terça-feira, 15 de novembro de 2016

Um Olhar sobre a Desconsideração da Personalidade Jurídica no Processo Trabalhista


1 – Da Autonomia do Processo do Trabalho

Com a vigência no Novo Código de Processo Civil alguns operadores do direito entendem que a disregard doctrini, na forma regulada pelos artigos 133 usque 137, é totalmente aplicável ao processo do trabalho, já outros demonstram o temor de que o princípio da celeridade, tão caro à Justiça do Trabalho, restará prejudicado.
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Todos reconhecem que, apesar da reforma do atual Código de Processo Civil, o processo do trabalho continua autônomo e deve continuar a sê-lo.

Conforme a expressão do artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho, nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste título.

Sobre a autonomia do processo do trabalho também há referências expressas no atual Código de Processo Civil no artigo 15: Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente. (Sublinhei).

É preciso destacar que a expressão "normas" tem um alcance mais amplo do que "Lei", objeto de criação e elaboração pelo Poder Legislativo e o legislador não utiliza palavras e expressões aleatoriamente. As palavras tem valor de diamante e devem ser pesadas e interpretadas com grande zelo e cuidado.

Sobre o significado de norma se faz necessário recorrer ao olímpico De Plácido e Silva:
"Norma. Derivado do latim norma, oriundo do grego gnorima (esquadria, esquadro), dentro de seu sentido literal, é tomado na linguagem jurídica como regra, modelo, paradigma, forma ou tudo que se estabelece em lei ou regulamento para servir de pauta ou padrão na maneira de agir. (DE PLÁCIDO E SILVA, 2009:956)."
O legislador encarregado da reforma do Código de Processo Civil optou por utilizar a expressão "normas" ao invés de "leis" no citado artigo 15 e o fez de maneira proposital para que o intérprete pudesse fazer uso das demais fontes do direito para preencher as lacunas que invariavelmente aparecem no caminho da interpretação.

Evidente que existem normas, regras e jurisprudência da seara trabalhista que tratam da desconsideração da personalidade jurídica e que devem ser consideradas pelo operador do processo do trabalho.

2 - Disregard Doctrini – Breve Histórico

A desconsideração da personalidade jurídica não é nova entre nós. Em um primeiro momento a disregard doctrini foi recepcionada pela doutrina e pela jurisprudência.

A desconsideração da personalidade jurídica foi recepcionada pela doutrina e aos poucos passou a ser incorporada ao ordenamento jurídico pátrio, sendo prevista, entre outros, no artigo 50 do Código Civil, no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, no artigo 34 da Lei 12.529/11 (que organizou o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência) e no artigo 4º da Lei 9.605/98 (que trata das sanções em caso de agressão ao meio ambiente). 

Cumpre ainda citar a súmula 435 do Superior Tribunal de Justiça que dispõe que: 
"Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio gerente."
Finalmente, como passar do tempo, a desconsideração da personalidade jurídica foi incluída na lei processual em vigor, estando disciplinada nos seus artigos 133 usque 137.

3. Desconsideração da Personalidade Jurídica com o advento do Novo Código de Processo Civil

Os princípios basilares do Direito e do Processo do Trabalho não se alteraram com a vigência do atual Código de Processo Civil.

A celeridade, a alteridade, a natureza alimentar, sempre estarão presentes e preservados na lide trabalhista.

A reforma processual ocorreu porque no processo civil os operadores do direito sempre encontraram problemas para levantar o véu da empresa para a responsabilização dos sócios.

Convém destacar que em hipótese alguma a disregard doctrini poderá ser considerada uma surpresa para as partes quando aplicada no processo do trabalho.

4. Inocorrência de Decisão Surpresa na Desconsideração da Personalidade Jurídica no Processo do Trabalho

Cuidou o novel Código de Processo Civil de regular a nova concepção de princípio do contraditório adotada pelo NCPC (artigos 9º e 10) que veda a decisão surpresa. No entanto a vontade do legislador nunca foi impor a aplicação da disregard doctrini no processo do trabalho conforme a estrita redação dos artigos 133 usque 137.

Como se sabe, a pessoa jurídica é uma criação legal que tem por fim atuar como sujeito de direito e, uma vez constituída, a sociedade obtém ipso facto plena capacidade para contrair direitos e obrigações.

Fica claro que a sociedade age sempre com o conhecimento dos seus sócios. Os atos sociais – pela autonomia – são praticados pela pessoa física dos sócios. Portanto existe a presunção legal de que os sócios conhecem a atuação da empresa e os limites da responsabilização pessoal.

5. Presunção do Desvirtuamento pela Inadimplência Salarial

A desconsideração no processo civil é exceção que deve ser resolvida cum grano salis. Isso porque, até prova em contrário, as consequências das relações empresarias não afetam o patrimônio pessoal dos sócios. Somente com o desvio da finalidade – amplamente comprovado – isso irá ocorrer na Justiça Comum.

No processo do trabalho a inadimplência não presume use indevido, ela comprova o uso indevido!

Neste ponto se faz uma pausa para elogiar o Legislador Constituinte, que com sabedoria assentou os fundamentos para que o cidadão possa caminhar a passos largos em um Estado ordeiro e progressista.

