sábado, 13 de agosto de 2016

A liberdade educa ou a educação liberta?


[...] Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda... (Cecília Meireles)


A vinculação entre os objetivos do processo educacional e os ideais de liberdade e autonomia parece ser um elemento comum e recorrente nos mais variados discursos pedagógicos que marcaram o século XX. 

Bem, Sócrates era um homem livre? 

Um grego que lhe fosse contemporâneo responderia afirmativamente, sem hesitar. Afinal ele era um cidadão ateniense, com direito a voz e voto nas assembleias, podia participar da vida pública, exercia na Praça Pública - na Agora - e nos Ginásios sua liberdade, como seus concidadãos. Era livre porque cidadão de uma polis livre.

Ao comentar essa concepção de liberdade, concebida como uma potencialidade da vida política, Arendt afirma que, para os antigos:
"Antes que se tornasse um atributo do pensamento ou uma qualidade da vontade, a liberdade era entendida como o estado do homem livre, que o capacitava a se mover, a se afastar de casa, a sair para o mundo e a se encontrar com outras pessoas em palavras e ações. Essa liberdade, é claro, era precedida da liberação: para ser livre, o homem deve ter se liberado das necessidades da vida. O estado de liberdade, porém não se seguia automaticamente ao ato de liberação. A liberdade necessitava, além da mera liberação, da companhia de outros homens que estivessem no mesmo estado, e também de um espaço público comum para encontrá-los - um mundo politicamente organizado, em outras palavras, no qual cada homem livre poderia inserir-se por palavras e feitos." 
Claro está que ela está a recorrer à experiência política das polis democráticas para elucidar o sentido da noção de "liberdade" como atributo da vida pública, não está interessada exclusiva ou preponderantemente na apresentação de um dado histórico.

Trata-se de, por meio da análise de um momento histórico, ressaltar uma dimensão do conceito de liberdade que foi obliterada a partir da emergência das noções estoica e cristã de "liberdade interior". Em ambas, em que pesem outras importantes diferenças, concebe-se a "liberdade" como faculdade de escolha de um indivíduo, por exemplo, em face de uma contingência da vida ou de um dilema ético. A liberdade migra, assim, do âmbito da ação política na esfera pública para o do interior da alma humana. Sua experiência deixa de ser ligada ao poder de homens que agem em concerto, para se referir a uma característica do tipo de relação que se estabelece entre um indivíduo e sua consciência ou sua vontade.

Assim, ao desvelar o processo de interiorização da liberdade, Arendt reafirma sua preocupação com a dignidade da ação política, na medida em que esta potencializa a liberdade como faculdade humana de fazer emergir algo inesperado, romper com processos históricos automáticos cristalizados numa ordem política e social herdada para criar o novo, para começar algo imprevisto e imprevisível:
"Fluindo na direção da morte, a vida do homem arrastaria consigo, inevitavelmente, todas as coisas humanas para a ruína e a destruição, se não fosse a faculdade humana de interrompê-las e iniciar algo novo, faculdade inerente à ação como perene advertência de que os homens, embora devam morrer, não nascem para morrer, mas para começar."
Assim, ontologicamente radicada no homem como faculdade, a liberdade se manifesta como fenômeno tangível e público na ação que, ao romper com o passado, cria o novo, dá à luz algo que não se reduz a uma consequência "necessária" desse passado, nem à atualização de uma potencialidade previamente vislumbrada, mas que, como um milagre, interrompe um processo automático de forma inesperada. Há, pois, um inegável sentido programático na distinção por ela proposta entre "liberdade" como condição política e como autonomia da consciência ou da vontade; ainda que tal distinção não vise uma orientação prática imediata de qualquer sorte *.

