terça-feira, 3 de julho de 2018

A Justiça Restaurativa Aplicada ao Sistema Penal


Uma das maiores preocupações do direito é entregar a cada um o que é seu, nesse sentido, o famoso brocardo de Ulpiano: "Suum Cuique Tribuere – dar a cada um o que é seu". 

Atualmente o que deve inquietar a comunidade jurídica é a busca por formas mais eficientes de retribuição para o crime, um modelo que alcance tanto aqueles que estão nas camadas mais baixas da sociedade como aqueles que possuem condições financeiras melhores. Nesse sentido, atualmente o STJ em posição vanguardista adotou como fundamento de uma de suas decisões a chamada justiça restaurativa.

O acórdão paradigma foi o Habeas Corpus Nº 389.348 - SP (2017/0038137-1), Relator: Reynaldo Soares da Fonseca, oportunidade em que, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, impetrou Habeas Corpus em favor de uma investigada presa em flagrante delito por vender substância entorpecente.

No julgado paradigma o STJ condeceu habeas corpus para que a paciente cumprisse a medida cautelar restritiva de liberdade em casa, tendo em vista as peculiaridades do caso, na oportunidade o Tribunal considerou o fato da paciente, mesmo após ser presa em flagrante delito pelo crime de tráfico de drogas, ter um filho menor de idade, que precisava de seus cuidados, assim para resguardar a integridade física e emocional da criança, a qual poderia desfrutar da presença mãe com base nos princípios da justiça restaurativa, assim foi concedida a ordem e a detenta teve a possibilidade de substituição da medida anteriormente imposta por prisão domiciliar.

Justiça Restaurativa como Alternativa dos Modelos Atuais de Punição

Atualmente a Justiça Restaurativa tem sido muito debatida, sendo que tal modelo se contrapõe aquele conhecido tradicionalmente de retribuição penal, nesse contexto é oportuno em primeiro lugar conceituar o que é a justiça restaurativa, nas palavras de Ana Beatriz Ferreira Dias, como:
"Em sua dimensão prática, a justiça restaurativa baseia-se em uma série de valores para restaurar as relações sociais prejudicadas por um dano, dentre eles: participação ativa dos sujeitos durante o processo de justiça; respeito com o outro e sua fala; reconhecimento dos laços sociais que unem todos os sujeitos (inclusive vítima e ofensor); responsabilidade. É importante termos em vista que a justiça restaurativa é uma resistência à justiça atual que ocupa o estatuto de ideologia oficial. Em contato direto com o sistema ideológico de justiça, a visão restaurativa revisa certos elementos daquela forma de pensamento oficial em prol de uma futura transformação social no qual seja vitoriosa. Ainda com suas diferenciações, essas duas visões de justiça estão em influência recíproca constante, de modo que parece mais adequado pensarmos que ambas fazem parte de um processo de evolução social e não que uma substituirá/excluirá ou não a outra. Se considerarmos a relação entre as duas visões de justiça a partir dessa segunda forma, como mera possibilidade de substituição/exclusão, estaríamos nos aproximando da ideia de convergência superficial de dois fenômenos fortuitos e situados em planos diferentes, de que falam Bakhtin/Voloshinov (1990), em Marxismo e filosofia da linguagem."
Dessa forma, a justiça restaurativa, busca compor o conflito surgido entre autor e réu, com a intenção de fazê-los dialogar sobre o conflito para que consensualmente equacionem suas diferenças. A justiça restaurativa é um modelo, diga-se, mais sensato de composição dos conflitos. 

Entre um dos benefícios desse modelo, encontra-se o da resposta estatal mais rápida e efetiva, o que consequentemente, gera maior presença do Estado e sensação de justiça aos jurisdicionados, ao contrário do modelo vigente atualmente, no qual o Estado leva anos para dar um resposta, quando todas as situações fáticas já passaram a vítima muitas vezes não quer nem lembrar mais do ocorrido e o réu até já mudou de vida.

O CNJ como órgão difusor do modelo, cita em sua página na internet que  a Justiça Restaurativa pode ser utilizada tanto em crimes ditos de menor potencial ofensivo, como em crimes mais graves a exemplo da vítima de um sequestro relâmpago, nesse sentido é oportuno trazer o que diz o texto, 
"Não, pode também ser aplicada aos mais graves. No Brasil temos trabalhado ainda, na maioria das vezes, com os crimes mais leves, porque ainda não temos estrutura apropriada para os crimes mais graves. Em outros países até preferem os crimes mais graves, porque os resultados são mais bem percebidos. A diversidade de crimes e de possibilidades a serem encontradas para sua resolução é muito grande. Vamos supor que, após um sequestro relâmpago, a vítima costuma desenvolver um temor a partir daquele episódio, associando seu agressor a todos que se pareçam com ele, criando um "fantasma" em sua vida, um estereótipo. Independentemente do processo judicial contra o criminoso, como se retoma a segurança emocional dessa pessoa que foi vítima? Provavelmente se o ofensor tiver a oportunidade de dizer, por exemplo, porque a vítima foi escolhida, isso pode resolver essa insegurança que ela vai carregar para o resto da vida." 

