sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Sem Lei Nem Grei – A Cura Real



Palavras-Chave:

Comportamento; Materialismo; Espiritualismo; Justiça; Natureza; Leis Naturais; Progresso; Poesia


" A Dama Branca que eu encontrei,

Faz tantos anos,

Na minha vida sem lei nem rei,

Sorriu-me em todos os desenganos."

"Essa constância de anos a fio,

Sutil, captara-me. E imaginai!

Por uma noite de muito frio,

A Dama Branca levou meu pai."

(Manuel Bandeira, 1886-1968, Estrela da Vida Inteira, p. 67).

 

Os versos do Poema intitulado "A Dama Branca" do grande Poeta pernambucano, Manuel Bandeira, cantam, como tema recorrente, a Morte, cujo pensamento e a velada presença, acompanharam o poeta a vida toda no lirismo de emoções e sentimentos íntimos, com a melancolia e a angústia de alguém que foi diagnosticado doente dos pulmões, tuberculoso aos dezoito anos e aos vinte e sete, foi internado no Sanatório suíço de Clavadel. Na solidão do sofrimento, ele alimentava a descrença na transcendência da existência.

A descrença e a dor, entre a ameaça inevitável de destruição por uma doença virtualmente letal e a constatação da fragilidade da existência humana, desenvolveram no Poeta um estilo virtuoso de humildade que transparece em sua arte poética através da qual ele brinca com a presença da "Dama Branca" – a Morte – ao longo de sua vida, confirmando a poesia do desencanto e da desesperança personificados na ameaça constante que entretanto, se veste de branco e sorri, seja nos bons momentos ou nas más circunstâncias da vida. 

Paradoxalmente, o peso da imponderável presença da senhora "Dama Branca" não arrebatou a existência física do Poeta propriamente pela tuberculose, mas, por uma hemorragia gástrica aos oitenta e dois anos de vida experenciada com a consciência aguçada na fragilidade da existência humana.

Sem lei nem grei é a expressão que traduz a condição das criaturas sem rumo, sem orientação, sem governo; sem rei nem roque; sem lei, nem rei nem roque; perante as calamidades como as pestes, as endemias e epidemias que varriam o Planeta no passado e que, miseravelmente, assombram na atualidade a humanidade, nada obstante, as conquistas da revolução tecnológica e da abnegação de pesquisadores e cientistas que se sacrificam para a salvação das coletividades. 

A identificação do bacilo da tuberculose foi anunciada em 1882 pelo médico e bacteriologista alemão, Robert Koch e, à época não se sabia muito sobre a doença, apenas que era maligna e infecciosa e que podia levar à morte o paciente em poucas semanas, outros, sofriam anos até morrer. A tísica pulmonar era tão temida quanto o câncer ou o infarto do miocárdio. Dizia-se que era uma doença popular consequência das condições sociais e que estava diretamente ligada ao aparecimento das grandes cidades. As pessoas viviam comprimidas nos centros urbanos em busca de trabalho, contudo, faltavam-lhes moradias, saneamento básico e condições higiênicas apropriadas à vida saudável. 

Aos pacientes eram recomendados boa alimentação, vida tranquila e ar fresco, todavia, os moradores das periferias, dos bairros pobres, não podiam seguir tais aconselhamentos médicos. Os ricos sim, frequentavam clínicas de tratamento. Mas a cura era quase impossível. 

Verdade é que embora os incontáveis avanços da Medicina dirimindo grandes problemáticas na área da saúde física, portas outras são escancaradas ao conhecimento de inumeráveis complexidades nas desordens orgânicas e psíquicas, sem meios de solução a curto prazo. 

Em toda parte, ecoam ameaçadoras da paz imediata, as tormentas morais, econômicas, sociais e a Mãe Terra, se afigura às criaturas aturdidas em pânico, medo, dor e descrença, uma grande embarcação batida no oceano das ondas. Esses navegantes em mar revolto esbravejam, gritam, choram e estertoram enquanto outros, clamam em oração por misericórdia.

Quem ou o que deveria ser responsabilizado por esse estado estúrdio das gentes na Civilização?!

Alguém poderia aventar que é o estado de natureza, o primitivismo do ser instintivo, aquele que só tem sensações, mas, o que se evidencia é a presença da ilusória cultura do Materialismo por entre os destroços morais e as misérias sociais que amesquinham e desnorteiam as criaturas ante a inexorável presença da morte, a "Dama Branca" que marca profundamente aquela atitude humilde na ironia trágica do Poeta, exercendo sobre o homem angustiado, ao mesmo tempo, fascínio e medo.

Filosoficamente, do ponto de vista do Espiritualismo, Doutrina oposta ao Materialismo, que admite a independência e o primado do Espírito em relação às condições materiais da existência, o entendimento quanto aos acontecimentos e circunstâncias, é bem diverso. Assim, apresentando a morte física como sendo passagem rumo à Vida Espiritual do Ser em contínua evolução, narra o grande Autor Espiritual, André Luiz, pela pena lúcida de Francisco Cândido Xavier, a história de um homem, um carroceiro, que recebera uma patada do próprio animal que conduzia sua carroça. 

