sábado, 29 de junho de 2019

As Artes do Belo e a Educação


Autor: Fábio Fonseca(*)
O mundo moderno perdeu a noção mais precisa do que é belo, ele deixou-se invadir pelo feio. O feio está em tudo, desde as vestes que se usa, até nos edifícios que se constroem. Este feio que invadiu todos os campos da sociedade atual se reflete nas próprias artes do belo. E o belo e as artes do belo são os fundamentos que se erguem a alma humana e a razão humana. O resgate do belo se torna um tema fundamental para educação, pois como veremos, a origem da formação moral e intelectual do ser humano passa pelo belo e pelas artes do belo.
Para entendermos as artes do belo se faz necessário voltar à Aristóteles e remontarmos a compreensão de que o homem tem  3 virtudes ou hábitos intelectuais. As primeira das virtudes ou hábitos intelectuais é a ciência, é aquele hábito que temos de conhecer por conhecer, para superar a ignorância. Outro hábito que temos é o da prudência, que diz respeito ao agir, ao agir individual ou eticamente, ou agir familiar ao agir social e político. E a última  das virtudes é a arte, que divide-se em duas: artes servis e artes liberais. Nas artes servis o artista usa do corpo e faz algo material que visa atender ao corpo, por exemplo: o marceneiro que faz uma cadeira. Há também as artes de uso, como medicina e a construção(engenharia). E há artes liberais: lógica, gramática e a aquilo que chamamos artes do belo, pois tem a finalidade de tornar o homem livre, capaz de entender a si e ao mundo. As artes liberais produzem as artes do belo e essa forma a alma humana na direção do justo e do bom.
A primeira consideração é compreender o que é belo. Para que haja o belo são necessárias três condições: 1° que algo tenha integridade, não lhe falte nenhuma das partes que lhe são essenciais, que lhe são necessárias; 2°que tenha harmonia ou consonância, ou seja, que as partes entre si na construção do todo sejam harmônicas e 3° e que tenha claridade, algo obscuro é algo que não pode ser belo. Algo para ser belo precisa ter essas 3 características. Dessa forma, compreendemos que aquilo que é feito pelas artes do belo precisam ser belas, mas que nem todas as coisas belas são fruto das artes do belo. Um exemplo é a joalheria que produz coisas belas, mas não é parte das artes do belo. Para entender as artes do belo é necessários defini-las: as artes dos belo são artes miméticas que fazem formas significativas que fazem com que a alma humana propenda ao verdadeiro e ao bom, e se afaste do falso e do mal. Formas significantes, quer dizer que aquilo que essas artes imitam fazem-lo pela própria forma. Um exemplo, uma palavra significa algo: cão, em português significa nossa concepção de certo animal. Já em inglês é dog, isso quer dizer que se trata de um signo, significativo, mas convencional. Mas por exemplo a mais famosa pietà de Michelangelo, que através de um efeito ótico, faz com quem veja perceba Maria maior que seu Filho. É mãe que tem seu bebê no colo, a mãe de Deus. A própria composição da estátua vai mostrar a piedade e a maternidade divina por parte de Maria. Isso não se dá pelas palavras, que são signos convencionais, mas a forma que revela o significado.
As artes do belo distinguem-se entre si pelos meios que usa, pelos modos que usa e por aquilo que imitam, por seus objetos. Artes do belo se dividem em: literatura, teatro, cinema, dança, pintura (desenho), escultura e arquitetura, que é uma arte anfíbia, pois também é uma arte servil, pois ela também serve ao nosso corpo, para o nosso descanso, para a vida familiar, Mas como mostra as igrejas Cristãs, ela é também uma arte do belo, pois são miméticas, significativas e belas, pois tendem a direcionar ao bom e verdadeiro e se a afastar ao mal e ao engano.
Crianças que não se formaram no belo, que não tiveram acesso às artes do belo tem fortes tendências em se tornarem adultos incapazes de tender para o bom, verdadeiro e justo no homem. As artes do belo são fundamentais para educação. Existe uma educação da imaginação que fundamenta e precede a educação formal. A educação começa pela educação da imaginação, anos antes da criança aprender os conteúdos formais, ela precisa ter um estofo imaginativo e moral que sirva de base para as disciplinas. Como afirma Sertillanges, em sua obra vida intelectual: "A educação é o desdobramento da alma", ou seja, educação,  seguindo o pensamento aristotélico-tomista, é pôr para fora, desdobrar, tornar ato algo o que já existe em potência na alma humana, mas nada se reduz da potência ao ato se não anterior já em ato. Isso quer dizer que a criança precisa ver essa potência atualizada em um modelo, precisa ter acesso, ao menos imaginativo, a essas qualidades humanas já realizadas. E isso as artes do belo são capazes de fornecer.
