©2025 Elvis Oliveira Magalhães
Por entre minúsculas pedras movediças caminhava o eremita, longe de todos aqueles iguais da sua espécie, ele se afastava cada vez mais para bem longe, distante o mais que pudesse daquilo que lhe tornava humano. As pedras tilintavam ao toque dos seus pés crus em cada ponta cortante de cada uma delas. Ao olhar para o longo horizonte, ele se dá conta que está só, realmente só diante de um grandioso abismo. Era o fim da linha, temia olhar para baixo e descobrir que este abismo, tal qual o do filósofo, também o olharia de volta. Deteve-se por alguns minutos. Buscou o fôlego e a coragem para dirigir o olhar para o fundo do precipício. Olhou! Nada! Este abismo não devolve a encarada que lhe dão, é diferente. Sentou-se, meio que decepcionado, esperava que seu olhar fosse retribuído, mas nem ao menos isto. Sentou-se de forma cômoda nas pedras que antes feriam seus pés, fechou lentamente os olhos e começou a meditar diante daquele imenso abismo a beira de si. Sua voz soava alto, ecoava bem forte dentro de sua própria cabeça, de modo que chegava a incomodar de tão retumbante em cada palavra proferida. Foi aí que o abismo cego, aquele que não o olhou, deixou de ser mudo e passou, não se sabe como, a responder cada um dos questionamentos levantados pela mente do eremita.
Ao som da primeira pergunta, aquele "e se" meio que despretensioso, uma voz gutural emergiu lá do fundo, subindo veloz como ar quente vindo a atingir os ouvidos do solitário questionador e ecoando por todo o deserto.
E se eu tivesse feito diferente todas as coisas que já fiz, se tivesse entrado na esquerda ao invés da direita, seguido em frente ao invés de ter parado, como teria sido, onde chegaria? O abismo lhe respondeu:
-Você não estaria aqui diante de mim, não poderia sequer formular tal pergunta, pois somos o que somos por que fizemos as coisas exatamente da forma que fizemos para nos tornarmos quem somos agora.
O eremita sobressaltou-se, não estava esperando uma resposta, ainda mais vinda do abismo. Imaginou então que era necessário ouvir o que este tinha a lhe dizer, acreditava que aquilo fosse algo mais do que apenas palavras vindas de sua própria mente.Continuou a perguntar.
E se eu tivesse falado o que sentia, se tivesse expressado melhor meus pensamentos ou me comunicado melhor com os outros ao meu redor, se não deixasse de falar tudo aquilo que sinto por quem amo, como teria sido? O abismo respondeu:
-Aquilo que não conseguimos expressar com palavras, é melhor que seja dito no mais absoluto silêncio.
O eremita ouvia aquelas palavras como se fossem um bâlsamo para a alma, não sentiu, pela primeira vez, uma acusação, um julgamento ou reprovação, eram explicações lúcidas e reconfortantes que lhe aliviavam o espírito e libertavam sua alma.
E se eu não for uma boa pessoa, se eu não respeitei quem merecia, ou machuquei quem amava, se de certa forma eu fui, durante toda minha vida, uma pessoa má, como posso ser perdoado? O abismo responde:
-Não podemos ser tão ruins ao ponto de não podermos ser perdoados por quem ofendemos.
O coração do eremita relaxou, sentiu-se mais leve que as nuvens do céu, tão leve como uma pena numa ventania, assim ele jubilava e regozijava-se ao som de cada palavra proferida. Não mais sentia o peso da existência em seus ombros, estava liberto do exercício da dúvida e da culpa. Levantou-se devagar, abriu os olhos como nunca os tinha aberto antes. Olhou em volta, depois olhou para o abismo e assim, de olhos abertos, bastante vibrantes, fez uma última pergunta.
E se eu pular, você me receberá tal como sou em carne, sangue e espírito? Receberá meu corpo e minha alma da forma como te entrego? Ao fim da pergunta, ele pulou! Mas, dessa vez, o abismo nada pode lhe responder, apenas o recebeu de braços abertos em sua imensa profundidade.
ELVIS OLIVEIRA MAGALHÃES
São suas palavras:
"Sou formado em Administração de Empresas, estou cursando Filosofia e sou Escritor por paixão"
Autor dos livros:
- O Colegial - Romance e
- Macho Machista
Ambos disponíveis na Amazon e-book.
Nota do Editor:
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