quinta-feira, 8 de novembro de 2018

A regulamentação do artigo 5º da Lei nº 8.666/93 analisada sob os efeitos do princípio da eficiência


No IV Encontro Nacional dos Tribunais de Contas do Brasil, deliberaram as cortes estaduais de contas, por meio da Resolução ATRICON nº 8/2014, que seriam intensificadas a fiscalização do cumprimento da ordem cronológica de exigibilidade dos pagamentos pela Administração Pública, conforme previsto no artigo 5º da Lei nº 8.666/1993, que é a lei de licitações públicas e contratos.

O artigo 5º tem o seguinte teor legislativo:
"Todos os valores, preços e custos utilizados nas licitações terão como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvado o disposto no art. 42 desta Lei, devendo cada unidade da Administração, no pagamento das obrigações relativas ao fornecimento de bens, locações, realização de obras e prestação de serviços, obedecer, para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada".
A primeira dúvida que surge, no universo dos entes que compõem a administração pública brasileira, é no que se refere à efetividade dessa norma, sem que houvesse, em relação à mesma, a devida regulamentação. 

O Tribunal de Contas da União, já deliberou no sentido de que a regulamentação é necessária, para que se fale em efetividade do texto do art. 5º, da Lei nº 8.666/93, conforme Acórdão que transcrevemos:
"32. As iniciativas com vistas à regulamentação do disposto no art. 5o da Lei 8.666/1993 apresentam-se como medidas essenciais para conferir efetividade à norma, a partir do estabelecimento de parâmetros, critérios, prazos e procedimentos a serem seguidos, de forma objetiva, nos processos de pagamento. Têm por objetivo, dentre outros, impedir o estabelecimento de cronologia de pagamentos arbitrários. (Acórdão nº 551/2016 – TC 002.999/2015-3 – RELATOR Ministro Vital do Rego – TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO – TCU)."
O tema vem à tona porque os municípios começaram, em 2018, a receberem notificações, pós auditoria realizadas sob a jurisdição dos tribunais estaduais.

Mas o pomo de discórdia a ser discutido, no tema constante do artigo 5º, da lei de licitações, é a definição do momento que o valor devido entra na fila. Por intermédio do voto nº 165/2017, do TCM do Rio de Janeiro, afirma o relator do feito, que "a partir da entrega do bem ou do serviço pelo contratado nasce a exigibilidade do crédito, e assim, segundo o art. 5º da Lei 8.666/93, surge também a fila para pagamento segundo a data de exigibilidade".

Nosso entendimento é diverso, do expresso no referido voto, inclusive por considerarmos que a chamada liquidação da despesa, constante do artigo 63, da Lei nº 4320/64, é condição sine qua non para que o crédito exista no mundo jurídico.

O próprio voto do TCM, acima transcrito em parte, traz esse debate e esclarece-o, deliberando que a liquidação não constitui o débito, mas apenas verifica um direito adquirido pelo credor.

Invoco aqui, o princípio constitucional da eficiência (art. 37, caput da CF) e da isonomia (art. 3º, lei de licitações). Isso porque, na organização da fila, temos que considerar o direito dos demais fornecedores.

Consideremos, por exemplo, que a regulamentação do ente, entenda que o ingresso na fila se dá com a entrega da nota fiscal devidamente atestada por dois servidores municipais. Porém, este fornecedor, não atende os requisitos para que o débito seja liquidado, por falta de um documento de comprovação de saúde fiscal/tributária, uma certidão negativa. Os demais fornecedores estarão sujeitos a esperar que a situação se resolva, aguardando o tempo do outro. Neste exemplo, não estaríamos diante de uma ação eficiente, nem mesmo isonômica. 

É a supremacia dos princípios constitucionais que está em jogo. Entrar numa fila e manter-se nela por longo tempo, afronta às regras da eficiência, eis que tal direito é de todos os fornecedores, não só do que correu e entrou na fila primeiro, mesmo sendo sabedor que ele não preenche os requisitos para a liquidação, do art. 63, da lei nº 4.320/64 e das demais normas que regem a liquidação do débito.

Temos advogado que os municípios, em especial, devem cuidar com precisão cirúrgica, da regulamentação, especialmente nesse aspecto. Que continuem se inspirando, nos demais itens, na Instrução Normativa nº 2/2016, da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, editada em 2 de dezembro de 2016, porém, modificando ou melhor especificando, o momento de ingresso na fila dos fornecedores do ente.

A leitura do art. 5º da Lei 8.666/93 não deixa dúvidas ao dispor de forma taxativa quais as obrigações que estão sujeita a estrita ordem de pagamento. São elas, os pagamentos das obrigações relativas:

1- ao fornecimento de bens;
2- locações;
3- realizações de obras; e
4- prestações de serviços.

Questionamos: e aquelas referentes a obrigações tributárias? Ou aquelas referentes ao pagamento de pessoal? Diante da omissão, é de se compreender que os pagamentos de obrigações tributárias e de pessoal, obviamente que estariam fora da obrigatoriedade da ordem cronológica. Esse é outro flanco para debater.

Esses aspectos devem ser considerados no momento da regulamentação, sob pena, amanhã, do ente sofrer com dificuldades para cumprimento da ordem cronológica, prejudicando os fornecedores primordiais ao pleno funcionamento da máquina administrativa.

Não temos a pretensão de esgotar o tema nesse artigo, mas alertar o gestor, para que, na correria do dia a dia da administração, deixe passar desapercebido o tema, que influi substancialmente no desenrolar da gestão.

POR JOSÉ SOUTO TOSTES













-Advogado desde 1993;
-Procurador Municipal por 14 anos, Secretário Municipal de Fazenda, Secretário Municipal de Planejamento;
-Instrutor em cursos realizados em vários Estados do país;
-Palestrante;
Tem artigos publicados na internet e um canal de gestão pública no Youtube; 
-Escreve para jornais e sites especializados e 
-Atua na consultoria jurídica de prefeitos, ex-prefeitos e empresas contratantes com órgãos públicos.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

Um comentário: