quarta-feira, 26 de abril de 2023

O Estado deve arcar com procedimentos/medicamentos não cobertos pelo SUS?


 Autora Stella  Cerny (*)

A partir dessa indagação temos diversas situações que são enfrentadas diariamente pela população que busca o direito à vida, à saúde. Como é notório, um dos princípios norteadores do SUS é a universalidade do atendimento. Mas o SUS tal como se apresenta no Brasil, encontra limites orçamentários e humanos.

Daí a pergunta: O SUS deve arcar com toda e qualquer prescrição médica? Com o vertiginoso aumento de ações em busca por medicamentos, tratamentos, entre outros, foi instituído pelo CNJ, através da Resolução 107/2010 o Fórum Nacional do Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde.

Em linhas gerais fixou os seguintes critérios:
"Art. 3º No âmbito do Fórum Nacional serão instituídos comitês executivos, sob a coordenação de magistrados indicados pela Presidência e/ou pela Corregedoria Nacional de Justiça, para coordenar e executar as ações de natureza específica, que forem consideradas relevantes, a partir dos objetivos do artigo anterior.

Artigo 4º O Fórum Nacional será integrado por magistrados atuantes em unidades jurisdicionais, especializadas ou não, que tratem de temas relacionados ao objeto de sua atuação, podendo contar com o auxílio de autoridades e especialistas com atuação nas áreas correlatas, especialmente do Conselho Nacional do Ministério Público, do Ministério Público Federal, dos Estados e do Distrito Federal, das Defensorias Públicas, da Ordem dos Advogados do Brasil, de universidades e outras instituições de pesquisa.

Artigo 5º Para dotar o Fórum Nacional dos meios necessários ao fiel desempenho de suas atribuições, o Conselho Nacional de Justiça poderá firmar termos de acordo de cooperação técnica ou convênios com órgãos e entidades públicas e privadas, cuja atuação institucional esteja voltada à busca de solução dos conflitos já mencionados precedentemente."
O CNJ solicitou que todos os tribunais do país instituíssem o referido comitê de saúde, bem como os tribunais regionais, tendo em vista as questões de medicamentos e tratamentos ajuizadas contra a União.

A discussão sobre medicamentos e tratamentos não cobertos pelo SUS já vinha de longa data, sendo que o STJ decidiu e fixou o Tema 106:
"Direito à saúde. Medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS. Fornecimento pelo Poder Público. Obrigatoriedade. Caráter excepcional. Requisitos cumulativos. Tema 106."
Somente para se ter uma ideia de quantas ações existiam à época do julgamento do Tema 106, mais de 8.800 processos foram suspensos em todo o território nacional aguardando a decisão judicial. Mas como foi enfrentada a questão pelo STJ?

Foi decidido que para concessão de medicamentos não incorporados nas listas do SUS (Rename) há a necessidade de comprovação cumulativa dos seguintes requisitos: a) laudo médico que ateste a imprescindibilidade ou necessidade do medicamento e ineficácia dos medicamentos fornecidos pelo SUS; b) incapacidade financeira de arcar com o medicamento; c) registro na ANVISA do medicamento solicitado.

Portanto, restou claro que o julgamento não fixou a lista do Rename como taxativa, mas sim exemplificativa, adotando o SUS o binômio: protocolos clínicos incorporados e listas editadas pelos entes públicos.

Ressaltamos ainda que o Ministério da Saúde e o Conitec são os responsáveis pela inserção, alteração, dentre outras condutas de novos medicamentos, conforme Lei 8080/90, artigo 19-Q[1]. O Conitec observará as evidências científicas e avaliação econômica do medicamento (benefício x custos).

O SUS pautou-se na "Medicina baseada em evidência", tão difundida pelo Prof. Dr. Álvaro Nagib Atallah. Com isso, adotaram-se os 'Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas', que são o conjunto de critérios que permitem determinar o diagnóstico de doenças e o tratamento correspondente com os medicamentos disponíveis e as respectivas doses.

Há que se dizer que no SUS as doenças são custeadas em blocos ao contrário do que ocorre nos planos privados. O médico ao prescrever deverá levar em conta o custo do medicamento aliado à eficácia cientifica para aquela patologia. Isso quer dizer que se houver dois medicamentos para o mesmo tratamento o medicamento listado no Rename será usado, mesmo havendo outro comercializado pela Anvisa.

Ademais, o artigo 19-M[2] da Lei 8.080/90 prevê o fornecimento de medicamentos em consonância com o protocolo clínico para a doença – cuja definição encontra-se no artigo 19-N[3], II, da Lei 8.080/90 –, ou, na falta de protocolo, de acordo com as relações de medicamentos instituídas pelos gestores do SUS, consoante disposto no artigo 19-P[4] da mesma Lei.

Estabeleceu-se, ainda, nos artigos 19-Q a 19-R[5], as formas de incorporação, exclusão ou alteração de medicamentos pelo SUS, tendo em vista a evolução científica e os benefícios decorrentes do avanço da Medicina.

Nesse contexto, admite-se a adoção de novos fármacos, antes não abrangidos pelo sistema do SUS, considerando "as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo, acatadas pelo órgão competente para o registro ou a autorização de uso" (art. 19-Q, § 2º, I, da Lei 8.080/90).

O registro do medicamento na ANVISA possibilita às autoridades sanitárias do Estado o controle das substâncias de interesse à saúde pública, a fim de garantir ao consumidor a qualidade, a eficácia e a segurança do produto, sendo o primeiro requisito para que o Sistema Único de Saúde providencie a sua incorporação à rede pública.

