segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Os Partidos Políticos e a Democracia


 Autor: Alexandre Melatti(*)


1. Introdução

Importante analisar a democracia brasileira e os partidos políticos, bem como a própria democracia interna destes, porque é através deles que são eleitos os representantes do povo.

Segundo alguns autores, a democracia brasileira é tida como liberal, pois é fundada na diversidade, na divergência, na liberdade e igualdade. Pelo aspecto normativo, o regime político brasileiro é uma democracia ambiciosa, que combina ideais de liberdade, de igualdade, de soberania popular, do pluralismo político e do princípio republicano.

Nesse sentido, afirma Arnaldo Manuel Abrantes Gonçalves (2005):

"O conceito moderno de democracia é distinto. É dominado pela forma de democracia eleitoral e plebiscitária maioritária no Ocidente, a que chamamos democracia liberal ou representativa. Mas não obstante a sua aceitação generalizada – sobretudo no pós-guerra Fria - a democracia liberal é apenas uma das formas de representação balanceada de interesses, compreendida num conceito global de isonomia."

O autor explica em suas notas que se refere ao liberalismo em duas concepções, contemplando o clássico, fundado nos direitos individuais, de propriedade, relativos, e o contemporâneo, no qual os modernos liberais vêm as pessoas em termos coletivos e enfatizam os direitos humanos. Destaca ainda o autor que "ambas as concepções ou etapas na evolução do pensamento liberal partilham a mesma crença na individualidade, na liberdade, na razão, na igualdade, na tolerância, no consenso e no constitucionalismo". (GONÇALVES, 2005).

Nesse sentido, Sartori (2009, p. 60, apud SALGADO E HUALDE) afirma que nossas "democracias são, na verdade, democracias liberais, e a democracia que praticamos é a democracia liberal." 

Isso porque, a democracia estabelece quem exerce o poder e o liberalismo trata de como se exerce. Assim, a primeira objetiva realizar a igualdade e o segundo busca garantir a liberdade. Nesse sentido, destaca Salgado e Hualde (2015, p. 66) que "as democracias argentina e brasileira são democracias liberais; que reconhecem leis e direitos que a “governam". Em ambos os casos, as democracias reconhecem uma Constituição e, ainda, princípios que não podem ser desvirtuados".

Como abordado anteriormente, o modelo liberal se pauta na Lei, para que esta estabeleça os limites de interferências do Estado na liberdade dos indivíduos, e também para garantir a própria autonomia individual, além de priorizar o sistema representativo, vez que possibilita maior tempo para se exercer a sua liberdade não-política. Nesse sentido, a Constituição brasileira constituiu um Estado democrático de direito, estabelecendo limites estatais, bem como garantiu direitos individuais, políticos e sociais.

Entretanto, não se nega os aspectos republicanos da Constituição, incluindo uma cidadania participativa, com instrumentos de democracia direta, bem como possibilidades de contestação de atos do Estado e de indivíduos privados, como o direito ao acesso à Justiça e a Ação Popular, visando resguardar a moralidade, o meio ambiente, a cultura, e outros valores republicanos.

Na democracia brasileira os partidos políticos assumiram um papel central e de fundamental importância, pois a representação política é monopólio das agremiações partidárias. Para compreender a importância dos partidos político, se faz necessário conhecer a história e o surgimento das agremiações nos países. Atualmente, muito se critica em relação às entidades partidárias, contudo, conforme se notará, com breves apontamentos históricos, da posição fundamental que os partidos desempenham nas democracias.

2. Partidos Políticos e democracia interna

Uma questão que deve se analisar é o distanciamento dos partidos do seu papel, de canal democrático de participação, sendo que o ponto chave para se examinar o distanciamento entre o papel ideal previsto constitucionalmente dos partidos e o que efetivamente vem desempenhando "nas democracias titubeantes da América Latina está na falta de incorporação da cultura e das práticas democráticas no interior dos partidos." (SALGADO; HUALDE, 2015, p. 69).

