Autor: Fábio Fonseca(*)
Parece
ser unânime a todos nós que a alguns anos a agitação e excitação marcam a
cultura da sociedade em nossa época.
A todo
momento se requer performance e as relações sociais se tornam efêmeras e
superficiais, e todas as atividades humanas tomam a aparência de espetáculo.
A presença de aparelhos digitais tornou-se
importantíssimo na vida humana e modificaram profundamente os relacionamentos,
a forma de aprender e ensinar e o modo de se interagir com o meio. Redes
sociais, jogos on line e toda sorte
de mídias que nos informam e a formam como pensamos e interagimos com o meio.
Nesse
contexto é que o filósofo alemão Christoph Türcke elabora duas obras que
parecem ter grande relevância para a reflexão da forma como pensamos a
educação: "Sociedade excitada: a filosofia da sensação" (2010) e "Hiperativos!
Abaixo a cultura do déficit de atenção" (2013). Neste breve artigo gostaria de
apontar algumas situações que são levantadas por esse autor na sua segunda obra
e que podem colaborar para a reflexão
sobre os métodos de ensino e o que pensamos para a educação.
Em sua
primeira obra "Sociedade excitada: a filosofia da sensação", Türcke (2010)
reflete que a sensação deixou de significar percepção, como aquilo que vem ao
intelecto por meio das sensações, mas se aliou a definição de ser aquilo que
atrai, o espetacular. As sensações se tornaram o foco de toda atenção, aquilo
que não é capaz de atrair a atenção de forma espetacular não é percebido.
Dessa
forma, as sensações passaram a ser foco do comportamento de toda sociedade na
contemporaneidade, a sociedade moderna, segundo o autor, é a sociedade que vive
em torno da excitação, obtidos através dos constantes choques audiovisuais que
bombardeiam os sentidos a todos os instantes, fazendo com que todas as ações se
dirijam para as sensações que provocam.
Os
aparatos midiáticos e tecnológicos são os meios pelo qual essa nova forma
cultural se propaga e transforma eventos cotidianos em uma fonte de estímulos
sensoriais chamativos e excitantes, irresistíveis, mas ao mesmo tempo
alienantes.
A indústria cultural se transformou e tudo
virou um meio de propaganda para expor marcas e produtos, os programas são
acessórios que cercam os comerciais, que cada vez mais entorpecem os receptores
com a dependência do espetáculo, a única coisa capaz de atrair a sua atenção
pelo prazer que provoca, o prendendo em um círculo vicioso que desfigura a
cognição da compreensão do real.
Essa pesada reflexão acerca sobre a realidade
cultural de nossa época serviu de base para sua análise cultural que culminou
em sua obra: "Hiperativos! Abaixo a cultura do déficit de atenção", na qual,
por meio de uma teoria cultural, Türcke (2013) explorou a faculdade da atenção,
a imaginação e o surgimento do sagrado no processo de hominização, e a partir
disso, buscou entender como a hiperatividade e o transtorno do déficit de
atenção tem sua origem nessa cultura das sensações, para assim pensar uma
proposta para a educação .
Türcke
(2013) descreve a importância da repetição e da atenção para o estabelecimento
da cultura humana, a partir do conceito de "compulsão à repetição" que vem de
Freud.
Para
conter o pavor que a natureza desprendia no ser humano, foram sendo
desenvolvidos rituais de sacrifícios, que fazia com que aquilo que se realizava
com a vítima trouxesse alívio diante do pavor que o mundo natural gerava. Esse
sacrifício se repetia constantemente, alimentando a compulsão à repetição
através do alívio gerado.
A cultura
humana teve seu início nesses ritos, nesses costumes que agregavam a todos e
aliviavam seu temor diante daquilo que não conseguiam controlar, os
rituais foram se abrandando ao longo dos milênios e da evolução técnica da
humanidade, contudo esse sentimento de repetição e culpa por estar vivo
persiste nos diversos ritos que foram se estabelecendo através dos costumes.
No
entendimento do autor, tudo o que a cultura humana produziu, suas leis,
religiões, rituais, costumes são resquícios dessa compulsão à repetição que
existe na espécie humana. Um resíduo patológico de outras eras, que permanecem
em sedimentos culturais nos ritos elaborados pela cultura.
Essa
compulsão, em si, é horrenda, pois gerou sofrimento a um número incontável de
vítimas e de psiquismos que criaram esses ritos, no entanto, os resquícios
foram importantíssimos e preciosos para o desenvolvimento da espécie humana,
pois essa tendência a rotina produziu os elementos necessários para o
desenvolvimento livre de cada sujeito, pois cada cultura necessita de rituais e
hábitos familiares, eles são a base do desenvolvimento de qualquer indivíduo. A
repetição de ações aplaca esta ânsia por repetição e gera a familiaridade
necessária para o desenvolvimento humano, dela é que nasce a cultura.
