quarta-feira, 6 de abril de 2016

Quem pode reclamar utilizando o CDC?





Em síntese, o conceito de consumidor é simples, todavia, muitas e muitas pessoas não podem utilizar-se do microssistema consumerista por não se encaixar no quesito mais importe deste tripé (consumidor → relação de consumo → fornecedor) que é o consumidor. Mas afinal, quem pode reclamar?

A pessoa física ou jurídica, a coletividade de pessoas e as vítimas de eventos, vejamos agora seus conceitos e sob quais circunstancias há o amparo legal.

O art. 2º do Código de Defesa do Consumidor apresenta a figura do consumidor, que na letra lei é: “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.

Conforme entende Filomeno (2007, p. 28), o conceito adotado para o consumidor foi exclusivamente econômico, pois julgar-se apenas o personagem que adquire bens ou utiliza serviços como destinatário final, vez que se assim o age é porque possui necessidade própria. 

Mas, o sujeito a ser tutelado pelo Código de Defesa do Consumidor não é definido em apenas um artigo, e sim em quatro dispositivos consumeristas, o que torna muito complexa tal conceituação, o art. 2º, caput, e parágrafo único, art. 17 e art. 29 do Código de Defesa do Consumidor.

Logo, vê-se que (parágrafo único do art. 2) º vislumbra-se outra figura, o consumidor equiparado, ipis litteris: Art. 2° [...] Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. 

Neste momento o CDC não trata mais daquele consumidor INDIVIDUAL e DETERMINADO, que conforme Oliveira (2009, p. 18): 
No mercado de consumo transitam consumidores efetivos e potenciais que nem sempre podem ser singularizados, ou que nem sempre podem estabelecer um enfrentamento direto com o fornecedor. Esse caráter ou manto coletivo não entorpece a identificação do consumidor, cujo albergue judicial e extrajudicial é assegurado por uma malha protetiva contemplada na Lei nº 8.078/90 que tem como ponto de partida justamente o parágrafo único do art. 2º. 

O parágrafo único do art. 2º tem por escopo atender a universalidade, conjunto de consumidores, ou grupo, classe ou categoria que se relacionam a determinado produto ou serviço. 

Mas verifica-se a conectividade existente entre os consumidores equiparados/coletividade de pessoas no parágrafo único do art. 2º, art. 17 e art. 29:

[...] são consumidores equiparados, ex vi o parágrafo único do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo; ex vi o art. 17 do CDC, todas as vítimas dos fatos do serviço, por exemplo, os passantes da rua quando avião cai por defeito do serviço, ou todos que estão em um shopping center que explode, sejam comerciantes ou visitantes futuros consumidores, todos são vítimas deste trágico acidente de consumo. Também, segundo art. 29 do Código de Defesa do Consumidor, são consumidores equiparados todas as pessoas determináveis ou não, expostas as práticas comerciais da oferta, de contrato de adesão, de publicidade, de cobrança de dívidas, de banco de dados sempre que vulneráveis in concreto. (Marques, 2012, p. 108)

O parágrafo único do art. 2º, das normas de extensão é a mais abrangente ao equiparar a coletividade de pessoas que haja intervindo nas relações de consumo, a proteção deste terceiro (bystander) é complementada pelo art. 17 que é aplicada somente aos arts. 12 a 16, quando denomina a equiparação de consumidores a vítima do evento, logo, basta ser vítima de algum produto defeituoso para ser equiparado ao consumidor, utilizando-se deste microssistema consumerista para requer o que entender por direito de forma administrativa e/ou judicial ou ambas. 

Por fim e não menos importante o art. 29 que serve para reprimir de forma eficaz os abusos do poder econômico e para proteger os interesses econômicos dos consumidores finais que estão expostas as práticas abusivas, mas a proteção supra não pertence somente ao consumidor stricto sensu, como também aos consumidores equiparados, determináveis ou não, a estas práticas (MARQUES, 2012) 

Com base nos artigos acima elucidados, questiona-se a aplicabilidade do CDC para os consumidores que não sejam o destinatário final do produto ou serviço, assim, a doutrina e a jurisprudência desenvolveram três teorias de cabimento as normas consumeristas, a Teoria Finalista, Teoria Maximalista e Teoria do consumidor Mitigado:

 a) Teoria Finalista: Esta teoria tem, por óbvio, o entendimento literal e positivo da letra da lei, logo, consumidor é aquela pessoa física ou jurídica que adquire produto ou utiliza serviço como destinatário final do mesmo. Como já supramencionado acima, Marques apresenta que o entendimento da Alemanha e França é o finalista, ou seja, a pessoa que utiliza produto ou contrata serviço como destinatário final, não o empregando em insumo, sem finalidade de auferir lucro, e Marques (2012, p. 93) denomina-se finalista, justificando e defendendo seu posicionamento: Para os finalistas, como eu, a definição de consumidor é o pilar que sustenta a tutela especial, agora concedida aos consumidores. Essa tutela só existe porque o consumidor é a parte vulnerável nas relações contratuais no mercado, como afirma o próprio CDC no art. 4º, inciso I. 

