A Raiva é, antes de mais nada, um sentimento. É caracterizada pela desconfortável intensidade, que resulta da percepção de alguma provocação, seja ela uma ofensa, um desacordo, mau tratamento, rejeição, agressão, frustração ou desmerecimento por parte de alguém ou entidade. Para a Psicologia, a partir da Terapia Racional Emotiva, abordagem psicológica oriunda das Teorias Psicológicas Comportamentais Cognitivas, a fundamentação cognitiva da raiva está na noção de desrespeito e injustiça que o indivíduo possui de determinada situação.
Ora, não é raro, em uma conversa informal, o relato divergente acerca de percepções diferentes acerca dos eventos todos. Mas existe uma explicação técnica para tal. Frente a uma situação, cada indivíduo terá um percepção única, pautada em sua experiência de vida, conceitos, valores, pontos de vista etc. Portanto a percepção do quão injusta ou desrespeitosa uma situação ou um comportamento varia de indivíduo para indivíduo.
Segundo Spielberger e Biaggio (1992), a raiva é o estado emocional que abrange sentimentos que variam desde aborrecimento leve até fúria e cólera intensas, acompanhados por estimulação do sistema nervoso autônomo. Ela ocorre quando uma pessoa se sente ameaçada em seu poder, injustiçada, acuada ou frustrada em algo que lhe seja importante. Nesse sentido, a raiva tem a função de proteção.
A raiva tem sido muito estudada nos últimos tempos principalmente por acarretar grandes problemas no campo social, além do impacto que tem na saúde. No campo social a raiva aparece muito associada a relacionamentos conturbados, violência na família, altos índices de divórcio e perda de emprego.
O psicólogo Thomas Harbin, estudioso nos assuntos da raiva, define em QUATRO principais tipos de pessoas raivosas, e conhecê-los é importante para aplicar o tratamento eficaz. São eles:
1. SUPORTA TUDO
2. RECLAMADOR
3. DEBATEDOR
4. AGRESSOR
As nomenclaturas utilizadas por Harbin são muito explicativas, mas me disponho aqui para levantar os desdobramentos psicossociais de cada tipo conceituado por ele.
1. SUPORTA TUDO: trata-se de um indivíduo, na maioria das vezes, bem aceito e inserido na sociedade em que se aloja. Costuma não apresentar suas dúvidas, queixas ou até constatações. Teme desagradar ao próximo e valoriza a inserção social. Não costuma ficar confortável com a crítica alheia. O maior risco para este tipo é a explosão. Não é incomum a explosão de raiva social neste tipo: o individuo sente-se deveras injustiçado em seu dia-a-dia e, num determinado momento explode de raiva com comportamentos nem sempre adequados à situação vivenciada.
2. RECLAMADOR: este indivíduo nem sempre é bem visto socialmente e é comum o isolamento social. Por receio de ser injustiçado, aponta, em alguns casos, corriqueiramente suas constatações, queixas e dúvidas, deixando seus interlocutores cansados, ou até raivosos. Queixa-se com frequência.
3. DEBATEDOR: caracterizado pelos questionamentos e discursos hostis, este tipo não é socialmente bem visto. Costuma inserir-se socialmente e mantém tal inserção pautada em provas de razão acerca dos assuntos da pauta social. Seus interlocutores costumam relatar que este tipo de individuo preza por encerrar as conversas com suas frases, muitas vezes de efeito. No entanto, nem sempre conseguem se fazer entender. Temem ser injustiçados e reagem a esta possibilidade com tamanha intensidade que muitas vezes não conseguem se expor. Costumam agredir verbalmente, apelam para palavras de baixo calão, alteram o tom de voz, hostilizam seus interlocutores que, cansados e agredidos, muitas vezes abandonam a conversa.
4. AGRESSOR: este é tipo mais clássico, mas nem sempre o mais comum. Apresenta dificuldades para expor suas ideias verbalmente, costuma recorrer a apelações verbais, alteração no tom da voz, xingamentos, e até mesmo a demonstração física da agressão.