O laudo médico deverá relatar que todos os tratamentos e medicamentos foram usados para melhora do quadro clínico do paciente, mas sem qualquer sucesso no tratamento. Mas e se o medicamento não foi incorporado pelo Sistema Único de Saúde? Entendeu-se que essas listas devem ser consideradas apenas como orientação na prescrição não possuindo força legal capaz de impor aos médicos a prescrição de certos medicamentos, tendo em vista a constante evolução da Medicina.

Acrescente-se que o fato de existirem alternativas terapêuticas oferecidas pela rede pública de saúde, para o tratamento da moléstia do paciente, não desonera o Estado da obrigação de fornecer o medicamento necessário e adequado ao tratamento buscado, na forma prescrita pelo médico.

Quanto à incapacidade financeira, deve-se entender como aquela no que tange à impossibilidade de arcar com os custos do tratamento/medicamento. Aqui não se trata de incapacidade econômica para arcar com os custos do processo, a justiça gratuita.

E finalmente, quanto ao registro do medicamento na Anvisa, é condição precípua. Mas e quanto a medicamentos que não foram registrados? E medicamentos importados? Aqui também restou decidido que é viável desde que no país de origem tenha sido registrado pelos órgãos competentes. Teríamos aí a chancela do órgão produtor atestando a segurança e eficácia do medicamento. A Anvisa faz desde o registro até a fixação do preço, atestando a segurança e o benefício do produto, sendo requisito necessário para ser incorporado pelo SUS.

Portanto, podemos concluir que caso o medicamento não conste na lista do SUS (Rename), alguns requisitos deverão ser preenchidos para que o paciente consiga êxito em eventual ação judicial, sendo que um ponto de extrema relevância e adotado pelo SUS e pelos NatJus dos tribunais de justiça, é que haja evidência científica do tratamento prescrito para a doença mencionada e esgotamento de todas as possibilidades indicadas pelo SUS.

No que tange a medicamentos off-label, importados e doenças raras, são objetos de posterior artigo no qual abordaremos as questões e o modo como nossos tribunais têm se posicionado.

REFERÊNCIAS

[1]A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. § 1o A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, cuja composição e regimento são definidos em regulamento, contará com a participação de 1 (um) representante indicado pelo Conselho Nacional de Saúde e de 1 (um) representante, especialista na área, indicado pelo Conselho Federal de Medicina. § 2o O relatório da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS levará em consideração, necessariamente: I - as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo, acatadas pelo órgão competente para o registro ou a autorização de uso; II - a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas, inclusive no que se refere aos atendimentos domiciliar, ambulatorial ou hospitalar, quando cabível;

[2]Art. 19-M. A assistência terapêutica integral a que se refere a alínea d do inciso I do art. 6o consiste em: (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011):

I - dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, na falta do protocolo, em conformidade com o disposto no art. 19-P; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011);
II - oferta de procedimentos terapêuticos, em regime domiciliar, ambulatorial e hospitalar, constantes de tabelas elaboradas pelo gestor federal do Sistema Único de Saúde - SUS, realizados no território nacional por serviço próprio, conveniado ou contratado;
[3]Art. 19-N. Para os efeitos do disposto no art. 19-M, são adotadas as seguintes definições: (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011):
I - produtos de interesse para a saúde: órteses, próteses, bolsas coletoras e equipamentos médicos; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011);
II - protocolo clínico e diretriz terapêutica: documento que estabelece critérios para o diagnóstico da doença ou do agravo à saúde; o tratamento preconizado, com os medicamentos e demais produtos apropriados, quando couber; as posologias recomendadas; os mecanismos de controle clínico; e o acompanhamento e a verificação dos resultados terapêuticos, a serem seguidos pelos gestores do SUS. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)
[4]Art. 19-P. Na falta de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, a dispensação será realizada: (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)
I - com base nas relações de medicamentos instituídas pelo gestor federal do SUS, observadas as competências estabelecidas nesta Lei, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Tripartite; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011);
II - no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores estaduais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão IntergestoresBipartite; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011);
III - no âmbito de cada Município, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores municipais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada no Conselho Municipal de Saúde. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

[5]Art. 19-R. A incorporação, a exclusão e a alteração a que se refere o art. 19-Q serão efetuadas mediante a instauração de processo administrativo, a ser concluído em prazo não superior a 180 (cento e oitenta) dias, contado da data em que foi protocolado o pedido, admitida a sua prorrogação por 90 (noventa) dias corridos, quando as circunstâncias exigirem. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

§ 1º O processo de que trata o caput deste artigo observará, no que couber, o disposto na Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999, e as seguintes determinações especiais: (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011):

I - apresentação pelo interessado dos documentos e, se cabível, das amostras de produtos, na forma do regulamento, com informações necessárias para o atendimento do disposto no § 2o do art. 19-Q; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011);


III - realização de consulta pública que inclua a divulgação do parecer emitido pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011);

IV - realização de audiência pública, antes da tomada de decisão, se a relevância da matéria justificar o evento. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011);

V - distribuição aleatória, respeitadas a especialização e a competência técnica requeridas para a análise da matéria; (Incluído pela Lei nº 14.313, de 2022);

VI - publicidade dos atos processuais. (Incluído pela Lei nº 14.313, de 2022)


* STELLA SYDOW CERNY













-Advogada, graduada pela FMU (1997); 

-Especialização em Direito Imobiliário - ESA

-Pós-graduada em Direito Previdenciário – Verbo Educacional

-Pós-graduada em Direito Médico e da Saúde – EPD.

-Membro Efetivo da Comissão Permanente de Defesa do Consumidor da OAB/SP;

-Membro da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB/SP;

-Atuando na Cerny Advocacia desde 2006; e

-Atuação nas áreas de planos de saúde, cível, consumidor e previdenciário (www.cernyadvocacia.com.br ).


Nota do Editor:


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