Ao longo
do seu desenvolvimento a humanidade criou máquinas que repetem o comportamento
humano em um nível mais elevado, de maneira amplificada e uniformemente.
Esse
aspecto se torna mais evidente com a revolução industrial e a criação das
linhas de montagem, e dentre as máquinas surgidas na evolução técnica da
humanidade se encontra as máquinas de imagens. As máquinas de imagens técnicas
que englobam as máquinas fotográficas, as câmeras de vídeos e a evolução
tecnológica que segue esses tipos de mídia.
Com essas
máquinas tem-se a origem das imagens técnicas, ou seja, que são produzidas de
forma artificial e não se utilizando da fantasia imaginativa do receptor. O
maravilhamento diante de tais máquinas parece ter sido infinitamente maior do
que com as máquinas a vapor, por exemplo, pois as imagens técnicas formadas
facilitam o processo imaginativo humano que era alcançado através de algum
esforço. As imagens produzidas nessas superfícies eram acessíveis a
qualquer um, enquanto no processo de desenvolvimento e na passagem de criança
em adulto precisam passar por difusas formas de percepção, na qual a imaginação
conserva e modifica o imaginado dentro de si, a imagem técnica faz isso de
maneira direta e simultânea.
Contudo,
esse tipo de técnica de imagens que surgiu nos primórdios com o cinema, que era
sempre algo espetacular e a parte da vida das pessoas, entrou para o cotidiano
com a invenção dos aparelhos televisivos e a presença de telas em todos
lugares. A estratégia da produção cinematográfica era o constante choque de
imagens, capazes de chamar a atenção a todo instante. "O choque da imagem atrai
magneticamente o olho pela troca abrupta de luzes; ele promete ininterruptas
imagens novas, ainda não vistas; ele se exercita na onipresença do mercado; seu
“olhe para cá” propagandeia a próxima cena como um vendedor ambulante anuncia
sua mercadoria."(TÜRCKE, 2013,p.32).
Cada nova imagem projetada decompõe atenção e
restabelece novamente. O choque da imagem exerce fascinação estética e promove
constantemente novas imagens ainda não vistas. Esse comportamento deixa de
persuadir o espectador somente em seu tempo livre, nas invade a totalidade de
sua existência, inclusive no trabalho. A mesma lógica incessante é empregada:
acessa dados e produza constantemente, caso assim não o faça, será descartado e
se perde do ciclo de produção.
Sendo
assim, a lógica do choque constante de imagens tornou-se uma forma de
estratégia global, que atua embotando a percepção justamente por se utilizar
dessa contínua excitação do receptor.
O
espectador não se foca em um programa, mas ao contrário, dispersa-se a todo
momento. Tal comportamento que foi percebido pelas redes de televisão, que
programavam a audiência a partir dos destaques do programa, e passavam a
exibição toda conferindo o IBOPE, agora é utilizado pelos youtubers, que produzem um conteúdo
para internet obedecendo certa quantidade de tempo, pois sabem que se
produzirem algo mais longo perdem a audiência. Jornais, livros e todo tipo de
produção artística segue essa lógica do choque de atenção. Cada produto
impresso, se quiser ser observado, precisa se comportar de modo semelhante a
uma imagem fílmica diante do olho.
Seguindo
a reflexão de Türcke (2013), essa lógica do choque de imagens seria um dos
fatores que poderia aumentar a incidência da hiperatividade e do déficit de
atenção, que é tratado pela designação de TDAH.
Cada vez mais as crianças se desenvolvem com
menos capacidade de se concentrar em algo, e isso passa por todas as esferas,
desde de ouvir uma história, jogar um jogo ou construir amizades. Existe uma
inquietação motora que é constante e que faz com que elas não encontrem repouso
em lugar algum, as tornando em um tipo de estorvo, um problema para a família e
para a escola. Todavia, esse contato com os meios virtuais gera uma satisfação
imediata que aumenta cada vez mais o desejo pela sensação, e consequentemente a
necessidade de algo que estimule seus sentidos e que seja controlado por
eles.
"Quando crianças
incapazes de ficar quietas, que movem os olhos para a direita e para a esquerda
procurando algo e, evadindo-se, sentam-se diante de um computador, seus olhos
se tornam claros e fixos, suas atividades são objetivas e elas permanecem
pacientes’, escreve o terapeuta infantil Wolfang Bergmann. ‘Em todo caso, é
mais do que flagrante quão bem as crianças e jovens hiperativos. que no mundo
real parecem perdidos, se organizam no computadores e se movimentam nos jogos e
contatos on-line, com uma segurança da qual, na assim chamada ‘realidade
primeira’, no cotidiano de suas vidas, elas não dispõe’. E por que, num abrir e
fechar de olhos, essa máquina lhes é confiada? ‘bastam poucos movimentos
manuais para obter um objeto desejado dentro do campo disponível , ou chamar
alguém para a troca desta ou daquela fantasia, deste ou daquele contato’.
