Autora: Renata Pereira(*)
A experiência de ter um filho é repleta de sentimentos intensos e contraditórios em todas as fases: desde o susto e a alegria de descobrir a gravidez, à emoção e o medo de ver o rosto da criança pela primeira vez, passando pela preocupação e o alívio do primeiro dia de aula até chegar ao momento em que os filhos saem de casa, geralmente entre o fim da adolescência e o início da fase adulta, que está longe de significar o fim do processo.
Ter um filho é, provavelmente, a experiência mais definitiva da vida de uma pessoa, pois diferente do que acontece com os outros animais, os seres humanos sempre vão precisar dos pais e os pais sempre vão se preocupar e colocar expectativas sobre os filhos, não importa quantos anos eles tenham. Criar um filho é um processo que se constitui de vários ciclos interligados nos quais o fim de um imediatamente inicia outro e ambos, pais e filhos, precisam se reinventar e se readaptar sucessivamente.
Pode-se dizer que o momento da saída dos filhos de casa é um dos mais desafiadores para ambos, independente da idade, da classe social, do tipo de relação que tiveram e do motivo pelo qual a saída acontece. Para os filhos, é hora de sair de sua zona de conforto e enfrentar o mundo, o que traz entusiasmo, mas também muito receio; para os pais, os sentimentos são de alívio pela missão cumprida, de orgulho, mas também de preocupação, tristeza vazio e saudade.
Quando o motivo da saída é positivo e envolve um rito de passagem, como por exemplo, casar, entrar na faculdade ou ir morar fora, passar por esse período fica menos difícil para ambos, independente da relação que tenham tido até então. Mas, quando a relação entre pais e filhos sempre foi complicada e o motivo da saída tem a ver com isso, os sentimentos gerados por esse processo em ambos, podem ser muito difíceis, tais como raiva, frustração e culpa.
Independente do tipo de relação e dos motivos que levam os filhos a saírem de casa, todos os pais passam pela síndrome do ninho vazio, que é caracterizada por sentimentos de tristeza, ansiedade, vazio e saudade. Sentir isso é natural e inevitável, afinal, foram anos de convivência contínua e, apesar de saber que isso aconteceria, mais cedo ou mais tarde, quando o dia chega, não se pode nem se deve reprimir esses sentimentos, muito pelo contrário, eles devem ser aceitos e acolhidos, e devem passar depois de algum tempo.
No entanto, se os sentimentos de saudade, tristeza, ansiedade e vazio se tornam intensos demais a ponto de a pessoa ter crises de choro ou de ansiedade frequentes, sentir dificuldade de levantar da cama, perder o interesse por coisas que gostava antes, pensar e se preocupar com o filho intensa e constantemente, a síndrome do ninho vazio se tornou patológica e a pessoa precisa de ajuda profissional, pois está em sofrimento intenso e os desdobramentos podem ser conflitos familiares e o aparecimento de um forte sentimento de culpa no filho que partiu.
A fim de prevenir e diminuir as chances de que a síndrome do ninho vazio apareça em sua forma patológica, é muito importante que os pais e mães entendam que os filhos vão ser sempre sua principal prioridade, mas não podem ser a única. Por mais que os filhos preencham as vidas dos pais de sentido, eles precisam buscar outros, que satisfaçam necessidades de outros papéis, que eles também precisam desempenhar, tais como o de amigo, profissional, homem/mulher. Quanto mais uma pessoa que é pai ou mãe desempenhar outros papéis, melhor pai ou mãe ela será e menos expectativas não saudáveis e pouco realistas colocará nos filhos, pois sua felicidade não dependerá unicamente deles.
Pais e mães devem ter em mente que, por mais que amem seus filhos, devem ter e deixar que eles tenham vida própria: por mais que conheçam seus filhos, não podem achar que sabem exatamente o que estão sentindo; por mais que queiram ajudá-los, precisam respeitar suas opiniões; por mais que tenham mais experiência de vida, não podem impor suas verdades aos filhos.
Separação não é o mesmo que perda. Deixar os filhos partirem talvez seja a missão mais difícil e, por isso, uma das mais importantes que os pais precisam cumprir. Esse talvez seja o sacrifício maior e, portanto, a prova de amor mais verdadeira. Assim, pais, tenham as vidas mais plenas que puderem, preparem-se para executar essa tarefa, assim como se prepararam para educar, alimentar e tantas outras. Então, filhos, sejam gentis, mas também firmes com seus pais nessa fase, pois vocês só entenderão o que eles sentem se um dia tornarem-se pais.
O objetivo desse texto não foi falar de pais que perdem seus filhos para a morte, pois o processo que ocorre nesse caso não é o da síndrome do ninho vazio e sim o de luto, e o desafio para elaborar esse luto passa por vias diferentes das apresentadas aqui. O sofrimento é incomparavelmente maior, pois esses pais precisarão transformar a dor em propósito.
*RENATA PEREIRA
-Psicóloga formada pela Universidade Prebsteriana Mackenzie;
-Especialista em Terapia Comportamental Cognitiva pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP;e
Atende adolescentes e adultos em psicoterapia individual e em grupo.
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