domingo, 4 de novembro de 2018

Qual é a Sua Política do Desejo?





Umas pessoas são uns veículos de mundos, pacotes de relações atravessadas por muitos fluxos que se conectam e transformam o tempo todo, composições e decomposições, forças movimentos de existir e desejar. 

Vivemos uma solidão povoada de relações, pouco conhecemos nossas multiplicidades, pouco nos atrevemos experimentar a potência que o desejo cria em nós infinitas possibilidades de se expressar e conectar.

Normalmente, "escolhemos" o atalho do desejo debruçado no poder que blinda a potência do acontecer . 

Os desejos são chaves intersubjetivas, são fluxos que se conectam e podem inaugurar mundos em expansão, são movimentos que escorrem e fogem das estruturas que tentam esquadrinhar uma forma fixa de desejo e vida, são indomáveis, rizomáticos, composição química nos encontros entre territórios, são os modos no qual podemos acontecer, criar, viver, amar, se conectar, existir. 

Desta maneira, o filósofo Gilles Deleuze e o psicanalista Félix Guattari trouxeram uma perspectiva bem interessante no modo de olhar o desejo que investe na "conjugação de fluxos e linhas de fuga"”, fluência infinita, onde a sociedade tenta paralisar, codificar, capturar, mercadologizar, mas isso é impossível num movimento incessante de produção do desejo que deseja ampliar, experimentar, conectar criando assim novos desejos. 

Parece que nossa cultura se apoia em uma forma de desejar com muita dificuldade de reconhecer os mundos plurais, assim instaurando em nós um modo ideológico de vida formatado em histórias, referências ou modelos prontos que trabalham sobre o desejo de exterminação da pluralidade de mundos, quase um escape , recusa no trabalho de tecer a vida, desta forma, reproduzimos as nossas possibilidades mais em crenças e fantasias do que pela experimentação de diferentes territórios que traz inúmeras opções de desejar e criar. 

Atolamo-nos na ilusão da manutenção e reprodução de modelos prontos como uma apropriação do eterno, isso acontece quando não existimos,por falta de arriscar nas experimentações das diferenças e mudanças que nos acontece como sopro de vida e que desta forma gera a duração eterna .

Todavia, precisamos acreditar no poder de um eu soberano e fascista, nessa ótica da vida, traz um jeito fixo e pobre como se tivesse um certo e melhor a desejar, recusando o uso da potência em direção à todas as outras expressões possíveis, desta forma, se constrói a crença que desejamos o que não temos e no quanto ainda nos falta . 

Podemos imaginar então; em que o desejo quereria não querer?, desejo de nada, vertente oriental hinduísta, uma espécie de nirvana de atingir o nível zero de tensão, se livrar da inquietude do querer. 

Assim como Freud traz pelo caminho da pulsão de morte como a busca do apaziguamento da mesma em direção ao inanimado da libido humana. Onde o conflito traz o retorno do mesmo na neurose; "Eu sofro porque desejo e sofro porque consegui meu desejo". Movimento pendular pelo que não tenho e o tédio com aquilo que já obtive, da carência a saciedade. Nunca é saciado. O movimento é sempre repetitivo onde jamais encontro a paz o descanso a saciedade, pois o desejo que se renova na sua insaciabilidade só produz sofrimento com interrupções efêmeras de prazer. 

Nada muda, sofrer pela falta parece uma condição do próprio desejo. Esse desejo parece que está mais apoiado na recompensa, intensão, finalidade, necessidade, poder da máquina social e menos em nossa natureza e potência de se criar como desejo através das conexões e encontros com os mundos. 

Nietzsche fala sobre a morte de Deus no  " o homem louco" ; traz o quanto ainda não temos condições de suportar a vida sem crenças, pois sem esse sentido, sem essa ancora que substitui Deus, pois o lugar dele ainda não foi sobrepujado. Se o lugar de Deus ou da crença forem suprimidos, a vida humana pereceria na ordem morta da imagem , desta forma, a razão, o poder, são colocados no lugar de Deus. 

Assim sendo, a nossa relação com esse lugar que dá sentido a vida também está contaminado pelo desejo que tem apenas a finalidade do prazer poderoso da descarga fugaz , assim como a morte de Deus e a redução do ser humano no poder da razão. Lugar esse que nos torna servos da culpa pelo assassinato de Deus, que vem do imaginário, desconhecido, ameaçador, protetor, maior e mais poderoso e desta maneira, precisamos do desejo apoiado nessa servidão, lugar do sofrimento imaginário que nos experimentamos como faltantes e pecadores.

Se as pessoas se desesperam por não saberem que desejo é fluxo interminável, e se apoiarem em um desejo de expectativas e necessidades, ou em uma imagem perseguida, pode dizer que esse sujeito se apoia em um modo poderoso e impotente que coloca o desejo como algo transcendente a ele, mais no imaginário que no acontecimento, algo maior e fora dele. 