Porém, ‘tudo é direcionado para a sua própria satisfação imediata. Logo que eles
tenham alcançado o objetivo, quando objetos ou parceiros deixem de
interessá-los, empalidecem as representações dos objetos ainda há pouco
ansiado, da ação ou do contato com o outro, e com um movimento manual, um
clique no teclado, eles se afastam’, ‘como se nunca estivesse ali’. ( TÜRCKE,
2013, p.53)."
Türcke
(2013) não tem o propósito de reduzir o diagnóstico de TDAH simplesmente ao
fato da alta estimulação sensorial, pois entende que múltiplos fatores traumáticos, biológicos e de outras ordens
podem gerar esse quadro, todavia, busca argumentar que parte daqueles que são
afetados por esse transtorno tem sua origem neste fator ambiental cultural
próprio de nossa época.
O excesso
de estímulos provenientes dos choques de imagens constantes gera uma elevação
no nível de dopamina do cérebro, a cultura de estimulação com a constante
mudança de ângulos e lugares altera o funcionamento dos processo associativos.
A consequência disso foi que um número cada vez maior de indivíduos deixou de
corresponder a certos padrões tradicionais de cultura. Desenvolve-se um novo
padrão de atenção marcado por essa nova estimulação. Ao invés de se pensar em
novos padrões pedagógicos de educação e formação do imaginário, para evitar o
‘transtorno’ gerado por essas crianças, passa-se ao tratamento medicamentoso,
que busca inibir a abundância de dopamina no cérebro através do uso, sobretudo,
do metilfenidato, que inibe o potencial criativo da dopamina, o que é
fundamental para o desenvolvimento cerebral e sua estruturação. Esse fármaco
acaba por retardar o trabalho de formação do cérebro, que pode ser altamente
prejudicial para o desenvolvimento da criança, gerando um prejuízo inestimável,
pois acabam por inibir a curiosidade a vigilância própria da infância. O
medicamento mantém a atenção em seu período de uso, mas os estudos sobre os
efeitos sobre após o uso contínuo ainda são restritos e pouco precisos, segundo
o autor.
A
fixação em máquinas de imagens não pode ser desconsiderada na compreensão
dessas questões que envolvem nossa cultura e os processos educacionais. As
máquinas de imagem são captadoras de atenção por excelência, que roubam a
atenção das crianças ainda bebês, na qual passam mais tempo na frente de uma
tela qualquer do que desenvolvendo uma outra atividade. Precocemente a atenção
delas é roubada por imagens efusivas que superabundam seus cérebros de
dopamina, fazendo com que elas repartam a atenção com seu cuidador.
Esse
fator cultural faz com que cada vez mais tenhamos uma cultura que aponta para a
desatenção e para a hiperatividade.
Manter a
atenção em determinado objeto exige um esforço de concentração, pois não se
consegue ser eficiente em algo que exige grande concentração se ao mesmo tempo
está ligado a diversas outras coisas que exigem uma parcela de atenção.
Entretanto,
cada vez mais se torna recorrente a exigência da multitarefa, a cultura high tech propaga esse comportamento.
Quanto mais coisas uma pessoa consegue realizar coisas ao mesmo tempo, mas
versátil ela se torna e mais tempo ela poupa. Essa ideia parece ser absurda e
reforça que uma quantidade de estímulos de todas as formas adentrem de modo
concomitante o sensório humano repartindo a atenção. Essa ideia propaga e
contribuiu para erosão da capacidade de concentração e atenção, contribuindo
para o déficit de atenção e para a hiperatividade.
A
imaginação técnica utiliza de estímulos extremamente sensuais, impressões
diretas que atraem a capacidade de atenção de forma muita intensa. A imaginação
humana é incapaz de ter a mesma força de atração diante da imaginação técnica,
pois diante das imagens técnicas as imagens mentais parecem ser pálidas e sem
graça. As imagens técnicas adentram o espectador, não importando se são
ficcionais ou documentais, com tamanha intensidade que até parecem ser
alucinações. Aquele que se entrega às imagens técnicas entra em um
cenário que já foi previamente elaborado, sonhado para que o sujeito se
entregue sem maiores resistências e veja aquilo que foi programado para que
seja visto e pensado.
