domingo, 15 de julho de 2018

A humanidade em Nós



Que somos seres humanos não há dúvidas ou questionamentos. É conhecido, sabido, definido, é fato, está dado. Embora seja demasiado difícil poder comportar, apropriar-nos e aceitar essa nossa condição humana, que passa a ser evitada e, muitas vezes, negada. Talvez passemos nossa vida tentando elaborar essa condição, lidando com o humano contra o qual lutamos tanto dentro de nós.

Por sermos humanos, sentimos e nos emocionamos, somos tocados e afetados pelo que vivemos e que nos rodeia. Não somos máquinas, preparadas e programadas; pelo contrário: somos arrebatados pelas adversidades e espontaneidades da vida. Mas, diante do inédito, que é cada momento de nossa vida, desconhecido por definição, abrigamo-nos em uma carapaça dura, muitas vezes nem dando chance de viver o que há para ser vivido, o que implica ser penetrado e abalado, em uma experiência emocional que  possibilite que algo possa surgir. O que vivemos exige tempo e espaço, não necessariamente cronológicos, mas mentais, para podermos atravessar a transitoriedade, pois, como a própria vida, o que vivemos também não é para sempre.

Temos pressa, queremos resolver, acabar com o que nos desestabiliza e voltar para uma pretensa tranquilidade e paz - como se a mente, viva que é, conseguisse aquietar-se “para todo o sempre”. Buscamos um estado de serenidade e contemplação ininterruptos, tão incompatíveis com o humano que nos habita. Queremos, rapidamente, tornar conhecido e familiar, tamanha a dor de não saber ou não compreender. Duro é perceber e apreender o que a intranquilidade pode fazer brotar e nascer em nós...

Viver aquilo que não é estruturado ou sabido coloca-nos diante do imprevisível, inusitado e insuspeitável. Comportar esse desafio de tolerar, inclusive não saber, é um processo de desenvolvimento contra o qual tanto brigamos. Freud nos lembra, em uma linda citação: “Somos feitos de carne, mas temos de viver como se fôssemos de ferro.”. Ou mesmo Saramago: “Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu fizeram-no de carne e sangra todo dia.”, ambos nos lembrando de que somos de-ma-si-a-da-men-te humanos...

É difícil encarar nossas falhas e temores, nossas fragilidades, vulnerabilidades.

 O choro e a tristeza perdem lugar, o luto perde a morada. Precisamos ser fortes! É preciso coragem! É como se não pudéssemos errar, não saber ou perder - precisamos, em nossa desejada onipotência, agir, ganhar, saber tudo, acertar. Perdemos, assim, nosso caráter mais humano, caminhando para um estado mental automatizado, robótico.

Por isso tanto se fala atualmente da necessidade da (re)humanização, como um lembrete de nossa condição e um alerta de como estamos, cada vez mais, desumanizando-nos, seja no contato com o outro ou conosco. Poder se reencontrar com nossa humanidade é um alento dentro da desertificação das relações atuais. É preciso sair da caverna para nos solidarizarmos com o outro e conosco, sentindo compaixão e nos comovendo, resgatando-se a humanidade em e entre nós.

POR ANA FLÁVIA DE OLIVEIRA SANTOS













-Psicóloga - CRP 06/90086 (FFCLRP-USP);
-Mestre em Ciências
–Área:Psicologia(FFCLRP-USP)e Especialista em Psicologia Clínica (CFP), Professora, Supervisora e Diretora de Ensino do Instituto de Estudos Psicanalíticos de Ribeirão Preto – IEPRP. 
Atende criança, adolescente e adulto. Consultório em Batatais e Ribeirão Preto – SP – tel.: 98812-5043.

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