Isso fica claro com a literatura, por exemplo. Na Ilíada uma série de personagens corporificam uma série de virtudes e qualidades humanas em altíssimo nível. Um exemplo é Heitor, que de forma heroica, age, fala, vive, e morre. A criança entra em contato com as altas virtudes, isso se torna familiar à ela. Poderá desejar, amar, querer imitar essas virtudes, pois passa a conhecer essas virtudes em um modelo, mesmo que seja imaginativamente, passa a aspirar por eles, e só se aspira algo que se ama e só se ama algo que se conhece. Essas qualidades passam a ser acessíveis a essa criança.
Entre as contribuições que os gregos deram para o campo do pensamento e das artes, se encontra o desenvolvimento do teatro. Segundo Aristóteles, o grande objetivo do teatro era o de incutir compaixão e terror, que é promovido mediante a catarse. A catarse é a purificação das emoções, que purificadas deixam de ser um obstáculo para nossa inteligência, permitindo que ela direcione-se ao bom e o verdadeiro, e se afaste do mal  e do falso. As peças teatrais do grandes dramaturgos gregos foram fundadoras nesse sentido. Tal perspectiva se seguiu no medievo, que além de acrescentar diversas questões ao saber humano, a filosofia e a construção da civilização ocidental, também teve grande importância na constituição do teatro e das artes do belo enquanto tal. Deriva da fase medieval a forma teatral do auto. Um dos gigantes da dramaturgos a desenvolver essa forma teatral foi Gil Vicente em sua obra “O auto da barca do Inferno”.  Essa obra é um modelo, pois expressa seu fim último que é propender ao bom e ao verdadeiro.
Contudo, percebe-se que no teatro atual padece de grande decadência, como em todas as artes do belo. Cresce o número de peças teatrais cujo fim não é o bom e o verdadeiro, mas excitar paixões e vontades. Entenda como isso vai contra aquilo que descreve Aristóteles, e também os medievos, pois o teatro perde sua capacidade de catarse, ou seja, essa capacidade de desbloquear o intelecto das paixões, livrá-la daquilo que a impede de buscar o bom e verdadeiro. É romper com a as paixões da alma que a aprisionam nas sensações. No entanto, o teatro moderno se dedica a estimular paixões e vícios, o exortando como algo bem quisto e aceite. Até mesmo as encenações de obras clássicas tem tido em suas apresentações que fortalecem aspectos que despertam as paixões do espectador. Um exemplo é a nudez, que utilizada nessas novas encenações servem como distrações, somos desviados do fim e a tendência a concupiscência se fará presente. Essas distrações desviará a almas e se cessem certas potências da alma em virtude de certas paixões. Tais obras perdem o caráter definidor das artes do belo, pois promovem a bestialidade e não ao bom e ao verdadeiro. Isso deforma o imaginário, não contribuindo para a formação de uma imaginação moral.
Dessa forma, se torna impossível separar as artes do belo desses transcendentais do bem e da verdade, é para isso que elas servem, inclinar as almas humanas para esses transcendentais. Existe uma ideia corrente que a arte tem um fim nela mesma. Não, ela tem uma finalidade primeira que é produzir coisas belas, formas belas, mas ela tem um fim último que é inclinar a alma humana para o bem e para a verdade. Muito daquilo que hoje passa por obra de arte não só não inclina a alma humana para o bom e para verdade, como nem forma bela possui. Nesse sentido, a ciência poética, como busca prof. Carlos Nogué, demonstra que sem arte no  sentido verdadeiro a sociedade rui, desmorona, pois a arte é fundamento de toda educação possível, ela ordena desde o início a caminhada educacional para aquilo que importa: o bem e a verdade.
Para o aprofundamento deste tema, deixo duas sugestões:
1° a obra do prof. Carlos Nogué “Da Arte do Belo”, publicada pelas edições São Tomás.
2° o documentário dirigido e roteirizado por Vivi Princival “As artes do Belo”, que se encontra disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=51bceaf-tkc .

*FÁBIO DA FONSECA JÚNIOR


- Professor de Filosofia e História;
- Mestrando em Educação e
- Diretor de escola.












Nota do Editor:

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