sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Uma sociedade de trabalhadores cansados


 Autora: Maria Rafaela de Castro (*)

Vivemos numa sociedade cansada.

Vivemos, inegavelmente, num mercado de trabalho exausto em que as pessoas, literalmente, não desligam, permanecendo on-line quando deveriam estar em pausa, off-line, fora da zona de tensão. Talvez você, leitor (a), identifique-se imediatamente, lendo esse texto num raro momento de pausa e verá que o cansaço não deve ser nosso estado natural.

É uma reflexão velha, mas que se torna cada vez mais gritante e nefastamente contemporânea, saltando aos olhos de todos nós, trabalhadores, cidadãos, profissionais de saúde mental, operadores do direito etc. quando dizemos com cada vez mais frequência que "precisamos de férias".

Abro parênteses e sugiro para quem almeja aprofundar nessa reflexão a detida leitura da obra "Sociedade do Cansaço" do autor coreano Byung-Chul Han, em que trata, entre outras temáticas, sobre como o trabalho pode adoecer uma sociedade e, principalmente, sobre as consequências práticas na vida da humanidade como um todo. É um livro curto, entretanto, com profundidade capaz de nos fazer mudar a concepção de como vemos a produtividade como um fator exclusivamente positivo. Mera ilusão.

A reflexão que o tema exige, principalmente, após o período pandêmico, é de como todos nós fomos atingidos e nos colocamos conectados a tudo por muito mais tempo e de forma quase que integral, esmagando nosso sagrado direito de pausar, descansar e ter lazer.

O nosso "ócio produtivo" está cada vez mais desgastado e esquecido diante de planilhas de excell com as metas profissionais e pessoais e com a corrida contra o tempo para cumprir prazos e metas. É uma exigência que beira, muitas vezes, ao assédio moral nas relações laborais e que naturalizamos indevidamente.

É mister analisar o trabalho que queremos para o futuro, principalmente, aqueles que estão no teletrabalho, no home office, nas plataformas digitais, sob as perspectivas em diversos campos das ciências sociais e da psicologia nas relações humanas e, portanto, sob a ótica e questionamento de como está a saúde do trabalhador numa sociedade acelerada em que a produtividade é um fim em si mesmo.

Compreende-se que a exigência constante do aumento de produtividade através de intervenções tecnológicas tornam o trabalho na sociedade hodierna mais suscetível a nos adoecer mentalmente com a ideia de degradação e a caracterização das condições hostis de labor porque os obreiros são submetidos às extensas jornadas para atender um patamar remuneratório mínimo para o pagamento de suas despesas.

Ainda compreende-se que uma sociedade saudável é aquela que permite postos de trabalho dignos para quem almeja trabalhar em paralelo às inovações tecnológicas que, por sua vez, não devem ser vistas como um empecilho social, e com a concessão de, ao menos, os direitos mínimos, como a pausa, o descanso. 

Nesse cenário, é preciso humanizar nossa sociedade para que o trabalho não continue adoecendo mental e fisicamente a todos nós, pois não somos máquinas e nem nossa pausa deveria ser controlada por algoritmos.

Deve-se evitar que essa busca pela produtividade a todo custo e ficar conectada o tempo inteiro proporcione sofrimento a curto, médio e longo prazo. Não é à toa que a doença da Síndrome de Burnout é temática constante nos consultórios médicos e nos "CID" dos atestados entregues no RH das empresas. E isso é uma tendência mundial, infelizmente.

É necessário enfrentar a questão da empregabilidade nos tempos atuais, mas sem perder de vista a humanização do trabalhador e do  prestador de serviços. O cansaço não pode ser a regra de nossas vidas profissionais, sob pena de um retrocesso nos direitos humanos.

* MARIA RAFAELA DE CASTRO

-Graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará(2006);
-Pós -Graduada em Direito do Trabalho pela Faculdade Estácio de Sá (2008);
-Mestrado em Ciências Jurídicas na Universidade do Porto /Portugal(2016);
-Doutoranda em Direito na Universidade do Porto/Portugal;
Juíza do Trabalho Substituta da 7a Região; 
-Formadora da Escola de Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará;
-Professora de Cursos de Pós Graduação na Universidade de Fortaleza - Unifor;
-Professora de cursos preparatórios para concursos públicos;
-Professora do curso Gran Cursos online;
-Professora convidada da Escola Judicial do TRT 7a Região; Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; e
-Palestrante.

Instagram @juizamariarafaela

Nota do Editor:

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