Victor Nunes Leal (2012) em sua obra destaca que o próprio fenômeno do coronelismo é resultado da implementação do sistema representativo em uma estrutura econômica e social fraca e inadequada, de modo que o poder privado concentrado nos donos de terras em um país extremamente agrário não perdeu força com a implementação do regime representativo, mas se adaptou por meio de um compromisso e uma troca de proveitos entre o poder privado e o público:

"Paradoxalmente, entretanto, esses remanescentes de privatismo são alimentados pelo poder público, e isso se explica justamente em função do regime representativo, com sufrágio amplo, pois o governo não pode prescindir do eleitorado rural, cuja situação de dependência ainda é incontestável. (LEAL, 2012, p. 23)."
Afirma, ainda, o autor que desse compromisso entre privado e o público "resultam as características secundárias do sistema “coronelista", como sejam, entre outras, o mandonismo, o filhotismo, o falseamento do voto, a desorganização dos serviços públicos locais”. (Idem). Não é novidade que muitos partidos políticos brasileiros priorizam a manutenção dos quadros partidários, seja por políticos com mandato, seja com filhos e indicados destes.

Esta situação se reflete também no Congresso e demais instâncias representativas (Câmara Municipais e Assembleias Legislativas), de modo a sufocar o aparecimento de novas lideranças, em que pese o recente fenômeno de digitalização da política oportunizou o surgimento de novas personalidade públicas com um efeito parecido com o que detinha as mídias tradicionais.

Max Weber (1944), conforme aponta Santano (2017, p. 87), acompanha a posição de outros autores quanto à estrutura burocrática partidária e:

"entende que dentro dos partidos políticos sempre haverá uma estrutura oligárquica, baseando-se em um princípio semelhante ao da hierarquia administrativa, e isso é assim porque as organizações partidárias como um todo se constituem, no que em suas palavras seria "a partir de uma estrutura pura de dominação do quadro administrativo”, ou seja, da burocracia."

Os partidos políticos, como já destacado, podem ser conceituados como associações de cidadãos, de carácter duradouro, que procuram, por meio de eleições, conquistar legitimamente o poder, a fim de materializarem seus ideais e programas visando a solução dos problemas encontrados pela comunidade.

A Constituição garantiu aos partidos autonomia para fixar, em seu programa, seus objetivos políticos e para estabelecer, em seu estatuto, a sua estrutura interna, organização e funcionamento, bem como regular a participação dos filiados, a forma de administração, eleição, e outros assuntos internos. Desta forma, no Brasil existe uma forte concentração do poder nos dirigentes dos partidos que sempre buscam manter a sua posição "com franca preferência por determinados políticos. Não há, como regra, disputa democrática interna nos atores principais dos regimes democráticos". (SALGADO; HUALDE, 2015, p. 76).

Assim, em análise aos modelos de liberdade política, não há ausência de dominação nos partidos políticos, pois embora a filiação partidária seja um direito constitucional, bem como a fundação de partidos, e em que pese a lei garantir a liberdade das agremiações partidárias, o fato é que há uma dominação dentro dessas entidades, seja por dirigentes, seja por políticos eleitos.

Os filiados não são chamados a participar de maneira livre, contestatória nas eleições intrapartidárias, sendo que as convenções se tornaram meramente burocráticas e homologatórias de acordos prévios entre os "caciques partidários". No sentido habermasiano, os partidos poderiam assumir o papel de espaços públicos autônomos de formação democrática da opinião e vontade popular, sendo aliás esse o papel esperado das agremiações partidárias em uma democracia como a brasileira.

Mas, para que as organizações políticas assumam essa função de canalizadora e mediadora da opinião e vontade pública formal e informal se faz necessária liberdade e democracia interpartidária. Isso porque, com dominação, interferência e pragmatismo de mercado, os partidos afastam a sociedade civil da esfera pública, impossibilitando uma maior participação democrática de modo a aproximá-la da própria política parlamentar.

