sábado, 2 de julho de 2016

O mito da educação neutra



A escola é uma local de disseminação de ideologias. Essa afirmação certamente incomoda alguns setores que pregam um pretenso ensino neutro, onde não apareçam juízos de valor e não se manifeste a luta de classes. Talvez tais setores não acreditam na existência de classes em nossa sociedade e do antagonismo de posições existentes entre elas. Mas de fato, há uma forma idealista de conceber a educação escolar, como se fosse possível desvencilhá-la, tratá-la como aspecto à parte da sociedade de classes. A educação também tem suas posições, e isto não parte da vontade dos professores, é todo um sistema bem arquitetado para disseminar a ideologia dominante. Sendo assim, cabe perguntar: o que se ensina e o que se aprende é a favor de quem? E também: contra quem? 

Vejamos alguns exemplos das posições de classes dentro das escolas: desde que passa a frequentar a escola pela primeira vez, o que aprendem as crianças senão o individualismo, a busca pelo primeiro lugar a qualquer custo, o aprendizado para ‘ser alguém na vida’? Tudo é uma questão de tempo para que lhes comecem a ser apresentadas em forma de estorvo concepções errôneas e anticientíficas, visões que entopem os livros de História, Ciências e todas as demais matérias. Como disse Maiakovski, “objetos petrificados em lugar do pão da beleza viva”. Até a Matemática, uma matéria a princípio técnica, serve como arma contra aquele aluno com dificuldade e que acaba se convencendo de que não é capaz de aprender. 

A escola oficial é um aparelho ideológico do Estado. Os conteúdos ministrados nela refletem as concepções das classes dominantes, ou seja, o que é apresentado aos alunos como sendo a ‘verdade’ nada mais é que a forma dos dominadores enxergarem o mundo. Começando pelos valores, passando pelos livros didáticos e chegando ao discurso de parte dos educadores, como falar de ensino sem posicionamento? Supor que a educação possa ser algo isento e independente do cenário social não passa da velha estratégia dos dominadores para tentar camuflar o conflito, de mascarar o fundo ideológico que todas as coisas carregam consigo.

Com o pretexto de evitar a doutrinação, está em curso o “Programa Escola sem Partido” que ameaça a liberdade de ensino e criminaliza a prática docente. O Programa foi criado pelo deputado estadual Flávio Bolsonaro e apresentado na ALERJ (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) em maio de 2014 (PL 2974/2014). Algumas semanas depois, Carlos Bolsonaro, vereador no Rio de Janeiro, apresentou proposta semelhante para o município (PL 867/2014). A iniciativa não parou na atuação da família Bolsonaro: Miguel Nagib disponibilizou os anteprojetos de lei estadual e municipal em seu site e uma onda conservadora tratou de espalhar a iniciativa por boa parte do território nacional. Projetos similares já foram apresentados em mais de nove estados e em diversos municípios.

O II Encontro Nacional de Educação, que aconteceu em Brasília entre os dias 16 e 18 de julho deste ano, reunindo mais de três mil estudantes secundaristas e universitários, professores, pesquisadores, etc., foi categórico em sua declaração ao afirmar: “A formação que defendemos não pode se dar com ingerências indevidas de governos e não pode estar sujeita à onda conservadora, assim rejeitamos categoricamente o projeto escola sem partido e assemelhados, bem como rejeita o papel que as mídias hegemônicas têm cumprido.”

Revistas tradicionais representantes das classes dominantes, vanguarda do que há de mais reacionário na sociedade brasileira, adora dedicar linhas e mais linhas satanizando o que chama de ‘manipulação ideológica nas escolas’. Esses ‘entendidos’ no assunto pregam ‘uma educação neutra e detida aos fatos, sem deturpações’. Isso por si só já é a maior das deturpações: impor a visão burguesa da realidade como sendo única e verdadeira. 

Acredito que a escola é um espaço onde existe uma luta de ideias e concepções. Não pode haver ensino neutro, se todo o sistema de ensino é voltado para difundir as ideias de manutenção da atual ordem. Quem está no controle da escola oficial são os representantes do Estado, obviamente que as ideias dominantes refletem seus pontos de vistas, não porém sem resistência. Sendo assim, me incluo dentre os professores progressistas que tem como tarefa atual combater as ideias atrasadas dentro da escola, ideias que enaltecem os feitos e valores das classes dominantes e depreciam tudo aquilo que vem do povo e, ao mesmo tempo, nos debruçar na construção de uma nova escola, onde a educação assuma verdadeiramente os valores da classe trabalhadora, uma educação que sirva ao povo, sua prática, sua sabedoria, sua cultura, suas lutas. 

Compartilhamos ainda da declaração do II ENE, que afirma: “A educação classista e emancipatória, que deve ser a base de nossa formação, precisa incorporar os movimentos sociais como atores centrais em sua formulação, cujo trabalho educativo deve estar profundamente articulado com este setor. Assim, é fundamental que incorpore na formação a pauta dos movimentos de combate as opressões de gênero, LGBT, Negros e Negras. Deve ser, portanto, libertadora, classista e emancipatória e que reconhece nos estudantes atores centrais em sua formulação.” 

Tenho a convicção que somente por meio de escolas democráticas conseguiremos transformar toda a atual realidade, considerando as crianças e jovens como seres pensantes e influenciados sim!, por diversas ideologias; porém que são capazes de pensar, não são seres amorfos influenciados somente por professores doutrinários. Pena, que o poder de doutrinar está em maior quantidade nas mãos do Estado, de políticos corruptos e da mídia...

Por ANA PAULA SANTANA









-Graduada em Pedagogia e Psicopedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais;
-Participou da implementação do Programa Brasil Alfabetizado/MEC/FNDE em Belo Horizonte, atuando com o planejamento das ações, coordenação de turmas e formação de professores alfabetizadores;
-Coordenou a implementação de turmas de alfabetização de trabalhadores da construção civil em conjunto com movimentos sociais no Estado de Minas Gerais;
-Ministra formação de professores visando implantar estratégias para o ensino de jovens e adultos e
-Integra a Associação Mineira de Psicopedagogia e compõe o quadro de diretores do Centro Integrado de Apoio ao Trabalhador.

3 comentários:

  1. Como docente, nas licenciaturas, a primeira competência a se refletir com os graduandos é o exercício da liberdade, o professor transgressor. Transgredir a todos os tipos de stablishment. As ideologias opressoras, quaisquer que sejam , devem ser objetos de reflexão, favorecendo escolhas de pessoas livres.

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    1. De fato temos que incentivar os atuais e futuros professores a serem agentes de mudança. Para isso, é necessário que o conhecimento seja livre, aberto e amplo.

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    2. De fato temos que incentivar os atuais e futuros professores a serem agentes de mudança. Para isso, é necessário que o conhecimento seja livre, aberto e amplo.

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