A Carta Magna, no Título I, Dos Princípios Fundamentais, Artigo 1º determina que a República tem como fundamento:

"IV – os valores sociais do trabalho a da livre iniciativa."
Por que na Constituição Federal os valores sociais do trabalho vêm antes da livre iniciativa? Não é por acaso, logo digo. É que o salário (valor social do trabalho) vem antes do lucro (livre iniciativa). Aliás, o referido Princípio Fundamental leva em conta a alteridade.

Todo Governo responsável sabe que deve cuidar da Economia para propiciar um ambiente favorável para a abertura de empresas com a consequente geração de empregos.

A estabilidade de um Governo e de uma Nação está intimamente ligada à empregabilidade da sua população. Desemprego desestabiliza a sociedade e a política. Assistimos um impeachment que – entre outras causas – teve o apoio político por conta do desemprego da população.

Se o emprego é um Valor, o salário é um direito irrenunciável, moral e social, como destaca a sua natureza alimentar.

Dito isso fica fácil entender que ao inadimplir uma obrigação inquestionável – o salário - a empresa já se desviou do seu objetivo social, o que permite a responsabilização pessoal dos seus sócios.

6. Conclusão

A vontade do legislador tem que ser interpretada na forma em que melhor se opera o ideal de Justiça. Essa é a grande vantagem do sistema romano germânico.

É evidente que uma reforma feita para tornar célere o processo não pode, de forma alguma, tonar a Justiça do Trabalho mais lenta e ineficaz. Lembrando sempre que justiça tardia é injustiça.

O processo do trabalho tem uma história, uma tradição e uma reputação. Ao se aplicar ipsis literis a nova sistemática da desconsideração da personalidade jurídica na seara trabalhista, esta perderá sua feição, sua alma e a sua eficácia. 

Não se deve admitir que uma reforma que tenha como fundamento a celeridade e a correta prestação jurisdicional venha criar obstáculos para a eficácia da decisão judicial. 

Na prestação jurisdicional o operador do direito não deve procurar a eficiência, ele buscar a eficácia. Lembrando que Peter Druker ensinou que "eficiência é fazer as coisas da maneira correta, eficácia é fazer as coisas certas."

Garantir a eficácia da sentença judicial trabalhista é a coisa certa a se fazer.

Nesta altura devo acrescentar que não existe legislador trabalhista, civilista, penalista, etc, somente existe o legislador. E não é crível supor que o legislador, que é uno, queira favorecer com uma mão e desfavorecer com a outra.

A reforma da legislação instrumental civil foi feita para garantir a celeridade/eficácia e sempre que o novel Código de Processo Civil afrontar os princípios do processo trabalhista, a ele não será aplicado.

O legislador – que é uno – conhece bem o processo do trabalho e o processo civil e desejou preservar aquele deste.

Essa ideia da preservação está viva na expressa dicção legal de que apenas se aplica o Código de Processo Civil, subsidiária e supletivamente, ao Processo do Trabalho, em caso de omissão e desde que haja compatibilidade com as normas e princípios do Direito Processual do Trabalho, na forma dos artigos 769 e 889 da CLT e do art. 15 do Código de Processo Civil.

Os princípios e os precedentes da Justiça do Trabalho são fontes normativas que indicam e amparam a desconsideração da personalidade jurídica, sem se ater ao regramento previsto no Código de Processo Civil, pois no processo civil o desvio da finalidade da empresa não é presumível, ao contrário do que ocorre no processo do trabalho.

No processo do trabalho, seja na fase de conhecimento, seja na execução da sentença, não se faz necessário recorrer aos preceitos contidos nos artigos 133 usque 137. 

A ação trabalhista, quando há mora salarial e o fechamento da empresa, já deve ser promovida em face dos sócios, pois se o encerramento irregular já responsabiliza os sócios na justiça comum, tanto mais os deve responsabilizar na justiça do trabalho.

Na execução da sentença trabalhista não há necessidade de se instaurar o incidente, pois, pelo princípio da alteridade, os atos da empresa são praticados e são do conhecimento dos sócios e existe a presunção do desvio de finalidade da sociedade pelo simples inadimplemento da obrigação contratual trabalhista, que sempre é do conhecimento dos sócios, conforme explicado em linhas anteriores.

Uma alteração que não é nova, mas é pouco comentada, é a de que a boa-fé foi elevada à condição de norma jurídica no Código Civil, em seu artigo 422, que dispõe que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé.

O legislador brasileiro está se aprimorando e a nossa legislação busca refinar o homem, elevar o seu espírito e incutir nele a fraternidade e a responsabilidade social.

A empresa, como explicado anteriormente, é um reflexo dos seus sócios. A pessoa jurídica age por intermédios dos sócios. Pessoas jurídicas praticam atos, mas a vontade é humana.

Portanto nada mais justo que responsabilizar os sócios no processo do trabalho via desconsideração da personalidade jurídica, segundo a sistemática já consagrada pela doutrina e jurisprudência laboral.

POR LUCIANO ALMEIDA DE OLIVEIRA










Marido, Pai,Advogado, Escritor 

Nota do Editor:

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