Muitos estudos apontam que a raiva costuma seguir um fluxo previsível. Para exemplificar, segue abaixo a descrição dos estudos de Lipp (2005):
1) Ocorrência de um evento desencadeador, real ou imaginário.
2) Interpretação: a pessoa avalia negativamente a situação como ameaçadora.
3) Stress: manifestações físicas e psicológicas ocorrem.
4) Um comportamento de manifestação de raiva ocorre.
5) Reavaliação do que está ocorrendo sob a ótica do forte sentimento de raiva.
6) Escalonamento da raiva.
Abaixo está uma descrição esquemática do ciclo que representa a raiva, e o que se destaca é a necessidade de interrompê-lo a fim de gerenciar a raiva. Vale destacar aqui que, a ideia não é suprimir a raiva. A raiva é importantíssima, pois impulsiona o individuo a colocar os seus limites, bem como a defendê-los, defendendo, desta maneira, também os seus direitos. A proposta que se faz é adequar a percepção e a expressão da raiva.
Muitos treinos de manuseio e controle da raiva foram desenvolvidos na busca de interromper o ciclo vicioso da raiva. Porém, existe algo bastante comum na maioria deles: além das conceituações teóricas da psicologia, o emprego dos conceitos e técnicas de midfulness (atenção plena). A explicação mais plausível é de que, como era necessário trabalhar a percepção e a reação de raiva, possibilitar estado mental e emocional mais equilibrado e menos suscetível ao stress era imprescindível. Sendo assim, formou-se a dupla: terapia e mindfulness. A terapia garantiria a mudança comportamental e as adequações conceitual e perceptual, enquanto as técnicas de mindfulness trabalhavam para adequar as questões orgânicas da percepção atuantes no fluxo da raiva.
Além disto, existe algo que não se pode desconsiderar quando se pensa adequar a raiva. A resposta de raiva é uma ação neuroendócrina “luta-fuga”. É uma reação orgânica originada no complexo dorsomedial-amidalar. Os impulsos neurais passam pela região posterior ao hipotálamo e continuam pela corda espinhal enervando a glândula adrenal e a medula. Ativam a amígdala com uma mensagem de perigo e essa glândula libera no sangue o hormônio adrenocorticotrópico que aumenta a atividade adrenérgica do organismo. Logo, o trabalho de mindfulness, uma vez que favorece a regulação e o equilíbrio orgânico e mentalmente do stress, faz-se muito importante para o gerenciamento da raiva.
Entende-se por mindfulness, o conjunto de técnicas bastante simples, que nos ajudam a encontrar o equilíbrio físico, mental e emocional. Para atingir este estado, utiliza-se principalmente de técnicas de meditação (Mindfulness), e o indivíduo deve se concentrar, durante um período de tempo, em determinada coisa, como um objeto ou nas próprias reações de seu corpo: a respiração ou os batimentos cardíacos, por exemplo. Neste exercício de meditação, a concentração deve ser de modo pleno, aberto e sem qualquer julgamento sobre o objeto ou sensação observado. A ideia é apenas “viver o momento presente” daquela situação ou coisa.
A meditação mindfulness tem origem a partir das práticas meditativas orientais, principalmente entre os budistas. No entanto, esta técnica passou a ser objeto de estudo da medicina e psicologia comportamental, como parte de uma série de programas para a redução do estresse.
Goleman (1996), psicólogo e pesquisador de Harvard, realizou uma pesquisa sobre os métodos meditativos orientais. Ele afirma que uma proposta como mindfulness, a qual tem sua origem em práticas exóticas ao Ocidente, tais como meditação e budismo, exige certa dose de esforço para ser compreendida em sua essência e causa estranheza em alguns contextos científicos, visto que vivemos numa cultura que se agarra à visão científica do mundo.
