Autora: Beatriz Mastrange(*)
A era da industrialização prometeu atrair a migração de pessoas em busca de empregos
e melhores condições de vida. É inegável que esse fato colaborou para a verticalização
das cidades de modo irregular.
A construção de "puxadinhos", ou melhor, de lajes é comum em áreas de comunidades
e subúrbio. As famílias se perpetuam em terrenos, que anos antes abrigavam apenas
uma casa simples composta por um pavimento.
Nesse sentido, ao apontar o fenômeno da verticalização se entende que não se trata de
um condomínio edilício, mas sim de construções compostas por acessos independentes,
bem como água, esgoto e luz individualizados para cada residente.
Desse modo, sob um ponto de vista particular, o "puxadinho" é uma característica
cultural suburbana que ganhou força na voz do povo e foi aceita goela abaixo pelo
Estado, uma vez que esse tem o poder para a regularização urbana e cobrança de
impostos.
Sendo assim, o Direito Real de Laje foi reconhecido pela Medida Provisória 759/2016 e,
posteriormente, inserido pela Lei 13.465/2017 no Código Civil. O legislativo foi forçado
a reconhecer essa forte cultura suburbana em uma tentativa de cumprir o disposto no
Art. 6º, caput da Constituição Federal, que estabelece que o ser humano tem direito a
moradia.
No que pese a edição não mais recente do dispositivo que versa sobre o Direito Real de
Laje, a prática ainda se traduz em passos lentos para reconhecimento e declaração desse
direito de propriedade.
O povo de nacionalidade brasileira possui um costume passado de geração em geração
de construir patrimônio para que se perpetuem a filhos e netos. Assim, cada vez mais
tem sido uma realidade a regularização dessas construções junto ao Ofício de Registro
de Imóveis, afinal, a máxima é "só é dono quem registra".
Diante disso, o procedimento para regularização da laje se performa com a averbação
da construção sobreposta ou sotoposta na matrícula do imóvel principal e, após, com a
abertura de nova matrícula e remissão da construção-base, consoante dispõe o Art. 176,
§9º da Lei de Registros Públicos.
Por conseguinte, a lei é clara ao afirmar que a laje somente poderá ser reconhecida se a
construção principal estiver devidamente regular junto ao Cartório de Registro de
Imóveis competente.
Desse modo, se considerar que esses imóveis estão localizados em áreas em que a renda
é baixa, a informação acerca da segurança jurídica é precária e os custos para regularização são elevados, é evidente que tampouco a construção principal estará
regular, o que demanda uma declaração da propriedade de forma conjunta.
No entanto, a laje possui uma forma de aquisição derivada, uma vez que se trata de um
contrato bilateral; porém, pelos fatores acima relacionados, a maior parte desses
contratos são realizados de modo verbal, o que não descaracteriza a validade do
negócio.
E, muito embora seja inequívoca a validade, a regularização da propriedade judicial ou
extrajudicial são absolutamente formais e exigem o mínimo de comprovação acerca do
acordo celebrado, o que é, sem dúvida, um obstáculo para o procedimento de
regularização.
Considerando esse óbice, os juristas editaram o Enunciado 627 da VIII Jornada de Direito
Civil para declarar a possibilidade de Usucapião para o Direito Real de Laje, em uma
certeira tentativa de tornar a regularização da construção independente da prévia
regularização do imóvel principal.
Acontece que, na prática, o juízo ainda é cético quanto a essa possibilidade e vem
impedindo que a regularização da laje e da construção principal sejam distribuídas em
conjunto e, tampouco entendem que existe um interesse de agir e legitimidade se o
sujeito pretende distribuir uma ação para regularização somente da laje, alegando que
por ser uma forma de aquisição derivada, uma Cessão de Direitos seria a solução.
Ora, um instrumento de Cessão de Direitos Aquisitivos claramente não possui a
segurança jurídica que o posseiro deseja alcançar quando ele manifesta o interesse em
ajuizar uma ação para ter o seu direito de propriedade garantido.
E esse obstáculo prático apenas perpetua um problema que já existe em nossa
sociedade há anos acerca da irregularidade urbanística e também se traduz em prejuízo
aos Municípios, que não possuem controle acerca do crescimento das cidades; da
segurança na construção nas mais diversas áreas; e da possibilidade de cobrança de
imposto.
Por fim, o Direito Real de Laje merece ser mais explorado por atuantes e militantes do
Direito Civil para que o acesso à justiça seja possível àqueles que desejam obter o direito
de propriedade e, assim, desenvolva ainda mais as cidades e a habilitação urbanística.
Referências:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13465.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm
https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/1210
* BEATRIZ ANTUNES MASTRANGE BASTOS
Advogada inscrita na OAB/RJ 226.047,
Graduada
Pós- graduação em
-Direito do Consumidor pela UNESA(2020);
-Direito de Família e Sucessões pela UNISC,
(2021) e
-Direito Imobiliário, Registral e Notarial pela UNISC(2020)
Site: www.beatrizmastrange.com
Instagram: @beatriz_mastrange
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