de saúde, in verbis:

Art. 1º Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade, adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
I - Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
[...] (Grifou-se)

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Art. 13. Os contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei têm renovação automática a partir do vencimento do prazo inicial de vigência, não cabendo a cobrança de taxas ou qualquer outro valor no ato da renovação. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
Parágrafo único. Os produtos de que trata o caput, contratados individualmente, terão vigência mínima de um ano, sendo vedadas: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
I - a recontagem de carências; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
II - a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude ou não-pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o quinquagésimo dia de inadimplência; e (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
III - a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, em qualquer hipótese, durante a ocorrência de internação do titular.  (Incluído pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001) (Grifou-se)

A Resolução nº 195/09 da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS – dispõe sobre a classificação e características dos planos privados de assistência à saúde, regulamenta a sua contratação, institui a orientação para contratação de planos privados de assistência à saúde e dá outras providências – em seu art. 17 prevê que deve constar do contrato celebrado entre as partes as condições de rescisão do contrato.

Além disto, deve constar do contrato cláusula expressa quanto à vigência do plano de saúde, devendo ser observada a vigência mínima de um ano, podendo ser renovado por períodos iguais e sucessivos, nos exatos termos do art. 13, parágrafo único da Lei 9.656/98.

Neste sentido, o parágrafo único do art. 17 da Resolução nº 195/09 da ANS ainda dita que os contratos “somente poderão ser rescindidos imotivadamente após a vigência do período de doze meses e mediante prévia notificação da outra parte com antecedência mínima de sessenta dias”.

Além da necessidade de notificação prévia, a Resolução do Conselho de Saúde Suplementar nº 19/1999 da ANS, em seu Art. 1º, prevê que no caso de rescisão do plano coletivo de saúde, a operadora deve disponibilizar plano de saúde individual ou familiar sem necessidade de cumprimento de novos períodos de carência.

Por outro lado, o art. 13, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 9.656/98, prevê que, inclusive no caso de não-pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato, é vedada a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato se o consumidor não for notificado até o quinquagésimo dia de inadimplência.

As disposições legais acima elencadas evidenciam que a intenção da lei é garantir ao consumidor a continuidade dos serviços de assistência à saúde, sem interrupções, mesmo diante da denúncia unilateral da operadora do plano de saúde.

Sendo assim, na hipótese de descumprimento das mencionadas previsões, a manutenção da vigência do plano de saúde contratado pelo consumidor, até o remanejamento para plano de saúde na modalidade individual, nos mesmos moldes do contrato anterior (preço e benefícios compatíveis), independente de período de carência, é medida que se impõe.

       Salienta-se que o Superior Tribunal de Justiça, em seu Informativo 578 (3ª Turma), determina que, em casos de migração de plano de saúde coletivo, a carência deve ser mantida; os valores compatíveis com o do mercado de consumo; não deve haver onerosidade excessiva aos clientes e os prazos de vigência devem ser respeitados.

Por derradeiro, a título de exemplo de casos concretos relativo às disposições acima, seguem decisões de tutela de urgência deferidas em processos de patrocínio da Dra. Flavia Santos, in verbis:

PROCESSO Nº 2016.14.1.002094-9 – Vara Cível da Circunscrição Judiciária do Guará/DF:

