quarta-feira, 27 de março de 2019

Seguro de Proteção Financeira e a Liberdade de Contratar



Autor: Ellcio Dias dos Santos(*)

No sentido denotativo, seguro remete, dentre outras, a expressão de firmeza, segurança, liberdade do perigo, dentre outras. Nas relações negociais, em verdade, trata-se de um contrato privado na qual as partes, segurado e segurador firmam um acordo oneroso estipulando cláusulas de responsabilidade objetivando a cobertura de possíveis sinistros que possam refletir na relação contratual de outrora. 

Historicamente, no Brasil, o seguro tem seu nascedouro com a chegada da Realeza Portuguesa e a conseqüente abertura dos portos no ano de 1808, face ao pujante sistema de navegação da época. 

O primeiro molde de seguro aparece somente em 1850, com a promulgação do "Código Comercial Brasileiro" (Lei n°. 556, de 25 de junho de 1850), o seguro marítimo foi pela primeira vez estudado e regulado, em todos os seus aspectos, desta premissa "nasce" o seguro que vislumbramos nos dias de hoje. 

Nesta mesma senda, o Código Comercial Brasileiro foi de fundamental importância para o desenvolvimento do sistema de seguros no Brasil, impulsionando o surgimento de diversas modalidades de seguro e inúmeras seguradoras, que passaram a operar não só com o seguro marítimo, expressamente previsto na legislação, mas, também, com o seguro terrestre, dentre outros. Logo, proibições como a exploração de contratos de seguro de vida, passaram a receber autorização do Estado. 

No decorrer da história, destaca-se o ano de 1939, em que foi criado pelo Governo Vargas o Instituto de Resseguro do Brasil (Atual, IRB Brasil Re), com a atribuição de exercer o monopólio do resseguro no país, posteriormente quebrado. Já no ano de 1966 surgiu a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), empenhada em substituir o Departamento Nacional de Seguros Privados da época e capitalizar, como órgão oficial fiscalizador das operações de seguro, o Sistema Nacional de Seguros Privados

Isto posto, considerando o introito histórico e toda permissividade legal até então, surge em nosso país seguros de toda ordem, contra: roubos, agrícola, incêndio, vida, saúde, viagem, e dentre vários o seguro proteção financeira (prestamista), precipuamente das instituições financeiras. Logo, emerge questionamentos de legalidade com reflexo na esfera do consumidor. 

O seguro de proteção financeira oferece cobertura para os eventos morte e invalidez do segurado, garantindo a quitação do contrato em caso de sinistro. Todavia, na prática, as instituições financeiras de forma impositiva condicionam a realização do contrato à aquisição de um seguro garantia que está ligado diretamente com a instituição financeira pertencente ao mesmo grupo econômico, o que pode ser considerando como venda casada. 

Tal prática abusiva está prevista no Código de Defesa do Consumidor, precisamente no inciso I do artigo 39, com a inferência de que venda casada na prática é caracterizada pela presença de condicionantes quando da celebração de um contrato, que vincula a venda de bem ou a prestação de um serviço à compra de outros itens, mesmo que em instrumentos distintos, no caso seguro. Segunda o aludido Código, vejamos: 

"Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
I - Condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos. (grifo nosso) "
Neste sentido, por exemplo, referenciamos o consumidor mutuário do Sistema Financeiro de Habitação – SFH, que carente de proteção buscou de certa forma, amparo no Tribunal da Cidadania, o Superior Tribunal de Justiça – STJ, que mediante Súmula, assentou que: 
"O mutuário do SFH não pode ser compelido a contratar o seguro habitacional obrigatório com a instituição financeira mutuante ou com a seguradora por ela indicada." (Súmula 473, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/06/2012, DJe 19/06/2012). 
Assim, é cediço o entendimento no Tribunal da cidadania de se manter a coerência dos precedentes que ensejaram a edição da Súmula 473.

De outro lado, os Tribunais em julgados recentes entendem ser válido o contrato prestamista, desde que apresentado de forma clara e inequívoca ao consumidor, deixando margem para que o mesmo possa contratar outra seguradora, que não acontece conforme, entendimento contido no REsp 1.639.259-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 12/12/2018, DJe 17/12/2018 (Tema 972). 

"O seguro de proteção financeira é uma ampliação do conhecido seguro prestamista, o qual oferece cobertura para os eventos morte e invalidez do segurado, garantindo a quitação do contrato em caso de sinistro, fato que interessa tanto ao segurado (ou a seus dependentes) quanto à instituição financeira Nessa espécie de seguro, oferece-se uma cobertura adicional, referente ao evento despedida involuntária do segurado que possui vínculo empregatício, ou perda de renda para o segurado autônomo. A inclusão desse seguro nos contratos bancários não é vedada pela regulação bancária, até porque não se trata de um serviço financeiro, conforme já manifestou o Banco Central do Brasil. Apesar dessa liberdade de contratar, uma vez optando o consumidor pelo seguro, a cláusula contratual já condiciona a contratação da seguradora integrante do mesmo grupo econômico da instituição financeira, não havendo ressalva quanto à possibilidade de contratação de outra seguradora, à escolha do consumidor. (...)" (grifo nosso) 
Logo, observa-se que a liberdade de contratar encontra limitação quando da formalização do contrato prestamista. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Conclui-se, por tudo que fora exposto, que nos contratos de seguro de proteção financeira as evidências flagrantes da espécie de venda casada já foram enfrentadas por nossos Juízes e Tribunais na tentativa de uniformiza os ditames prescritos no Código de Defesa do Consumidor, com o enquadramento nas relações privadas objetivando firmar uma relação jurídica eficaz e dirimente de possíveis celeumas constantes e apresentadas nos diversos contratos. 

No entanto, ainda que compreendida a relevância do sistema de seguros, observada às situações apresentadas nas relações contratuais hodiernamente, bem como a manifestação da justiça, ainda assim, não podemos nos furtar a trazer a baila proposições acerca da temática para que não esqueçamos que indubitavelmente a parte vulnerável é, e sempre será, o consumidor. 

Entendemos, assim, que só produziremos justiça social se não esquecermos as injustiças em sociedade, ainda que haja, em alguns casos, liberdades de pactuação, pois na forma da Lei, o direito do consumidor persiste. 

REFERENCIAL 

BRASIL. Lei nº 8.078/1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm. Acesso em: 03/03/2019; 

Seguro. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Seguro. Acesso em: 12/02/2019;

BRASIL. Lei nº LEI Nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm. Acesso em: 20/02/2019; 

STJ. RECURSO REPETITIVO. Repetitivo discute tarifa de gravame eletrônico e seguro de proteção financeira http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Repetitivo-discute-tarifa-de-gravame-eletr%C3%B4nico-e-seguro-de-prote%C3%A7%C3%A3o-financeira. Acesso em: 19/02/2019. 

* ELLCIO DIAS DOS SANTOS




















-Advogado graduado pelo Centro Universitário de Desenvolvimento do Centro Oeste - UNIDESC, Luziânia/GO; 

 -Especialista em Direito do Consumidor e Responsabilidade Civil pela AVM/Universidade Cândido Mendes; Graduado em Ciîencias com habilitação em Matemática, São Luis/MA pela Universidade Estadual do Maranhão - UEMA; e

- Servidor Público Federal.

-Mora em Brasília/DF.

Nota do Editor:
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