Sylvia Regina de Carvalho Emygdio Pereira (*)
O ato de criar traz em si uma sensação do extraordinário, do sublime. Esse ato, normalmente, é precedido por algum sonho do ser humano. O ato da criação é responsável pela criação dos ENTES INTELECTUAIS, ou a CRIAÇÃO HUMANA.
Mas, só a criação não se basta!
Quando materializada no mundo corpóreo, a criação ou os entes intelectuais são valiosos e precisam ser preservados, protegidos, e cuidados.
A criação, a partir de sua linguagem, meio, suporte e ambientes escolhidos – adotados à sua melhor materialidade e corporificação – e desde que essa criação materializada seja independente, tenha existência própria, seja nova, original, criativa, distintiva, inventiva, poderá ser abarcada e tutelada por certos institutos jurídicos, à sua melhor guarda, proteção, e reserva.
Em seu caminho e busca de uma existência efetiva e protegida, a criação deverá receber uma "Certidão de Nascimento" própria, a qual lhe outorgará direitos e deveres, além de torná-la partícipe de uma determinada e certa classe de bens intelectuais.
Dessa forma, com suas especificidades e especialidades, as criações intelectuais poderão fazer parte dos direitos de autor, das marcas, das patentes, das tecnologias, dos softwares, das indicações geográficas, dos segredos, do know- how, das inovações, dentre outras.
Neste estudo, procuraremos analisar os três primeiros tipos mencionados de criações intelectuais, que, em suas formas mais básicas, são os Direitos De Autor, as Marcas, e as Patentes. Esses três entes intelectuais permeiam a vida diária de todos nós e nem nos damos conta de sua importância e consistência em nossas vidas... Assim, convivemos com essas criações desde cedo, com a marca da pasta de dentes que usamos logo pela manhã, até a TV, o filme que assistimos ou o livro que lemos no descanso da noite, enquanto apreciamos uma musica preferida...
Pois sim, tudo o que existe além da natureza e do ser humano, todo o arcabouço criado pelo homem para a sociedade, e sua existência plena, sempre dependeu da imaginação, criatividade, e inventividade do ser humano para nascer, e existir e perdurar.
Mas, como já abordamos, a criação para existir, precisa receber sua vida legal, que se origina com o seu Registro. É o Registro da criação que lhe dá um corpo, um nome, e a efetividade de sua existência, propiciando a que a criação passe a ter a capacidade de alcançar plenamente o seu objetivo.
Esse Registro traz consigo a exclusividade, a reserva de direitos próprios, a ratificação da prioridade e da anterioridade do ato da criação, e os direitos certos e plenos de que seu proprietário passa a gozar e usufruir (muitas vezes, o seu titular - e não mais o criador/autor da criação).
O criador/autor da criação, contudo, quando a criação for regida pelos direitos autorais, mesmo não sendo mais seu Titular, ele sempre reservará para si a autoria da criação ( da obra ) e alguns direitos criativos específicos. Dentre esses direitos, encontra-se o de ter seu nome, como autor, unido à sua obra para sempre, mesmo que tenha negociado ou licenciado ou cedido a criação a outrem, e mesmo após sua morte, sendo sempre, com ela, identificado como o seu Autor.
A partir do registro dessas criações aqui ora tratadas –cada uma em sua esfera de direitos próprios, ou seja, uma marca, uma patente, um direito de autor – a criação específica passa a ser regida e regulada por Leis correspondentes ao seu tipo criativo, as quais irão regulamentar todo o transcorrer dos anos de vida e de vigência desses entes intelectuais.
Tratando-se de direitos autorais, é importante excetuar que estes direitos independem de qualquer registro para existirem, sendo, contudo, o registro autoral altamente recomendado, por carregar em si uma absoluta certeza de autoria e de titularidade plena de direitos autorais patrimoniais e morais inerentes, da Autoria.
Assim, quando o autor, criador, inventor, ou titular de alguma criação intelectual realiza algum desses registros para as suas criações, por intermédio de um advogado/a especializado/a, deverá estar seguro do profundo e extenso conhecimento do profissional quanto à matéria, pois, normalmente, o registro lança a base de todo um patrimônio intelectual que muito poderá reverberar, inclusive em seu valor financeiro, e mesmo de forma internacional, tratando-se este de um Direito vigente entre nações, regido por diversas convenções internacionais.
O profissional desta área, por sua vez, tem de estar em condição plena de conhecimento desse ramo jurídico, além de ser portador de conhecimentos específicos atualizados – pois que essa área envolve muita movimentação e atualizações constantes.
Esse profissional deverá ter a plena condição de realizar as análises básicas da criação: seu tipo, características, requisitos, direitos, e não somente os atuais, realizando as verificações próprias de anterioridades, colidências, com relatórios respectivos, e competências, indicando ao titular da criação sob sua consulta, todos os passos, situações, e caminhos a que poderá/deverá submeter a criação, visando, sempre, o melhor, mais proveitoso, e correto aproveitamento e o uso dessa criação, de forma totalmente regularizada e adequada.
Entretanto, a que haja um uso correto e lícito, muitas vezes, perene da criação registrada, e a que possam percorrer e permanecer sempre mantidos, o uso e os frutos de uma criação específica e de seu respectivo patrimônio intelectual, não basta apenas um registro corretamente realizado, mas é indispensável o acompanhamento dessa criação pelo longo de toda a sua vida, a que os direitos sejam mantidos, assegurados, e renovados, com o uso próprio e orientado, em benefício de seu criador/titular, que receberá os proveitos advindos da própria criação.
Assim, por exemplo, uma marca, após corretamente requerida para identificar um produto, atividade ou serviço devidamente comprovado de sua/seu titular, sempre terá de pagar taxas oficiais, responder eventuais exigências do Órgão registrador (o Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI), ainda obrigando-se a manter seu nome, endereço, objeto/atividade e titularidade atualizados, mediante específicas Averbações. Poderá ter, também, de comprovar seu uso contínuo e correto, evitando, assim, uma eventual caducidade de direitos. Para isso, é muito importante o uso adequado dessa identificação marcária em documentos e atividades registradas da/o Titular. Ademais, para que a marca permaneça vigente, a cada 10 (dez) anos, ela terá de ser renovada, em seu ultimo ano de vigência do registro respectivo, usufruindo, assim, uma espécie de vitaliciedade juridicamente adquirida com o registro marcário.
Mecanismos semelhantes ou idênticos são exigidos para a Patente inventiva, a que permaneça vigente e plena em seus direitos, com os específicos pedidos de exames, recolhimentos das taxas oficiais de renovações, anuidades, quinquênios, ademais das averbações de mudança de endereços, nome, titularidade, dentre outros.
Além de todos esses requisitos de acompanhamento constante e extenso da própria criação, um monitoramento contínuo perfeitamente realizado e sob a responsabilidade do procurador encarregado do ente intelectual específico, é de grande importância para os direitos da área, com a verificação permanente, usualmente realizada todas as semanas, que o rigoroso procurador especializado, por intermédio de seus técnicos experientes, realiza, apontando eventuais colidências danosas às criações sob o seu patrocínio. Dependendo da colidência verificada, serão orientadas e apresentadas pelo mesmo Procurador as medidas defensivas e acautelatórias autorizadas pelo Titular da Marca, da Patente, e mesmo dos Direitos Autorais, que se realizarão por intermédio de medidas próprias e profissionais de Direito.
Assim, verifica-se que a vigência exclusiva e reservada de uma criação, de seus direitos, e de seu respectivo patrimônio, tem muita importância e deve ser sempre preservada e mantida!
Em muitas semanas, o INPI publica mais de 10 mil marcas novas e antigas (estas sob algum procedimento legal) às conferências de procuradores especializados e seus técnicos zelosos. O mesmo se dá, especialmente, com as patentes, os softwares, as indicações geográficas, e as transferências de tecnologia. Esse trabalho de monitoramento, além de sua importância, é imprescindível à boa e correta preservação das criações.
Ainda, relembramos que todos esses direitos criativos absolutos e autônomos - de muita importância na formação cultural de uma Sociedade - precisam ser sempre vigiados contra os abusos, a subtração, e os excessos que possam lhes ser causados, impostos e/ou pleiteados. Isso justifica a referida vigilância necessária e indispensável durante todas suas vidas e vigências legais.
Tudo isso, justificaria um estudo extenso e consistente dessa área em nossas melhores faculdades e mesmo nas nossas escolas, a começar pelas públicas, e, como já tive oportunidade de explicar em artigo anterior, a partir do comentário de minha netinha, que, relatando sobre sua escola no Canadá, me contou que lá, quem copia de um/a colega e diz que é sua a criação, ou quem afirma que criou algo, mas essa não é a verdade, e somente copiou de uma obra ou de outrem, poderá ser expulso da escola! E isso ela apreendeu antes de seus 10 anos de idade, na própria escola!
Tudo isso justificaria um estudo aprofundado e específico desta área da Propriedade Intelectual - Propriedade Industrial, quando se refere, ao menos, às marcas, patentes e direitos autorais, mesmo sem abarcar as áreas correlatas, como a concorrência desleal, novidades, e inovações, dentre as outras.
Ora, essas inúmeras criações remetem cada vez mais a justificar um zelo e esmero constante no estudo, ensino, e aprendizado específicos por parte de seus especialistas e do próprio usuário, que deve aprender, desde cedo, o respeito às criações e do uso apenas lícito das mesmas. Mas não é isso que vemos, infelizmente, e poucos, ou quase nenhum, são os raros cursos (mesmo os universitários das grandes e famosas universidades) que ensinam e se preocupam em divulgar sobre essas matérias e o respeito que merecem...
Por fim, tudo isso, ainda nos remete a uma grande pergunta destes novos tempos, infelizmente, formulada por quem conhece muito pouco as bases de toda esta área criativa, qual seja: se a Inteligência Artificial também pode ser autora e titular de suas respostas, como alguns tanto desejariam...
Perguntam, contudo, sem examinar e compreender que só o ser humano é capaz de ser extraordinário, de ser memorável e, verdadeiramente criativo!...
*SYLVIA REGINA DE CARVALHO EMYGDIO PEREIRA
-Advogada graduada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1972);
-Mestrado em Direito (L.L.M.) na New York University em "Trade Regulation" com especialização em propriedade intelectual (1974);
-Membro da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo, sob o nº 31.479; e
-Fundadora do escritório "Emygdio Pereira Advogados Associados";
-Sócia Fundadora do IIDA- Instituto Interamericano de Direito de Autor/USO e do LIBRAS - Licenciantes do Brasil em Direitos do Autor e
-Ministra aulas de Propriedade Intelectual em diversas Faculdades.
Nota do Editor:
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