Autor:André de Jesus Silva e Silva (*)
O fenômeno da constitucionalização do Direito Civil consiste não apenas na realocação de normas e institutos basilares do direito civil, especialmente, o contrato, a família e a propriedade para o âmbito da Constituição (SARTI, 2003). Vai muito além dessa concepção, é também a necessidade de que todo o conjunto de normas civis e legislação extravagantes recebam uma releitura sob a ótica constitucional, em razão de ser ela o pilar central de todo o ordenamento jurídico brasileiro.
Destaca-se, nesse contexto, a relevância da Constituição Federal, com suas garantias fundamentais. Nela está definido o modus exercendi e os limites do poder público. Esta é tomada como base para o restante do ordenamento jurídico, ou seja, do conjugado de leis que regem a sociedade.
A autonomia da vontade e a propriedade deixaram de ser o epicentro das relações jurídicas privadas, em seu lugar tomou a dignidade humana, a promoção do ser humano. Nasceram o Código do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente, as leis sobre união estável.
A jurisprudência e a doutrina (aquela menos, esta mais) deram início à tarefa da interpretação constitucional do Código Civil, adaptando-o ao novo período histórico. Falava-se em Constitucionalização do Direito Civil. Foi exatamente nesse instante de adaptação que veio a lume o Código Civil de 2002, com os pés calcados no Estado Social, apesar de seus inúmeros avanços. Diz-se, com um certo exagero talvez, ser mais patrimonialista que o de 1916 (MATTIETTO, 2002).
De acordo com Tepedino (2003), a constitucionalização do direito civil pode ser compreendia como uma modificação intensa na ordem pública, desde a transitoriedade dos valores que perpassam o direito civil, no plano em que a pessoa humana passa a ser tratada como prioridade absoluta.
Ainda, segundo Lôbo (1991), tal fenômeno pode ser definido como um processo de elevação dos princípios fundamentais de direito civil à orbita constitucional, que condicionam a observância pela sociedade e a aplicação pelos tribunais, do regramento infraconstitucional.
O movimento da Constitucionalização há muito tempo é fomentado pela doutrina de outros países, objetivando unificar o sistema jurídico com uma interpretação do Código Civil sob à visão da Magna Carta.
O fenômeno da Constitucionalização trouxe três grandes conquistas de suma importância para o Direito Brasileiro. Inicialmente houve a descoberta do significado histórico dos conceitos jurídicos que antigamente eram considerados como absolutos e neutros.
Com o advento dos novos institutos jurídicos, em razão, sobretudo, do dirigismo contratual, abordando situações inéditas na sociedade como a questão do direito bancário, a biotecnologia, entre outros, resta impossível a definição do que vem a ser verdadeiramente fato privado ou fato público, uma vez que estão interligados (TEPEDINO, 2003).
Outra consequência trazida pela Constitucionalização do Direito Civil é a implementação na Constituição de institutos de Direito Civil, o que proporciona maior proteção aos mesmos no que se refere ao legislador infraconstitucional (GEHLEN, 2002).
A última conquista diz respeito a adoção de valores que norteiam a família, a propriedade, a iniciativa econômica e demais preceitos instituídos pelo direito civil.
Nos ensinamentos de Fiuza (2016, p.61) o autor assevera a importância dos valores constitucionais:
"Vive-se hoje, no Brasil, os alvores do Estado Democrático de Direito. Este é o momento da conscientização desse novo paradigma. Só agora assumem a devida importância os princípios e os valores constitucionais, por que se deve pautar todo o sistema jurídico. Constitucionalização ou publicização do Direito Civil entram na temática do dia. O Código Civil não seria mais o centro do ordenamento civil. Seu lugar ocupa a Constituição, seus princípios e valores. Diz-se que os pilares de sustentação do Direito Civil, família, propriedade e autonomia da vontade, deixaram de sê-lo. O único pilar que sustenta toda a estrutura é o ser humano, a dignidade da pessoa, sua promoção espiritual, social e econômica. Esse pilar está, por sua vez, enraizado na Constituição. Tudo isso, não há dúvidas, dá o que pensar."
