segunda-feira, 24 de julho de 2017

Um Amor de Menino


Sentado à porta, o menino observa a rua. Não gosta de brincar como os outros, preferindo sempre ficar a observá-los. Às vezes, põe-se a imaginar que aqueles meninos que brincam no meio da rua são suas marionetes, bonecos bastante realistas que ele controla com o poder da mente. E a verdade é que, às vezes, controla-os realmente. Acha-se meio sensitivo por isso e, muitas vezes, bate uma terrível culpa por desejar que algo de mau lhes aconteça. Um dia, quando estava com raiva de tudo e de todos, desejou que um carro atropelasse um daqueles meninos. Que não o matasse, mas deixasse sequelas. Quando desistiu da ideia, já era tarde. É verdade que o menino não morrera, mas, ficou meio torto de uma perna, e isso o deixava angustiado.

Por um tempo, evitara sentar-se à porta novamente. Quando a mãe lhe dissera que tudo aquilo eram invencionices da sua cabeça e que o menino havia sido atropelado pelas forças do acaso, resolvera que era hora de voltar. De início, evitara pensar qualquer coisa. Olhava os meninos brincando de bola, Pique- esconde, Porta-bandeira, Caiu no poço e tantas outras brincadeiras que havia muito ele não brincava. Sempre fora um menino estranho, gostava de ler, escrever, assistir televisão. Na escola, sempre ficava com notas vermelhas em Educação Física e, na rua, evitava qualquer corridinha até a esquina. 

Nenhum daqueles meninos vinha lhe falar. Era como se ele não estivesse ali. Apenas brincavam, correndo, gritando, sorrindo. Ele não sentia falta, pois sabia que um "oi" ou mesmo um aceno de um daqueles não lhe acrescentaria em nada. Satisfazia-se em ficar assentado ao seu canto, observando aquelas brincadeiras, sem pensar em nada mesmo, com medo de se sentir culpado novamente.

Tudo ia bem, até que um dia alguém veio lhe falar. E era uma menina. Primeiro viera a bola e aquietara-se bem juntos dos seus pés. Depois ela viera. Pegara a bola e lhe dera um sorriso. Tímido e célere, mas, um sorriso. A bola voltou a rolar novamente e, junto das outras crianças, a menina continuava a correr, agora sem olhar para ele, sem lhe dar um novo sorriso.

Todos os dias, dali em diante, o menino assentava-se à porta com um sorriso nos olhos. A menina continuava correndo junto dos outros meninos. Ela não lhe dirigia mais qualquer olhar ou palavra, mas, o simples fato de vê-la diariamente já lhe era suficiente. Sentia-se feliz e, ainda não tinha convicção, mas, também estava apaixonado. Fazia tempo que não desejava nada a quem quer fosse; mas, agora, tinha um desejo para si.

Sempre que via a menina seus olhos brilhavam, seu peito pulsava forte e um calor intenso subia-lhe pela barriga. E esse sentimento era bom, embora trouxesse consigo sempre uma pontinha de desilusão. Seus pais eram separados e sempre os via brigando. Não queria um amor para lhe trazer qualquer sofrimento, assim como não queria fazê-la sofrer um dia. O melhor era que não mais a visse. Desejou profundamente que ele nunca tivesse existido, que morresse, que fugisse das suas lembranças.

E todos os dias o menino continua sentando-se à porta da sua casa. Ainda olha as crianças que brincam na rua, mas já não tem mais o brilho nos olhos, nem sente as coisas boas que sentia em outros tempos. Sempre tem a impressão de que anda se esquecendo de alguma coisa e, embora tente se lembrar com veemência, nunca saberá do que se esqueceu.

POR ELISMAR SANTOS











-Professor de Língua Portuguesa;Poeta, Escritor e Locutor;
-Mora em São João da Lagoa, Norte de Minas Gerais; e
-Possui quatro livros publicados: Sanharó (Romance), Mutação (Poesia), A Pá Lavra (Poesia e O Poeta e Suas Lavras (Poesia). Seus textos podem ser lidos também em www.elismarsantoss.blogspot.com
Nota do Editor:


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