Tratava-se de um pobre pai de família e o trágico acidente se deveu à imprudência, desrespeito e inominável grosseria, que ele próprio costumava aplicar contra os animais que o auxiliavam a ganhar o pão de cada dia. Só sabia gritar, encolerizado, surrando e ferindo o animal. Mantinha sua mente fechada às sugestões da gratidão para com o pobre muar que lhe servia e, naquele dia, tanto chicoteou, perturbou e castigou o burro que, atormentado pelas descargas de cólera do condutor, o atacou com a patada certeira.

Foi encontrado numa poça de sangue ao lado do pequeno veículo sustentado pelo animal impaciente que dava mostras de grande inquietação. As lições que nos legam os Benfeitores da Espiritualidade demonstram que "ao mal segue-se o mal" e nos ensinam, ipsis litteris:

"Se os seres inferiores, nossos irmãos no grande lar da vida, nos fornecem os valores do serviço, devemos dar-lhes, por nossa vez, os valores da educação. Ora, ninguém pode educar odiando, nem edificar algo de útil com a fúria e a brutalidade".

Por conta do acidente, "aquele homem comum, sofreria muitos dias chumbado ao leito ante as aflições dos familiares e, demorar-se-ia um tanto a restabelecer o equilíbrio orgânico, mas, como Espírito eterno, recebera a lição útil e necessária".

"Aquele trabalhador imprudente foi punido por si mesmo, pois, a cólera é punida por suas próprias consequências".


As criaturas humanas amparando-se na Ciência aliada à Tecnologia, pressagiaram dias de fartura e conforto objetivando a felicidade existencial. Porém, preocupados muito mais com o imediatismo, se esqueceram que o comportamento e as tarefas que se destinam ao ser humano e, por conseguinte, à Humanidade, não podem prescindir dos valores do Espírito imortal, quais a ética, a Fé, a Esperança e a Caridade que, conforme anotado pelo Apóstolo das Gentes na 1ª Epístola aos Coríntios, destaca entre as três Virtudes Teologais, a Caridade como a mais excelente, por entender que ela é o Amor em Ação.

Somente o Amor em Ação é capaz de solucionar os angustiantes tormentos humanos e evidenciar a falência do Materialismo. Enquanto o homem imprudente, colérico, ingrato e egoísta, aprendeu a duras penas que as forças da Natureza sofrendo as opressões das vaidades humanas, esperam há milênios a compreensão e a gratidão das criaturas que, infortunadamente, insistem em oprimir os seres inferiores, ferindo assim, as forças benfeitoras da vida e sendo ingratos para com as fontes do bem, o Poeta doente colocava toda sua angústia, dor, solidão e descrença em obras cujo estilo se abeirava da tradição Cristã pela humildade perante a inevitável fragilidade da existência humana.

Em seu quarto Livro de Poesias, publicado em 1930, intitulado Libertinagem, Bandeira escreveu um de seus Poemas mais aclamados, no qual ele descreve a busca por um lugar perfeito, o paraíso onde se pudesse vivenciar atos corriqueiros e simples do cotidiano.

"Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei (...)"

Conhecesse Bandeira a força da Fé em oposição à descrença que o consumia, Pasárgada não seria um paraíso distante, mas sim, o lugar íntimo onde a esperança a par e passo com a humildade na aceitação das diretrizes da vida, proporciona o encontro do Ser consigo mesmo e a Cura real, senão do corpo físico, do Espírito para a imortalidade.

É mister, necessidade e urgência que as criaturas compreendam que as enfermidades e as catástrofes não são castigos, antes, porém, justiça integral que se realiza. As calamidades individuais ou coletivas, os flagelos e infortúnios humanos, ensejam que os homens recordem o poder indomável das forças superiores capazes de os conduzirem a ajustar-se à sua pequenez e empenhar-se ao progresso que lhes acena. 

Sem orientação, sem rumo, sem lei nem rei, as criaturas sucumbirão sem forças nos veios das angústias, desesperanças, medos, desesperos, insatisfações e as consequências serão ainda mais doloridas no seio das famílias, principalmente, quando um ser querido desiste dando cabo da própria vida. 

Espiritualizando-se, as criaturas adquirem ânimo, energia e estímulo na compreensão do “existir” e com o sentimento desenvolvido do Amor em Ação, tocados pelas dores gerais, amparam-se mutuamente, orando uns pelos outros com a força da Fé renovada transformando instintos em sentimentos de esperança, gratidão, fraternidade, solidariedade e compaixão para os dias felizes tão fortemente almejados. 

Bibliografia - Obras e Livros consultados:

Bíblia Sagrada – 64ª Edição – Editora Ave Maria Ltda.