Uma inquietante pergunta pode surgir nesse cenário: a composição entre autor e vítima dos crimes exclui a aplicação da pena tradicionalmente entendida, a resposta por hora é, não! O modelo,funciona da seguinte forma, preliminarmente é realizada uma audiência na qual tenta-se compor o conflito entre Autor e vítima, posteriormente ocorre uma audiência de instrução e julgamento ocasião em que o Autor dos fatos poderá receber uma reprimenda estatal.

A Importância do Modelo de Justiça Restaurativa para o Sistema Penal Brasileiro

A importância da justiça restaurativa para o sistema penal brasileiro encontra respaldo na seguinte premissa, uma vez que ele busca aproximar Autor e Vítima, ocorrendo, nesse momento o choque de realidades, a vítima pode expor ao Autor o seu ponto de vista, tais como traumas, prejuízos financeiros e demais danos advindos da ação criminosa, em contrapartida o Autor, coloca a sua motivação para realizar o crime, dessa maneira, o Autor pode ser levado a entender a dor e o sofrimento da vítima e assimilar melhor o motivo de estar recebendo a reprimenda estatal.

Nesse cenário em especial, a justiça restaurativa possibilitaria afirmar que de fato houve justiça, pois um acordo traria a reparação para a vítima e do outro lado o transgressor, após receber a sua medida de justiça seria reintegrado ao seio da comunidade, gerando assim a recomposição do status quo ante ao delito.

Até porque, é isso que se busca ao suscitar a punição do Autor dos fatos, que as coisas tornem até a medida do possível ao estado anterior nas exatas palavras de Parker ao citar Van Ness e Forte:

"Os valores da justiça restaurativa – encontro, inclusão, reparações, e reintegração – enfatizam a restauração dos prejuízos causados pelo crime, levando a pessoa a assumir a responsabilidade por suas próprias ações e trabalhando para criar um futuro mais positivo para a vítima e o infrator. O encontro permite à vítima e ao infrator compartilharem, direta ou indiretamente, as suas histórias e encontrarem um meio de reparar os prejuízos. A inclusão dá a cada participante voz nos procedimentos e nos resultados. Através de indenizações, os infratores tentam consertar o prejuízo causado por suas ações. A reintegração permite à vítima e ao infrator tornarem-se membros contribuintes da sociedade (Van Ness e Forte 2002)."

Por meio dos preceitos acima traçados em relação a justiça restaurativa, atualmente, existem aqueles que sustentam à sua aplicação como viés para a construção de um modelo penal mais efetivo, passando a adotar, dessa forma, uma posição de vanguarda no sistema penal. Em um primeiro momento a justiça restaurativa "choca" a sociedade acostumada com o modelo tradicional de direito penal, (até porque, se o autor de um fato delituoso não for preso não houve punição para o pensamento popular independente do crime que for). 

Nesse mesmo sentido é esperançoso ver alguns vislumbres desse modelo sendo efetivamente implantado no sistema penal brasileiro, em especial até certa medida e guardadas as devidas proporções a Lei 9.099/95, a qual coloca o agressor a e vítima frente a frente em uma audiência de conciliação para que tentem compor suas diferenças e assim encontrar o melhor caminho para o deslinde da questão.

Nesse âmbito, também o que sinaliza como promessa de um começo de mudança de pensamento, diz respeito ao sistema adotado pelo novo CPC por meio do advento da Lei 13.105/2015, a qual possibilitou às partes optarem por uma audiência de conciliação antes da instrução e julgamento do feito, isso certamente vai disciplinar a sociedade e mostrar que é possível resolver os conflitos de forma.

Dessa forma, o que se espera é a evolução do pensamento social no sentido de buscar mecanismos mais eficientes para combater a criminalidade, o que se concretiza com os valores pregados pela Justiça Restaurativa. É claro, o problema do Brasil, e mesmo da justiça, não serão resolvidos apenas com essa nova via para a equação dos conflitos, porém será um importante passo nesse sentido. 

BIBLIOGRAFIA

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POR PAULO EDUARDO MEDEIROS










-Graduação em Direito pelo Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais - Cescage;
-Pós graduação em direito civil e empresarial universidade estadual de ponta grossa; e
- Atualmente é Funcionário público estadual

Nota do Editor:

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