Feitas essas considerações, é imperioso destacar a necessidade de o operador de direito observar a hermenêutica, de maneira que ela acorra com a aplicação de preceitos constitucionais. A interpretação complexa das normas jurídicas deve, obrigatoriamente, ser moldada conforme o modelo de Estado Democrático, porém, jamais a aplicando de forma mecânica (CARVALHO NETO, 2004).
Considerando a Constitucionalização do Direito Civil, indubitavelmente, o legislador não deve levar em consideração os princípios constitucionais, tão somente como princípios políticos. Deve ser somado a isso a impropriedade ao se avaliar tais princípios como princípios gerais do direito. O legislador deve preferir as denominadas cláusulas gerais, em outras palavras, as normas jurídicas aplicáveis imediatamente e de forma direta nos casos concretos, não consistindo estas, apenas em cláusulas de intenções (TEPEDINO, 2004).
Ademais, consoante Bittar (2003) o emprego da hermenêutica em relação ao Direito Civil, conforme o espírito da Magna Carta, excluirá os resquícios legais de característica individualista, atingindo-se, dessa forma, o alcance da normatividade específica do Estado Democrático de Direito.
REFERÊNCIAS
BITTAR, Carlos Alberto; BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Direito Civil Constitucional. 3. ed. rev. e atual. da 2. edição da obra O direito civil na Constituição de 1988. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2003. p. 17-30;
CARVALHO NETO. Menelick de. A hermenêutica constitucional sob o Paradigma do Estado Democrático de Direito. In: OLIVEIRA. Marcelo Cattoni de.(coordenação) Jurisdição e Hermenêutica constitucional no Estado Democrático de Direito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004. p.44;
FIUZA, César. Direito Civil: Curso Completo. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p.49-61;
LÔBO, Paulo Luiz Neto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 24;
MATTIETTO, Leonardo. O papel da vontade nas situações jurídicas patrimoniais: o negócio jurídico e o novo Código Civil. In: TEPEDINO, Gustavo et al. (orgs.).Diálogos sobre direito civil – Construindo a racionalidade contemporânea. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 24;
TEPEDINO Gustavo A Constitucionalização do Direito Civil: Perspectivas Metodológicas interpretativas diante do novo código. In: FREIRE DE SÁ, Maria de Fátima; FIÚZA, César; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Direito Civil: Atualidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 110-130;
VON GEHLEN Guilherme Menna Barreto. O chamado Direito Civil Constitucional. In: MARTINS-COSTA. Judith. (Org.) A reconstrução do direito privado: reflexos dos princípios, diretrizes e direitos fundamentais constitucionais no direito privado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p.174-186; e
TEPEDINO Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.01 a 23.
*ANDRÉ DE JESUS SILVA E SILVA
- Advogado com especialização em Direito Público e Direito Eleitoral pela Escola Judiciária Eleitoral do TRE da Bahia;
-Mestrado em Gestão da Educação pela Universidade Vale do Rio Doce de Três Corações (Unincor)
-Doutorado em Direito Constitucional pela Universidade de Buenos Aires:
-MBA em Gestão Pública e Planejamento Estratégico pela Escola Superior de Guerra:
-Professor da Faculdade de Tecnologia e Ciências em Direito Administrativo;Constitucional e da Seguridade ;
-Palestrante
-Autor de livos e obras Jurídica; e
-Escreve para revistas e sites especializados.
-Mestrado em Gestão da Educação pela Universidade Vale do Rio Doce de Três Corações (Unincor)
-Doutorado em Direito Constitucional pela Universidade de Buenos Aires:
-MBA em Gestão Pública e Planejamento Estratégico pela Escola Superior de Guerra:
-Professor da Faculdade de Tecnologia e Ciências em Direito Administrativo;Constitucional e da Seguridade ;
-Palestrante
-Autor de livos e obras Jurídica; e
-Escreve para revistas e sites especializados.
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