“O tempo é o senhor de todas as coisas.”
É justo que, em nossa atual conjuntura de vida, determinados prestadores de serviço ou fornecedores de produtos, imponham-nos um desperdício inaceitável do nosso próprio tempo?
A perda de um turno ou de um dia inteiro de nosso trabalho ou de nossas férias – ou até mesmo a privação do convívio com a nossa família – não ultrapassaria o limiar do mero percalço ou aborrecimento, ingressando na seara do dano indenizável, na perspectiva da função social?
Nesse sentido, abordaremos a análise da perda de tempo útil em decorrência do atraso e cancelamento de voos.
Vejamos o exemplo a seguir: O cliente adquire passagens aéreas internacionais. Durante o retorno, há um atraso significativo no voo de volta e com isso ele perde a escala e não chega ao Brasil no dia marcado. Além disso, tem que permanecer dois dias na cidade de origem em decorrência da reorganização da malha área. Por fim, isso causa a perda de dois dias de trabalho.
Essa situação é muito corriqueira e recentemente vimos uma greve generalizada na Argentina fazendo com que todos os voos fossem cancelados por dois dias inteiros.
A pergunta é: Além do dano moral em si, causado pelo cancelamento do voo, caberia também uma indenização pelo desvio produtivo causado pela perda de dois dias de trabalho? Seria possível separar esses danos e indenizá-los separadamente?
O tempo é hoje um bem jurídico e só o seu titular pode dele dispor.
Nas palavras do Magistrado do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), Luiz Mário Moutinho:
"Quem injustificadamente se apropria deste bem, causa lesão que, dependendo das circunstâncias pode causar dano que vai além do simples aborrecimento do cotidiano, ou seja, dano moral".
A aplicação da Teoria do desvio produtivo vem sendo amplamente aplicada pelo STJ, senão vejamos:
"RECURSO – APELAÇÃO CÍVEL – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS HOSPEDAGEM E MANUTENÇÃO DE SITE E EMAIL CORPORATIVO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Incidência do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto. Finalismo aprofundado. Vício do serviço configurado. Reparação de danos morais por danos à honra objetiva da autora devida. Reparação por desvio produtivo, caracterizado pela falta de pronta solução ao vício do serviço noticiado, também devida, como forma de recompor os danos causados pelo afastamento da consumidora da sua seara de competência para tratar do assunto que deveria ter sido solucionado de pronto pela fornecedora. Procedência. Sentença mantida. Recurso de apelação requerida não provido." (e-STJ fl. 284).Ainda nas palavras do Ministro Marco Aurelio Bellize relator do Agravo Resp 1.260.458/SP na 3ª Turma):
"Para evitar maiores prejuízos, o consumidor se vê então compelido a desperdiçar o seu valioso tempo e a desviar as suas custosas competências – de atividades como o trabalho, o estudo, o descanso, o lazer – para tentar resolver esses problemas de consumo, que o fornecedor tem o dever de não causar"
Dessa forma, retomando e respondendo as perguntas anteriores:
Após muita discussão, finalmente os tribunais passaram a entender ser possível a cumulação dos danos morais puros, ocasionados em decorrência do cancelamento do voo em si, e os danos em decorrência de todo o tempo perdido no aeroporto, com ligações, em filas de espera, etc, e também os dias perdidos em decorrência da realocação em novo voo.
Por essa razão, se o voo atrasou ou foi cancelado e a companhia aérea não forneceu a assistência e as informações necessárias, o consumidor deve guardar todos os comprovantes da viagem, tais como bilhetes, fotos do painel de embarque com o horário de chegada e tempo de espera, e também os comprovantes das despesas ocorridas durante o tempo de espera.
Por fim, cabe indenização a título de dano moral pelo atraso de voo, porque o dano decorre do desconforto, aflição e dos transtornos suportados pelo passageiro.
Além disso, também cabe a reparação pela perda de tempo livre em que há desídia e desrespeito aos consumidores, que muitas vezes passam por um verdadeiro martírio e alteram totalmente a sua rotina para solucionar problemas causados pela conduta abusiva dos fornecedores.
Nesses casos, não se pode aceitar que o consumidor seja prontamente atendido quando contrata um serviço, mas quando busca solucionar um problema, é obrigado a perder seu tempo livre.
Por fim, o tempo é incalculável e irrecuperável e, por isso, nos tempos atuais, é considerado um bem jurídico precioso. Assim, considerando-se que depois de desperdiçado o tempo, ele nunca mais poderá ser recuperado, é justo que quem dele apropriou-se injustificadamente, seja compelido a repará-lo.
-Formado em Ciências Jurídicas pela PUCRS(2011);
-Pós Graduado em Direito Público pelo Instituto de Desenvolvimento Cultural do RS(2013);
-Pós Graduando em Direito Contratual, Responsabilidade Civil e Direito Imobiliário pela PUCRS;
-Sócio do Escritório Caputo & Couto Advogados Associados-Área de atuação: Direito Empresarial; Contratos Empresariais; Startups, Inovação e Tecnologia; Direito Imobiliário e Responsabilidade Civil.
Nota do Editor:
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