Gilles Deleuze nesse ponto diz que "não tem nada extrínseco ao desejo, mas sim o desejo é revolucionário, visa cada vez mais conexões, é imanente, mas a sociedade se aflige com tamanha possibilidade de conexões perdendo-se assim o controle e o poder ." Assim como o desejo, o inconsciente é produzido o tempo todo, nas conexões de fluxos, o inconsciente fica como um plano de desejos ao invés de ser um campo de repressões do mesmo . 

No campo social o tempo todo nos é incutido que falta algo e assim passamos a ter uma perspectiva binária, dicotômica, competitiva e excludente(bom/mau, melhor/pior). É uma produção incessante de uma sensação de falta e ódio como se nossos investimentos estivessem na descarga de representações e pouca simbolização e elaboração nessa produção de cultura. Em todos os campos a sensação da falta é reiterada, nos levando a depressão e falta de ser, na real isso é uma subjetivação construída pela máquina social. 

Quando se enfia a falta dentro do desejo, você aborta uma saída possível para o desejo criar outras conexões. 

Segundo Deleuze e Guattari,''o desejo só pode criar outras conexões quando destitui a centralidade do sujeito como fonte do desejo e do objeto como aquilo que se visa. O desejo assim vai produzindo sentidos e movimentos de desterritorializações como formações de outras linhas, onde se germina outras formas, outros fluxos de desejar e acontecer na vida. O sujeito é um conjunto de fluxos e não uma unidade de eu." Assim sendo , eles nos elucida do próprio fato de aprender a viver o desejo como fluxo , com a perspectiva de mudanças ao invés de falta, muda o modo de viver, a política do desejo traz a entrega e disponibilidade de aceitar a construção de uma cartografia que não é fixa, pois viver pelas identidades é definhar nas instituições de um modelo de uma representação em detrimento de entrega, disponibilidade de aceitar a construção de desejos. O apego na imagem da identidade é definhar nas instituições que geram modelos através dos achatamentos de representações evitando novas experimentações.

A linha de fuga é o êxodo que se constitui outras culturas outros modos de acontecer , a criação de um outro possível. 

Outros modos de entender, sentir, se conectar , existir. A partir das conexões de fluxos traz o acontecimento de toda ordem em vários campos , assim,vai desmontando as representações indentitárias mudando para as criações de desejos e modos de expandir através das experimentações ao que acontece nas conexões em direção ao afeto e não ao efeito .

Se pudermos a partir da descrença desse lugar poderoso olhar a potência de outros modos de se conectar com a vida, outras formas de se relacionar .porque estar a altura da descrença é ter a força de criar outras possibilidades. Uma consequência da descrença se apresenta na crença que tudo seria possível, pois podemos perceber que a sociedade, como estratégia de controle, Instaura o medo que será apaziguado pela ordem, tradição , religião entre outras instituições engessadas. Desta forma fica difícil mantermos o ritmo infinito do desejo que traz acontecimentos, conexões , experimentações, o inédito, o não saber que traz o aprender e o criar entre outras possibilidades de se criar em desejo ao invés da falta e sofrimento que nos ilude que somos seres insuficientes e desta forma somos oprimidos à uma vida de consumo.

Somos desejo que mantem o ritmo do acontecimento na existência da vida , o que está insuficiente é a cultura da crença que o desejo nasce da falta de um absoluto ideal supernatural, pois na natureza não há falta, mas sim infinitas possibilidades de criação, a falta de sentido, o sentimento de insuficiência que carregamos é criado pela cultura, que ainda não elaboramos e carregamos muitas feridas e traumas que se apresentam na expressão do poder que traz o maniqueísmo como um sintoma, um grito de pedido de ajuda de cura emocional a cada opressão que fazemos as diferenças e mudanças nos modos de existências.

Entretanto, o desejo apoiado na falta marca a falta de ser, por isso a carência incessante pela busca do poder que fomenta o esvaziamento identitário entre o ser e ter, o ser humano assim não se basta, pois precisa de outra coisa para existir. 

O desejo que Deleuze e Gattari se apoiam é no transbordamento das conexões, e não movido pelo buraco trazido pela falta e incompletude que a nossa cultura nos subjetiva com a crença que que temos de ser melhor do que um outro modo de existência.

O desejo, traz a ciência da intensidade, potência como um campo de experimentação dentro da contradição, intensificamos a vida conforme experimentamos as potências dos encontros.

O desejo não tem uma finalidade, pois é composição de fluxos, intensidades que se conjugam onde não há um sujeito ou objeto. O desejo apoiado na potencia não é mendicância, não é indigência, não é algo a ser compensado ou recompensado, não é necessidade, não tem começo ou fim, além de ser fonte de outros desejos. 