Desse modo, percebe-se que, cada vez mais, organizações oriundas da sociedade civil e até mesmo corporativas do mercado, têm assumido o papel social dos partidos, contribuindo ainda mais para o déficit de representação, a partir do momento em que as discussões e a formação da vontade passa do âmbito partidário (canal legítimo de ligação entre Estado e povo) para uma esfera privada, com interesses que não são os mesmos da coletividade.

A ausência de democracia interna, de renovação dos quadros partidários, somados ao desprestígio social, ao esquecimento e criminalização da política, relações nada republicanas entre partidos e poder econômico, "acaba por criar condições para discursos políticos que, apesar de utilizarem a gramática da democracia, flertam com soluções nada adequadas a um sistema democrático". (SALGADO; HUALDE, 2015, p. 64)

E nisso os partidos acabam por se afastar ainda mais da sua função de mediação entre os níveis das esferas públicas, se tornando meramente protocolares, uma espécie de cartório eleitoral para fins de candidatura eletiva, o que permite uma força ainda maior das instituições econômicas e colabora para a privatização da política e do espaço público.

Assim, a própria liberdade, tanto do modelo liberal quanto no republicano e, principalmente, no deliberativo, está ameaçada, vez que esse distanciamento dos partidos e população, faz com que estes deixem de cumprir o seu papel na esfera pública e se percam na teia das relações virtuais, permitindo que cheguem ao poder projetos que se dizem democráticos, mas, ao fundo, negam valores republicanos e liberais.

3. Conclusão

Conforme se notou, os partidos políticos devem buscar efetivar a democracia interna, a alternância do poder, além de criar mecanismos de transparência e integridade, pois se faz necessário voltar às bases, voltarem ao seu papel de meio para o efetivo exercício do poder na democracia brasileira, deixando de negociar e fortalecendo o debate e as ações comunicativas de seus filiados.

As agremiações partidárias necessitam retomar seu papel na esfera pública para assimilar os anseios formados, especialmente, nas esferas informais de formação da opinião e da vontade, retirando das instâncias puramente privadas as discussões políticas que formam as decisões parlamentares.

Isto, tendo como fundamento os valores liberais e republicanos, reunidos na política deliberativa de Habermas, pode tornar os partidos instâncias de representatividade popular, de discussões e formação da vontade do povo, para que os representantes eleitos, de fato, representem os anseios populares.

Referências

GONÇALVES, Arnaldo Manuel Abrantes. Os partidos políticos e a crise da democracia representativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 707, 12 jun. 2005. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/6818>. Acesso em: 17 dez. 2018;

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: O município e o regime representativo no Brasil. 7 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/360813/mod_resource/content/1/LEAL%2C%20Victor%20Nunes.%20Coronelismo%20Enxada%20e%20Voto.pdf. Acesso em 05 dez. 2019;

SALGADO, Eneida Desiree; HUALDE, Alejandro Pérez. A democracia interna dos partidos políticos como premissa da autenticidade democrática. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, ISSN 1516-3210, Belo Horizonte, ano 15, n. 60, abr. jun. 2015. Disponível em: <http://www.revistaaec.com/index.php/revistaaec/article/view/53>. Acesso em 15. dez. 2018; e

SANTANO, Ana Claudia; KOZICKI, Katya. A democracia, a sociedade e os partidos políticos: uma análise da eventual existência de uma crise das organizações partidárias. Quaestio Iuris, v. 10, nº3, Rio de Janeiro, 2017. pp. 1271-1295.

* ALEXANDRE GUIMARÃES MELATTI













-Advogado, graduado em Direito pela Universidade Norte do Paraná/PR (2013);

-Pós-graduado em Direito do Estado pela Universidade Estadual de Londrina/PR(2015);

-Mestrado em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina (2020) e

Professor de Direito Administrativo e Direito Constitucional na Cogna Educação.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário