quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

A Responsabilidade das Concessionárias de EE no caso de danos aos Consumidores


 Autor: Homero Fornari(*)

Caros leitores desta coluna.

O verão vem chegando e, com ele, uma substancial mudança nas condições climáticas, sobretudo nas regiões Sul e Sudeste que são fortemente impactadas pelas chuvas, tempestades, raios e enchentes.

A temporada de verão que se aproxima (2023/2024) promete ser ainda mais intensa e desafiadora, já que o fenômeno climático do El Ninõ tende a arrefecer as condições climáticas.

Diante desse cenário, e considerando o ocorrido no dia 02/11/2023, quando fortes chuvas com ventania intensa assolaram a Cidade de São Paulo, derrubaram árvores em diversos bairros, danificaram a rede elétrica deixando milhares de pessoas sem energia elétrica, qual a responsabilidade da concessionária de energia elétrica? Quais os direitos do consumidor?

Pois bem, o fornecimento de energia elétrica é considerado um serviço público essencial prestado no mercado de consumo, sujeitando-se às regras do CDC (cf. art.22).

Por consequência, a responsabilidade da fornecedora será objetiva (ou seja, independentemente de haver culpa) por quaisquer danos ou prejuízos decorrentes da má prestação do serviço, nos termos do art.14 do CDC, assumindo a concessionária o dever de ressarcir de forma integral o dano causado (art.6°, VI do CDC).

No mesmo sentido, estabelece o art. 25 da Lei nº 8.987 de 13/02/1995, que dispõe sobre o regime de concessão permissão de serviços públicos:

"Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade".

Destacamos também a Resolução Normativa (RN) nº 1.000, da ANEEL, e Súmula nº 010, aprovada pela Portaria ANEEL n° 1263/2009, que disciplinam o tema:

RN ANEEL 1.000 - Art. 620 – "A distribuidora responde, independentemente da existência de dolo ou culpa, pelos danos elétricos causados equipamentos elétricos instalados em unidade consumidora"

SÚMULA ANEEL 010 – "Comprovada a existência de nexo de causalidade entre o dano ocorrido nos equipamentos elétricos do consumidor e uma ocorrência na rede de distribuição da Concessionária, esta fica impedida de eximir-se do ressarcimento alegando Culpa de Terceiro".
A Jurisprudência do STJ se firmou no mesmo sentido de responsabilizar a concessionária pelos danos sofridos pelos usuários consumidores:

"(...) concessionária merece ser responsabilizada ante sua conduta omissiva e negligente, porquanto aqueda de um raio não é um fenômeno natural, uma vez que, na qualidade de concessionária de serviço público de fornecimento de energia elétrica, deve adotar de medidas preventivas, como por exemplo, instalar dispositivos de segurança eficazes para controlar a oscilação na tensão da energia elétrica sobretensão ou subtensão , que pode ser causada por raio, tendo como consequência, curto circuito e eventual incêndio" (AREsp139147; Rel. Min. Luis Felipe Salomão; DJe 01.08.2012).

 Assim, o dever in abstrato de reparar o dano em tais hipóteses é indiscutível.

Mas o dever de indenização via responsabilidade civil objetiva exige, ainda que afastada a necessidade de comprovação da culpa, a verificação cumulativa dos seguintes elementos: (a) constatação do dano (momento e extensão); (b) do nexo de causalidade entre o dano e o evento causador; e (c) a inocorrência de alguma excludente de responsabilidade, como a culpa de terceiro ou caso fortuito ou força maior.

Como, a priori, não há terceiros envolvidos nos eventos climáticos, avançamos nossa análise sobre a inocorrência do caso fortuito, haja vista que as mudanças nas condições climáticas poderiam suscitar dúvidas e serem considerada como excludentes de ilicitude civil (caso fortuito ou força maior) e afastar a responsabilidade da concessionária.

Ocorre que esses eventos climáticos anormais e/ou extremos não se caracterizam como força maior ou caso fortuito e, portanto, não excluem o dever de indenização da concessionária. Tais fenômenos não afastam a responsabilidade objetiva da concessionária pois são eventos previsíveis, inserindo-se no risco da própria atividade desenvolvida pela concessionária.

Além do mais, é obrigação da concessionária garantir e tomar medidas com a finalidade de proteger os usuários quanto à oscilação da tensão da energia recebida e os prejuízos disso decorrentes.

Avançando em nossa análise temos a constatação do nexo causal.

Para resolver a questão, consta do MÓDULO 9 (anexo) do PRODIST[1] nos itens 25 e 26, ‘e’ que a perturbação à rede elétrica em data e hora aproximada do dano é considerado nexo causal e, portanto, dá ensejo ao dever de reparação:

25. O exame de nexo causal consiste em averiguar se houve perturbação no sistema elétrico e se a perturbação registrada poderia ter causado o dano reclamado.

26. Considera-se que houve perturbação na rede elétrica que possa ter afetado a unidade consumidora do reclamante se, na data e hora aproximada da suposta ocorrência do dano, houver registro nos relatórios de:

(...)

e) eventos na rede que provocam alteração nas condições normais de fornecimento de energia elétrica, provocados por ação da natureza, agentes a serviço da distribuidora ou terceiros.
Ou seja, a própria concessionária, a partir de relatórios internos de registros de eventos climáticos e das localidades atingidas, tem condição de verificar se o dano sofrido pelo consumidor é conexo ao evento climático.

Quanto ao danos e sua extensão, também consta do MÓDULO 9 (anexo) do PRODIST nos itens 16 a 24, a forma como o dano é apurado pela concessionária:

16. Durante a Análise, a distribuidora pode verificar se o equipamento objeto da solicitação apresenta, efetivamente, funcionamento inadequado.

 

17. A existência de dano elétrico no equipamento objeto da solicitação pode ser examinada na conclusão do Laudo de Oficina ou da Verificação, entre outros meios.

17.1. A distribuidora pode indeferir a Solicitação de ressarcimento se o consumidor providenciar a reparação do equipamento previamente ao pedido ou sem aguardar o término do prazo para a verificação, e não entregar à distribuidora:


a) a nota fiscal do conserto, indicando a data de realização do serviço e descrevendo o equipamento consertado;

b) o laudo emitido por profissional qualificado;

c) dois orçamentos detalhados;

d) e as peças danificadas e substituídas.


Portanto, recomenda-se que os consumidores tenham esses documentos e observem o procedimento supra para obter o ressarcimento dos gastos com o reparo ou exijam da concessionária que proceda ao reparo do equipamento danificado, às suas custas.

 Trata-se de uma possibilidade de resolver o problema diretamente com a concessionária, de forma mais ágil e sem custos.


Mas as portas do Poder Judiciário sempre estarão abertas em caso de recursa da concessionária ou quando houver necessidade aumentar (majorar) a reparação dos danos, sobretudo porque a reparação deve ser INTEGRAL, ou seja, não se limita à reparação dos equipamentos elétricos danificados, mas a todo prejuízo suportado em decorrência do dano (responsabilidade pelo fato do serviço – art.14 do CDC).

Assim, se o consumidor sofreu danos, p.ex., pela perda de produtos refrigerados, esses valores também deverão ser ressarcidos e o consumidor poderá provar pelas notas fiscais de compra desses produtos, podendo ingressar na Justiça Comum ou Juizados Especiais Cíveis para resguardar seus direitos.

Por fim, a dica a todos os consumidores que se sentirem lesados em decorrência desses eventos climáticos é observar o procedimento contido no Módulo 9 do PRODIST, pois isso pode lhe assegurar o direito de reparação do itens danificados de forma mais rápida e sem a necessidade de ação judicial.

REFERÊNCIA

[1] Resolução Normativa n° 956, de 7 de dezembro de 2021, (PRODIST), Módulo 9 [https://www2.aneel.gov.br/cedoc/aren2021956_2_8.pdf]


 
HOMERO JOSÉ NARDIM FORNARI












-Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie(2000-2004);

-Graduado em CIÊNCIAS CONTÁBEIS pela Universidade de São Paulo - FEA-USP (2003-2008), tendo cursado disciplinas de Finanças, Direito do Comercio Internacional e Direito Comercial na HEC-MONTRÉAL CANADÁ (2006);

-Professor da Universidade Mogi das Cruzes - UMC na Graduação e Pós-graduação, Professor da EBRADI;

-Leciona as disciplinas de Direito Civil, Empresarial e Tributário para os cursos de Direito, Ciências Contábeis e Administração de Empresa;

-Mestre em Direito Político e Econômico na Universidade Presbiteriana Mackenzie (2016);

-Especialista em Direito Processual Civil - Anhanguera-Uniderp.(2014);

- Pós-graduado em Direito Empresarial na PUC-SP (2010); 

- Sócio fundador do escritório Fornari e Gaudêncio Advogados Associados;

- Linhas de pesquisa: direito empresarial, direito tributário, direito econômico, direito civil, direito & internet.


Nota do Editor:

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