Para Deleuze e Guattari, "o desejo não é falta pela necessidade, mas sim produção, que é excesso que transborda, esses excessos são fluxos. O desejo não pertence e nem tem origem em alguém. Esse alguém não é centro emissor ou receptor, nasce na adjacência desses fluxos". O desejo não é o centro da cena, mesmo podendo se representar assim. Desejo é fluência de fluxos que nada falta, com encontros, desencontros e bifurcações desses fluxos. Não é que a falta não existe no mundo, mas aqui esses autores trazem duas maneiras de viver: uma interpretar a vida como faltante e outra forma é interpreta la como fluxo, assim se apresentam duas politicas do desejo. Assim sendo, esses dois modos políticos de desejos trazem efeitos diferentes no qual esses fluxos podem se conectar e cartografar a vida potente ou não. 

Gilles Deleuze e Felix Guattari abordam o desejo, como "fonte de vibração de composições e conexões. Ao desejo não falta nada, mas a ele busca compor e ampliar as possibilidades de relações de corpos e vibrações. Os corpos são perfeitos quando fazem tudo o que podem." O pensamento para esses autores é como uma ação, maior que a consciência. A consciência pensa na manutenção e conservação da vida. O pensamento é atravessado por múltiplas forças que podem ser indomáveis que vem do infinito inconsciente maquínico que se cria conforme experimenta, portanto,a dimensão do pensamento vai além do que a consciência pode alcançar. 

O pensador Espinosa nos traz que;"Pensar é uma vertigem a medida que surfamos em vários planos podendo abarcar as linhas diversas, plurais e eternas e instantâneas que se manifestam na essência do instante que impulsiona a beatitude que na vida pode se entregar para assim te la na carne como passagem da potencia que pode levar uma duração levando de um estado ao outro para o intenso" . Não que isso não envolva vertigem e elimine a angustia, medo e pânico, desastre .Espinosa nos elucida que, "não é possível defender a vida, o desejo como unívoco, pois somos modos diferentes de acontecer e viver que duramos na eternidade em vibração." 

A crença é problemática por querer ligar a potência do desejo na falta que se apoia na imaginação, na vontade de crer e não no desejo de trabalhar na criação de conexões e confiança na vida e no espontâneo devir que investe na simpatia com os diversos mundos, nas experiências , nos ensaios, nas entregas para novas possibilidades , nos encontros que nós criamos através da potencia que nos atravessa. A diferença é que na potência somos menos dependente da aprovação alheia e dos valores vigentes, onde ela não busca reconhecimento, porque a potência cria outros valores e modos de acontecer. Diferente do poder que depende da aprovação ou da manipulação e manutenção da forma , não aguentando o estranhamento e movimento da vida, buscando uma verdade ou maneira de existir de forma aprisionada no controle .

Em que medida conseguimos viver sem a crença do lugar de poder? Sem submetimento, sem a escravidão de nossa racionalidade como entre outras servidões? Que concepção do desejo pode nos livrar de um desejo servil, ou de um desejo vinculado a falta, a carência, ao medo, à submissão ? A ideia aqui é nos questionarmos que desejo é esse que deseja em mim? Para assim desamarrarmos os fios poderosos que a cultura nomeia como desejos intensos que ficam submetidos às perdas, renuncias , impotências, tristezas e falta.... Interessante é desmontar esses mandatos poderosos em nossos desejos, questionar e refletir sobre esta forma de cultura onde fomentamos a crença que existe uma verdade absoluta, egocêntrica , fixa que traz as disputas de identidades que se norteiam em um melhor/pior ou mau/bom entre outras combinações hierárquicas como modos de existir ,impossibilitando a imanência dos modos diversos, cegando e empobrecendo as múltiplas possibilidades de experimentar, criar e acontecer na vida , como se o desejo fosse fixo ou obcecado, bifurcando cada vez mais para ignorância que não dá lugar para que o mundo se expresse em sua pluralidade natural de se conectar,experimentar , desejar, amar, criar, fluir, expandir, existir de modo amoroso e potente.

POR FABIANA  BENETTI


-Psicóloga, psicanalista, especialista em psicossomática e esquizoanalista;
-Psicóloga graduada pela Universidade Paulista(1997);
-Aprimoramento em Analises do comportamento aplicado(ABA) United Response ,Londres,2001; 
-Pós Graduada em Cross Cultural Psychology pela Brunel University em  Londres, 2002;
- Psicanalista com especialização em psicossomática no Instituto Sedes Sapientiae,2005-2014;
-Aprimoramento na psiquiatria infantil no IPQ ( Hospital das Clínicas)2013-2016;
-Atendimento em consultório particular em São Paulo-Tel/what´s 11 985363035.
-Membro do Departamento de Psicossomática do Instituto Sedes Sapientiae;e
-Agenciamento  em Filosofia e Esquizoanálise com Peter Pál Pelbart e Luiz Fuganti.
Nota do Editor:


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