Essa
enxurrada de estímulos gerada pelas imagens técnicas ameaça a imaginação, pois
a imaginação é a capacidade de entrelaçar estímulos e impulsos, de forma que
esses se tornem figuras interiores. Esse processo é elementar na constituição
humana e exige certo esforço, pois as imagens são mais fracas que as percepções
advindas da realidade, o que faz com que se tenha a perfeita distinção entre o
real e a alucinação Todavia, os estímulos audiovisuais das imagens técnicas
invadem incessantemente as percepções dos mais jovens, a capacidade de atenção
humana se desgasta e gera uma nova forma de compulsão à repetição, na
qual as irradiações aclamativas por atenção gerada pelas imagens técnicas
desembocam em uma cultura dispersiva que colabora para o aumento incessante dos
casos de TDAH, pois o estímulo sensorial e explosões de dopamina que geram nos
cérebros mais jovens fazem com que o objetivo central de suas vidas seja
perseguir essa fonte rápida de choque, cuja a atenção se estabelece e se
dissipa incessantemente, a cada nova imagem produzida, não permitindo que nada
seja retido e percebido de fato.
"A capacidade de reter,
de retificar aquilo que foi visto faz parte da vivência de hominização que
acompanha o homo sapiens em seu processo cultural. Parte disso é reflexo de sua
compulsão a repetição, que se consolidou em ritual sagrado e que depois se
dispersou nas atividades cotidianas. Já na escola tradicional, o aluno que
tivesse um mau comportamento era posto para retenção, na qual era obrigado a
permanecer de castigo repassando os conteúdos. Outro comportamento é o dever de
casa, no qual aquele que reteve menos aquilo que foi ensinado passa mais tempos
para poder executar a atividade de fixação que foi passada. Assim, pode-se
concluir que a retenção é uma das técnicas culturais mais antigas que perseguem
a constituição humana. Uma cultura que não pode mais se deter sobre o que não
domina, desiste de si mesma (Türcke, 2013, p.85)."
Assim, Türcke (2013) defende que aprender a fazer e
ter tempo para isso é o fundamento de toda formação. As escolas básicas ao
longo de vários séculos utilizam da paciência e do uso de hábitos para que as
crianças compreendam e retenham comportamentos e conteúdos que lhe são
essenciais para a vida.
Portanto,
não se render a adaptar as aulas aos padrões da televisão e da internet e oferecer
às crianças peças teatrais, provérbios, poemas decorados, cópias de textos e
fórmulas, contos de fadas são todas formas de ir contra essa agitação que advém
das imagens produzidas, gerando a capacidade de concentração motora, afetiva e
mental necessárias para a formação cognitiva da pessoa. Quanto mais cedo essas
atividades são aplicadas, segundo o autor, menos aulas corretivas precisam ser
utilizadas para compensar os efeitos do TDAH.
Portanto,
longe de ser um diagnóstico sobre o TDAH, o que Türcke busca é refletir sobre
os impactos de uma cultura que cada vez mais parte da hiperestimulção sensorial
que minimiza a capacidade de reflexão e torna os sujeitos dependentes dessa
constante agitação provinda das imagens técnicas. Dessa forma, o regresso a
simplicidade daquilo que foi adquirido ao longo da experiência humana, como
contos e brincadeiras que se utilizam da fantasia e exigem a imaginação
desponta como um tipo de antídoto para essa agitação cultural que se
estabelece.
O desenvolvimento de atividades imaginativas, se pudéssemos
dizer, "analógicas", ou seja, que lançasse mão das imagens tradicionais e
não das imagens técnicas, seria uma forma de conduzir o desenvolvimento do
sujeito, minimizando os efeitos que as imagens técnicas têm tido sobre o mundo
imaginal, e como reforçado nos texto de Türcke (2013), afastando dos riscos de
uma cultura hiperestimulada e desatenta.
Sem dúvidas, para nós professores e
gestores da educação regressar a tais ferramentas mais tradicionais é um
desafio, todavia, não parece ser absurdo. Dessa forma, tal reflexão pode
colaborar para a educação apontando para
recursos que colaboram na capacidade de concentração e, consequentemente, de
percepção do real que o sujeito pode desenvolver durante sua formação. Como
sugestão deixo a indicação das duas obras de Türcke: "Sociedade excitada:
Filosofia da Sensação"(2010) e "“Hiperativos! Abaixo a cultura do déficit de
atenção"(2013).
BIBLIOGRAFIA
- TÜRCKE, Christoph. Hiperativos!
Abaixo a cultura do déficit de atenção. Paz & Terra: Rio de Janeiro/São
Paulo. 2013.
-TÜRCKE, Christoph. Sociedade
Excitada: filosofia da sensação. Editora Unicamp: Campinas. 2010.
*FÁBIO DA FONSECA JUNIOR
-Graduado em Filosofia e História;
-Mestre em Educação (UFLA) e
- Diretor
de Escola
Nota do Editor:
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