Logo, conviria delimitar claramente quem merece esta tutela e quem não necessita dela, quem é consumidor e quem não é. Os finalistas propõem, então, que se 59 interprete a expressão “destinatário final” do art. 2º de maneira restrita, como requerem os princípios básicos do CDC, expostos nos arts. 4º e 6º. “O destinatário final seria aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica” (MARQUES, 2012, p. 93). Desta feita não basta ser o destinatário fático do produto, mas também o destinatário final econômico do bem, não o utilizando para revenda, uso profissional, uma vez que assim seria novamente um instrumento de produção “cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu.” (MARQUES, 2012, p. 94). E como já definiu o STJ haveria consumo intermediário dentro das cadeias de distribuição ou produção. 

b) Teoria Maximalista Os maximalistas entendem o Código de Defesa do Consumidor como um novo regulamento as relações comerciais e não como normas de proteção do consumidor não liberal, instituindo normas e regulamentando os agentes de mercado, sendo um agente ora consumidor ora fornecedor, dependendo da situação. Nas palavras de Marques ao demonstrar o entendimento desta corrente “a definição do art. 2º deve ser interpretada o mais extensamente possível, [...], para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações no mercado”. (2006, p. 95). Marques continua sua explanação: Consideram que a definição do art. 2º é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final seria o destinatário fático do produto, aquele que o retira do mercado e o utiliza, consome, por exemplo, a fábrica de toalhas que compra algodão para reutilizar e a destrói. Demonstração da utilização desta teoria que vem se alastrando em nossos tribunais: 
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - TEORIA MAXIMALISTA - REFORMA DA SENTENÇA - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE EXCLUSÃO DA MULTA RESCISÓRIA - CULPA EXCLUSIVA DA OPERADORA DE TELEFONIA. - A corrente maximalista considera o CDC um estatuto geral do consumo, aplicável a todos os agentes do mercado, que ora ocupam a posição de fornecedores, ora de consumidores. Para os adeptos de tal entendimento, o conceito insculpido no art. 2º deve ser interpretado da forma mais ampliativa possível. Dessa forma, o destinatário final seria o destinatário de fato do produto, aquele que o retira do mercado. - Conquanto a teoria finalista seja amplamente difundida, a crítica que se faz a tal corrente de pensamento consiste no fato de que, se por um lado, a interpretação restritiva do conceito de destinatário final justifica a existência do microssistema consumerista, por outro, pode afastar a tutela protetiva das partes nitidamente vulneráveis da relação contratual. - Preliminares rejeitadas; agravo retido improvido e apelo provido. (TJ-MG, Relator: Domingos Coelho, Data de Julgamento: 10/04/2013, Câmaras Cíveis / 12ª CÂMARA CÍVEL) 
c) Teoria do Consumidor Mitigado Esta teoria vem ganhando espaço no direito consumerista e diminuindo com a aplicabilidade da teoria maximalista, salienta-se que o STJ não questiona qual teoria está sendo aplicada ou se o agente é destinatário final ou não do produto, mais sim se há vulnerabilidade na relação de consumo, logo, prevalece-se a aplicabilidade da teoria finalista, no entanto, mais branda, mitigada. As palavras da Professora Marques (2006) que sabiamente explica esta teoria que vem se firmando nos Tribunais, são didáticas como uma interpretação finalista mais aprofundada e madura, que deve ser saudada. Em casos difíceis envolvendo pequenas empresas que utilizam insumos para sua produção, mas não em sua área de expertise ou com uma utilização mista, principalmente na área dos serviços, provada a vulnerabilidade, conclui-se pela destinação final de consumo prevalente. Tal interpretação é possível haja vista a aplicabilidade do art. 29 do Código de Defesa do Consumidor que expressamente possibilita a aplicabilidade de consumidor equiparado uma vez que o CDC reconhece outras definições de consumidores. Como forma de expressar tal posicionamento jurisprudencial, acolhe-se julgado recente: 

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO E NOVAÇÃO DE DÍVIDA. RELAÇÃO DE CONSUMO. TEORIA FINALISTA MITIGADA. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CPC. SÚMULA 7/STJ. DANO MORAL. RAZOABILIDADE. 1.- [...]. 2.- A jurisprudência desta Corte tem mitigado a teoria finalista para autorizar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade. Precedentes. [...] Agravo Regimental improvido. (AgRg no REsp 1413889/SC, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/03/2014, DJe 02/05/2014).
Por fim, constata-se que mesmo não atendendo literalmente a lei, será consumidor aquele que apresentar situação de vulnerabilidade. Mas no art. 4º do Código de Defesa do Consumidor que trata da Política Nacional das Relações de consumo, que apresenta os princípios reguladores da lei possui em seu inciso I o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo. 

Desta forma, a mais recente teoria adotada pelo STJ parece ser mais abrangente pois além de atender ao direito positivado (a letra da lei) coloca em prática o princípio norteador da lei especifica que é o reconhecimento da vulnerabilidade.

Por TUANI AYRES PAULO



 -Advogada inscrita na OAB/SC sob o nº 37459;
 - Graduação pelo Instituto Blumenauense de Ensino Superior (2010);
- Pós Graduação Lato senso em Direito público ela UNIDERP - UNIVERSIDADE ANHANGUERA (2013) e 
-Atualmente presta serviços de Advocacia, Assessoria e Consultoria Jurídica.

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