[...]
Cuida-se de tutela jurisdicional antecipada ajuizada por [...] tendente a compelir a assistência médica promovida pela prestadora de assistência médica ALLCARE ADMINISTRADORA DE BENEFÍCIOS EM SAÚDE LTDA., UNIMED SEGUROS SAÚDE S.A. e AMIL ASSISTÊNCIA MEDICA INTERNACIONAL S.A a (1) determinar a manutenção da vigência do contrato pactuado entre os autores e o 1° e 2° requeridos, para fim de cobertura de trabalho de parto da 2° autora (previsto para a semana de 23 de maio de 2016- com risco de parto prematuro); (2) alternativamente a determinação da imediata cobertura do trabalho de parto da 2° autora, mesmo na vigência do prazo de carência, pela 3° ré; (3) afirmam os autores que o 1° e 2° réus rescindiram unilateralmente o contrato de saúde celebrado, sendo obrigados os requerentes a contratar novo plano com a 3° requerida, contudo com carência para trabalho de parto a termo de 300 (trezentos dias), que ultrapassa a data prevista para o parto da 2° autora, o qual está previsto para o dia 23/05/2016. Assim, requereu fosse a ré condenada a prestar o custeio integral e imediato de todo o procedimento médico pertinente recomendado ao parto da 2° autora. Pleiteou, ainda, a antecipação da tutela nesse sentido.
[...]
Compulsando os autos verifico que a petição atende às parcas exigências do artigo 303 do NCPC, com a indicação do pedido de tutela final, a exposição da lide e do direito que se busca realizar.
Quanto aos requisitos, entendo que os fundamentos apresentados pela parte são relevantes e amparados em prova idônea, permitindo-se chegar a uma alta probabilidade de veracidade dos fatos narrados, eis que a autora apresentou documentos que comprovam o alegado.
Já o provável perigo em face do dano ao possível direito pedido ocorre quando não se pode aguardar a demora normal do desenvolvimento da marcha processual. No caso em apreço o quesito está presente diante da data prevista para o parto da 2° autora, bem como da possibilidade de parto prematuro (laudo médico de fls. 67).
Em caso de rescisão unilateral de contrato de plano de saúde de natureza coletiva, deverá ser assegurado aos beneficiários o direito à migração para plano ou seguro de assistência à saúde na modalidade individual ou familiar mantido pela mesma operadora, sem necessidade de cumprimento de novos prazos de carência, devendo essa regulação ser interpretada em conformidade com sua destinação e com os princípios informativos que permeiam as relações de consumo.
[...]
Além disso, o plano ou seguro de assistência à saúde não poderá fugir da responsabilidade mínima estipulada no § 2º do artigo 12, quanto à obrigação de garantir o tratamento de emergência para afastar risco imediato à vida do usuário. Diz o § 2º: É obrigatória cobertura do atendimento nos casos: I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente.
Ainda que a modalidade ou técnica do procedimento recomendado estivesse excluído do rol aprovado pela ANS não isentaria a Ré da responsabilidade contratual e legal de assegurar o custeio dos procedimentos necessários à preservação da vida, órgãos e funções em se tratando de comprovado risco iminente à saúde da paciente. 
Firmado em tais razões, convenço-me da necessidade da antecipação da tutela para obrigar a requerida a prestar o pronto atendimento médico acatando a utilização da técnica e procedimentos recomendados pelo médico assistente.
Diante da razoabilidade do direito alegado pelo autor, reconheço a conveniência de antecipar a tutela em face do que dispõe o artigo 300 do CPC/2015, para assegurar a manutenção do contrato perante a 1° e a 2° ré, e a imediata cobertura do trabalho de parto da 2° autora perante todas as requeridas.
Por todo o exposto, concedo os efeitos da tutela antecipada, para obrigar: (1) determinar a manutenção da vigência do contrato pactuado entre os autores e o 1° e 2° requeridos, para fim de cobertura de trabalho de parto da 2° autora (previsto para a semana de 23 de maio de 2016- com risco de parto prematuro); (2) cumulativamente a determinação da imediata cobertura do trabalho de parto da 2° autora, mesmo na vigência do prazo de carência, pela 3° ré, sob pena da aplicação da multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais), até o limite de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), dentro do prazo de 24 (vinte e quatro) horas corridas, a contar da efetiva intimação.

[...]
Guará - DF, segunda-feira, 25/04/2016 às 17h59. (Grifou-se)
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 PROCESSO Nº 2017.03.1.000679-0 – 3ª Vara Cível da Circunscrição Judiciária de Ceilândia/DF:
[...]
Trata-se de ação com pedido de obrigação de fazer, cumulada com tutela antecipada, ajuizada por [...] em face de ALL CARE ADMINISTRADORA DE BENEFÍCIOS S.A. e CENTRAL NACIONAL UNIMED - COOPERATIVA CENTRAL. 

A autora alega que contratou plano de saúde com as requeridas em 09/03/2016.

Em 28/10/2016, ao tentar realizar uma consulta, foi informada de que sua carteira se encontrava vencida.

Ao entrar em contato com as requeridas, essas informaram que o plano havia sido rescindido.
Afirma a autora que não houve qualquer comunicação acerca da rescisão do plano. 