E não é menos potencialmente programática ou persuasiva a clássica concepção da liberdade dos modernos, tal como a propõe Benjamin Constant ao contrastá-la com a dos antigos:
"O que em nossos dias um inglês, um francês, um habitante dos Estados Unidos da América entendem pela palavra liberdade? [...] É para cada um o direito de não se submeter senão às leis, de não poder ser preso, nem detido, nem condenado, nem maltratado de nenhuma maneira, pelo efeito da vontade arbitrária de um ou de vários indivíduos. É para cada um o direito de dizer sua opinião, de escolher seu trabalho e de exercê-lo; de dispor de sua propriedade, até de abusar dela; de ir e vir, sem necessitar de permissão e sem ter que prestar conta de seus motivos ou de seus passos. É para cada um o direito de reunir-se a outros indivíduos, seja para discutir sobre seus interesses, seja para professar o culto que ele e seus associados preferirem, seja simplesmente para preencher seus dias e suas horas de maneira mais condizente com suas inclinações, com suas fantasias. (p. 81, grifos meus)"
Ora, é evidente que, em face dessa formulação do conceito de liberdade, a resposta à pergunta anterior - "Sócrates era um homem livre?" - seria necessariamente outra. Poderia ser objetado que, apesar de cidadão de uma polis, Sócrates não tinha o direito de exercitar livremente sua crítica, já que ela o levou à condenação e à morte, num claro constrangimento à liberdade de consciência, escolha e expressão individual. Ao contrário da noção anterior, na qual a realização da liberdade exige a ação política e, portanto, o encontro entre pares num espaço comum que comporte a pluralidade dos homens, a concepção apresentada por Constant é a da liberdade do indivíduo. Nela a liberdade identifica-se antes com a garantia de limites de interferência nas escolhas individuais do que com o poder de ação conjunta. Trata-se de uma liberdade em relação ao outro, enquanto a dos antigos é concebida como a capacidade de ruptura em relação ao passado, decorrente da autonomia política dos cidadãos. Por isso, muitas vezes a concepção moderna que identifica a liberdade com os direitos civis tem sido definida como uma "liberdade negativa", no sentido de que se realiza por meio das garantias de "não interferência" do Estado em âmbitos fundamentais da vida de um indivíduo. Como destaca Berlin (2002):
"[...] a defesa da liberdade consiste na meta negativa de evitar a interferência [...]. Essa é a liberdade como foi concebida pelos liberais no mundo moderno desde Erasmo aos nossos. Toda reivindicação de liberdades civis e direitos individuais, todo protesto contra a exploração e a humilhação, contra o abuso da autoridade pública, ou a hipnose de massa do costume ou da propaganda organizada, nasce dessa concepção individualista e muito controvertida acerca do homem. )"
É importante frisar que não se trata da mera substituição histórica de um conceito por outro, tido por mais adequado, como no caso do conceito de "movimento" na física moderna em relação à aristotélica. Tampouco de duas concepções que, por incidirem sobre aspectos diferentes da experiência de liberdade, podem ser somadas e harmonizadas sem grandes conflitos. Embora não sejam logicamente incompatíveis, essas concepções de liberdade - como atributo da vida política ou como conjunto de liberdades individuais e direitos civis - representam, historicamente, perspectivas alternativas engendradas por modos de vida distintos e alimentadas por princípios muitas vezes conflitantes.

É evidente que a dicotomia apresentada não esgota a diversidade de perspectivas sobre o tema. Ela busca, tão somente, ilustrar o caráter persuasivo que costuma impregnar a apresentação e difusão do conceito de "liberdade" em discursos políticos, já que, para além da elucidação de um sentido, sua elaboração conceitual se vincula a princípios capazes de inspirar ações e transformar práticas. Assim, a busca pela elucidação das divergências implica uma avaliação dupla, que considere tanto as delimitações teóricas quanto as práticas historicamente associadas a cada uma das perspectivas em disputa.

À primeira vista esse aparente consenso poderia indicar um raro acordo em um campo marcado por disputas teóricas e práticas, em geral fundadas em pressupostos divergentes e que costumam apontar para ideais conflituosos e procedimentos alternativos. 

Vou procurar argumentar no sentido de que essa aparente unanimidade tende a se esvair na medida em que se elucidam os diferentes sentidos atribuídos ao ideal de "liberdade" e que se confrontam os esforços práticos por meio dos quais se busca realizá-lo no campo da educação. 

Para isso, recorro à análise de algumas das diferentes acepções do conceito de "liberdade", opondo a concepção que nela vê um desígnio político a ser alcançado na vida pública às correntes que a identificam ora com a faculdade subjetiva da vontade, ora com a não interferência na escolha individual. 

Feitas essas reflexões e sabedora da complexidade delas propõe que afirmemos que o processo educacional e revolucionário e libertador, mas a Educação genuína emerge da Liberdade plena."

REFERÊNCIA

*Deve-se destacar que o caráter programático ou persuasivo de uma definição ou conceito depende não de sua formulação, mas do contexto linguístico em que ocorre. Assim, uma mesma formulação linguística pode ter ora um papel programático, ora descritivo ou elucidativo. 

Por SELMA MARTINS


- Publicitária;
- Pedagoga; e
- Apaixonada pela vida
-Frase:Pior que a verdade é a convicção: Nos limita e impede nossa evolução
-Mora Em Capinas, São Paulo

Por PEDRO BENEDITO NETO










- Campinense residente no Chile;
-Formado em Teologia e Ciências Sociais;
-Pós graduado em Economia, História;
- MBA em Negócios e Terceiro Setor
No Brasil tem parceria com o ICEP (Instituto Campinas de Ensino e Pesquisa) e com a Escola Arquimedes trocando experiências e resultados de projetos.

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