Abaixo, uma descrição de Goleman (1996, p.26) sobre mindfulness a partir de uma citação:
"um estado de atenção com foco no momento presente, no qual a pessoa pode tomar consciência dos seus pensamentos, sensações físicas, emoções ou eventos quando estes ocorrem, sem reagir da forma automática ou habitual. Esta abordagem permite-lhe escolher como responder ao que vai acontecendo e consequentemente ter uma vida mais rica e plena, mesmo quando vivenciando circunstâncias difíceis. (BAER, A. R, 2003)"
A partir das técnicas de Mindfulness, o indivíduo, quando da raiva, ele entrará em estado de atenção plena daquilo que fundamenta sua raiva, das sensações que ela gera, e das possibilidades de comportamento mais adequados ou não.
Como bem ressaltou Baer (2003), a prática de mindfulness pode levar a mudanças nos padrões de pensamento ou nas atitudes em relação aos próprios pensamentos, uma vez que a observação sistemática, sem julgar, de pensamentos e emoções pode levar à compreensão de que eles nem sempre refletem a realidade. A percepção e a motivação cognitiva de raiva é além de reestruturada pela terapia, anestesiada através do mindfulness para ser melhor elaborada, possibilitando, assim, a mudança comportamental.
A proposta, meu caro leitor, é para cuidar daquilo que ameaça sua noção de justiça e respeito, oferecendo exatamente justiça e respeito à você, à sua percepção, e à sociedade em que você está inserido. Trabalhar no gerenciamento da raiva, dentro desta perspectiva, é um enfrentamento racional e emotivo para a adequação do comportamento.
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POR ANA CAROLINA DE QUEIROZ CABRAL
- Psicóloga formada pela UNIMEP;
- Mestre em psicologia pela PUCCAMP leciona tanto na graduação como na pós graduação desde 2007 ;
- Estudiosa da terapia racional emotiva (REBT);
- Foco de trabalho junto aos alunos e pacientes: funcionamento psíquico do ser humano;
- Foco de estudo:
- A relação mãe e filho e os seus desdobramentos psíquicos, especialmente no que tange ao stress e ao sentimento de raiva;
- Trajetória profissional :
- Por 6 anos na psicologia das organizações, e mais especificamente, na área de recursos humanos aonde trabalhou nas adaptações do homem no que tange as relações laborais;
- Após esses anos migrou para a área clínica e mantém –se nesta até hoje;
- Professora e supervisora de Terapia Comportamental Cognitiva;
- Atuou por 5 anos como psicóloga hospitalar em uma unidade básica de saúde no município de Campinas e nesta atuação, acolhia as demandas daquela específica população junto ao grupo de profissionais ali também atuantes, realizando, além da psicoterapia individual, muitos projetos e atividades de terapia grupal: grupos de gestantes, para controle do tabagismo, para adolescentes em situação de risco, de crianças e de aconselhamento familiar, além de atuar na contenção de crises; e
- Atualmente atua no atendimento individual e em grupo de seus pacientes há mais de 13 anos, independente das mais variadas demandas, seguindo como base teórica a Teoria Racional Emotiva de Albert Ellis.
Nota do Editor:
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Caríssima, dá até RAIVA de ver um texto como esse e saber que no Brasil onde se clama por educação e não o saber as pessoas odeiem a leitura. Em muitos momentos me pego a pensar de onde vem a RAIVA, o desconforto que as mazelas de nossa vida cotidiana nos trazem.
ResponderExcluirHoje entendi a falta "MINDFULNESS" (atenção plena) que tem nos irradiado um sentimento raivoso que em termos de sociedade está levando muitas pessoas a extravasarem suas RAIVAS nas propriedade público ou privadas ou até mesmo nas pessoas. Esta falta de atenção tem nos deixado sermos manipulados e enraivecidos por coisas INÚTEIS.
Temos esse conceito explicito na forma de TORCEDORES E ELEITORES. Vide os acontecimentos no Rio após eliminação de um time e nas REDES SOCIAIS quando DETERMINADOS ELEITORES VEEM SEUS CANDIDATOS SEREM CONTRARIADOS...