Sustenta também que seu cartão foi emitido com início da vigência em 15/04/2016 e validade apenas até 14/09/2016, o que seria um equívoco, pois tal período de vigência de apenas 5 meses, além de não ter sido contratado pela autora, seria insuficiente, inclusive, para cumprimento da carência exigida para cirurgia bariátrica.

O cumprimento de referida carência se deu em 12/10/2016 e, 16 dias depois, em 28/10/2016, houve a rescisão injustificada do contrato. 

Pede antecipação de tutela para manutenção do plano de saúde contratado e, alternativamente, migre a autora para plano similar, com valor de mensalidade idêntico.

Caso não seja concedida tutela de urgência, que, após a resposta das rés, seja reavaliado o pedido, a título de tutela da evidência, nos termos do art. 311, IV, do CPC.
Foram apresentadas emendas às fls. 122/150 e 154/158.
Decido. 
Verifica-se que o plano contratado pela parte autora consiste em plano de saúde coletivo.

Tais planos são regidos pela Resolução ANS 195/2009.

Referida resolução, em seu art. 17, parágrafo único, dispõe nos seguintes termos:

Art. 17(...)Parágrafo único. Os contratos de planos privados de assistência à saúde coletivos por adesão ou empresarial somente poderão ser rescindidos imotivadamente após a vigência do período de doze meses e mediante prévia notificação da outra parte com antecedência mínima de sessenta dias.

Para rescisão imotivada, portanto, é necessário que plano tenha tido vigência por, pelo menos, 12 meses, bem como é necessária prévia notificação da parte contratante. 
O documento de fl. 51 demonstra que o plano foi contratado em 09/03/2016. 
Embora a autora alegue que não foi notificada acerca da rescisão, tal fato é indiferente para solucionar a questão, uma vez que o prazo de 12 meses, de qualquer forma, não foi respeitado. 

Por outro lado, também não se poderia falar em rescisão devido a inadimplência, pois os documentos de fls. 54/60 demonstram a regularidade dos pagamentos. 

Assim, entendo estarem presentes elementos que evidenciam a probabilidade do direito. 

Quanto ao perigo de dano, entendo estar presente uma vez que a autora se encontra em tratamento, prestes a realizar cirurgia bariátrica, não sendo possível aguardar o desenvolvimento da marcha processual. 

Por fim, em atenção ao § 3º do artigo 300 do NCPC, o pressuposto do perigo de irreversibilidade pode ser excepcionado quando houve "irreversibilidade recíproca", devendo o juiz tutelar o mais relevante.

[...]

Nesse caso, portanto, entendo ser mais importante tutelar o direito à vida e à saúde da parte autora. 

Ademais, conforme o art. 296, a tutela provisória pode, a qualquer tempo, ser revogada ou modificada.

Diante do exposto, DEFIRO O PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE, para que as requeridas restabeleçam, no prazo de 05 (cinco) dias, o plano de saúde da parte autora. Na impossibilidade de restabelecimento do plano, deverá ser colocado à disposição da parte autora plano similar, com a mesma cobertura, pelo mesmo preço que tem sido pago pela autora.

Para tanto, deverá continuar fornecendo os boletos para pagamento, mantidas as datas de vencimento, bem como os valores.
Também deverá informar a parte autora acerca da disponibilização do plano. 
[...]

Ceilândia - DF, quarta-feira, 23/02/2017 às 17h19. (Grifou-se)

Por fim, esclarece-se que o presente artigo não exauriu todas as hipóteses de possibilidade de rescisão contratual, sendo certo que há outras disposições legais sobre o tema.

POR FLÁVIA MARTINS DOS SANTOS











-Advogada, especialista nas áreas cível, administrativo e trabalhista;
-Graduada pela Universidade Católica de Brasília – término em dezembro/2013;
 -Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Atame – DF (dezembro/2016);
-Atuação em Juizados Especiais Cíveis e Tribunais Regionais e Superiores. Consultoria e assessoria jurídica e
-Sócia-proprietária do escritório Santos & Advogados Associados há 3 anos.
 Contato:
 (61) 98488-5984

Nota do Editor:
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Um comentário:

  1. Planos de saúde no Brasil sofrem com a falta de longevidade nas clausulas contratuais devido à interferência daninha dos governantes.
    Fugindo da questão uma pergunta:
    Podemos usar o código de defesa do consumidor contra nossos políticos?

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