Livro: Rumos Libertadores – Autora: Joanna de Ângelis por Divaldo Franco. Ed. LEAL-4ª Ed. 1978.

Livro: Os Mensageiros – Autor: André Luiz por Francisco C. Xavier. FEB Ed.-41ª Ed. Copyright 1944.

ARRIGUCCI JR., Davi. O humilde cotidiano de Manuel Bandeira. In: ARRIGUCCI JR., Davi. Enigma e comentário. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

ARRIGUCCI JR., Davi. Humildade, Paixão e Morte – A Poesia de Manuel Bandeira. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

BANDEIRA, Manuel. Antologia Poética. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1976.

BANDEIRA, Manuel. Itinerário de Pasárgada. 3ª ed. Rio de Janeiro, Editora do Autor, s.d.

Publicações Deutsche Welle - emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas:

https://www.dw.com/pt-br/1882-anunciada-a-identificacao-do-bacilo-da-tuberculose/
https://www.dw.com/pt-br/tuberculose-e-doenca-infecciosa-mais-mortal-do-mundo-diz-oms/
https://www.dw.com/pt-br/robert-koch


*MÔNICA MARIA VENTURA SANTIAGO







 







- Advogada. 
Especialidades:
- Direito de Família e Sucessões,
- Direito Internacional Público,
- Direito Administrativo;
- Lato Sensu em Linguística e Letras Neolatinas;
- Degree in English by Edwards Language School – London - Accredited by the British Council, a member of English UK and a Centre for Cambridge Examinations;
-Escreve artigos sobre Direito; Política; Sociologia; Cidadania; Educação e Psicologia.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

16 comentários:

  1. Excelente artigo. Lúcido,oportuno e necessário, remetendo-nos a um processo edificante de meditação sobre a atualidade.
    Parabéns e que venham mais contribuições como essa.

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    1. Olá, amigo Assaruhy!
      Estou muito honrada com sua leitura e gentil comentário!
      Obrigada!
      Paz e bençãos em todos os seus dias!!

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  2. Marcos Zanella Coppi2 de outubro de 2020 às 20:39

    Passei meio por cima por não ter tempo no momento, voltarei a ler, gostei do que vi, obrigado pelo convite, irei compartilhar muito

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    1. Olá, Marcos!
      Obrigada por comentar e pela atenção em divulgar!
      Paz e bem!

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  3. Parabéns amiga! Vc sempre nos brindando com excelentes temas para reflexão. Como não relembrar a Música do Legião Urbana, q aborda de forma análoga a passagem Bíblica da Epistola aos Coríntios???? ♪♫ Ainda que eu falasse a língua dos homens, que eu falasse a língua dos anjos, sem amor(caridade), eu nada seriiiiiiiaaaaa♪♫ Parabéns uma vez mais! abç

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    1. Gratidão, amigo Oliveira!
      O Poema de São Paulo, musicado, é realmente lindo!!
      Obrigada por sua presença sempre constante prestigiando meus escritos!
      Abraço fraterno!
      Paz e bem!

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    2. Sempre impecável... qq nova publicação me avise. ok? Gratoo

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    3. Obrigada, amigo Oliveira!

      Como não comunicar-te?! Sorrisos!! Paz!!

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  4. Parabéns amiga! Vc sempre nos brindando com excelentes temas para reflexão. Como não relembrar a Música do Legião Urbana, q aborda de forma análoga a passagem Bíblica da Epistola aos Coríntios???? ♪♫ Ainda que eu falasse a língua dos homens, que eu falasse a língua dos anjos, sem amor(caridade), eu nada seriiiiiiiaaaaa♪♫ Parabéns uma vez mais! abç

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  5. Parabéns Mônica, nos leva a refletir sobre o mais nobre sentimento humano,o Amor.

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    1. Olá, Neide!
      Obrigada pela gentileza de sua leitura e comentário!
      Sorrisos! Abraços fraternos!

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  6. Parabens,Mónica excelente artigo. Grato um abraço!

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  7. “Conhecesse Bandeira a força da Fé em oposição à descrença que o consumia, Pasárgada não seria um paraíso distante...”
    Que verdade tão clara, e tão acessível.
    Tantas são as futilidades, as necessidades fabricadas do hoje imediato, tantas são as correntes a se vencer nesse mundo complexo e desigual, que se hoje vivo, diria Bandeira: “Passárgada, quem de nós, pobres de espírito, a alcançaria? “
    Quando aprenderemos, que somos mais do que suficientes para nós mesmos, quando exercitamos nossa fé?
    Excelente seu artigo, Mônica.

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    1. Gratidão, amiga Mônica Torres!
      Sim, o genial Bandeira buscava, poeticamente, um lugar distante, o paraíso! E quantos de nós, buscamos esse "paraíso" longe de nosso alcance porque não sabemos ouvir a voz do Mestre, desde há dois mil anos dizendo-nos: "O reino dos Céus está dentro de vós".
      É urgente, amiga, nossa espiritualização!
      Carinho! Paz e bem!

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