quinta-feira, 30 de junho de 2016

Decisão Judicial X Justiça



Autora: Larissa Veras Prudente de Abreu



Analisando a decisão do STJ (RESP Nº 1.510.612 - SP - 2014⁄0196405-8) sobre um caso em que o sobrinho pleiteou o ressarcimento de todos os gastos com sua tia, desde cuidados com os animais domésticos até o funeral, percebe-se a complexidade que é a relação humana, principalmente no âmbito familiar, bem como o quão injusto pode ser ao tentar se alcançar a ideia de justiça.

Antes de iniciar a análise em si, segue um resumo sobre a sequência de decisões e recursos.

O sobrinho em questão prestou assistência com tratamento médico, remédios, internação, sepultamento e animais de sua falecida tia que chegou a um montante de R$ 13.453,88. Para recuperar os recursos, entrou com uma ação de cobrança contra os irmãos da falecida (seus tios).

A cobrança se baseou no argumento de que o auxílio por ele prestado teria cunho alimentício, o que deveria ser pago pelos irmãos de sua tia. Em decisão, o juiz negou cunho alimentício, mas reconheceu a dívida que deveria ser paga, apontando que seria pago dentro do limite da herança.

Inconformado, o autor recorreu ao TJSP, que ratificou a decisão do juiz, reconhecendo o dever moral que o sobrinho cumpriu. Em seguida, recorreu ao STJ, que novamente afirmou não ter cunho alimentício por não se tratar de parente descrito no rol taxativo do art 1697 do Código Civil[1], somente sendo devido ao sobrinho o pagamento dentro da herança, a qual não existiu.

Portanto, no final de tudo, o sobrinho amparou sua tia, auxiliou e apoiou em todo tipo de despesa, ainda que ela tivesse irmãos que pudessem fazer o mesmo por ela, mas não o fizeram.

Um dos pressupostos para se reconhecer uma família é o afeto, além dos laços sanguíneos. Muitas vezes este último não é forte o suficiente para que haja compaixão entre os indivíduos da mesma família, sendo necessário uma intervenção estatal através de leis.

Não é muito difícil você imaginar uma tia sua ou qualquer parente equivalente carecendo de ajuda e, diante da omissão de todos, você se ver com duas escolhas: deixa aquele parente passar necessidades ou o socorre. Seria uma questão de consciência, moral, de SER humano, de empatia...

Por outro lado, também há o sentimento de revolta por fazer tudo sozinho e não ter alguém que se dispõe a te ajudar a realizar a árdua tarefa de cuidar de alguém, ainda que seja obrigação de outra pessoa, no caso, dos irmãos da falecida.

Assim, após ter praticado uma ação voluntária do bem para com sua tia, o sobrinho se viu no direito de ser ressarcido pelos gastos e ingressou contra os tios, a quem cabia tal obrigação, e a justiça trabalhou com o que tem: a lei. O Código Civil afirma que a obrigação é cabida aos descendentes, mas na falta destes, cabe aos irmãos tal dever. 

Não há informação se o autor ou a própria tia consultou algum advogado anteriormente à ação ajuizada, mas, decerto, se o fez, foi mal aconselhado, pois o caminho mais seguro teria sido outro.

Na lei, encontram-se ônus e bônus entre parentes, tudo depende de acionar a justiça. Então, de fato, neste caso, a tia falecida poderia ter morrido sem amparo nenhum, nem de irmãos, nem de vizinho e até mesmo nem do sobrinho e ainda assim, se tivesse herança, os irmãos que haviam virado as costas receberiam a herança, pois a lei garante a ordem de sucessão, salvo em casos de Indignidade... é justo?

As leis devem andar de mãos dadas com as mudanças que ocorrem na sociedade, no comportamento humano. Sabe-se que há abandono afetivo entre os próprios pais/ mães e filhos, o que pode motivar uma indenização, isso mostra um grande passo jurídico, porém, ainda há muito que se rever. 

Sendo assim, diante da ação humanitária do sobrinho, aos olhos de qualquer pessoa que desconhece o código civil e até mesmo para muitos que trabalham no âmbito jurídico, o mínimo que ele deveria receber seria o montante gasto e um abraço de reconhecimento por parte dos tios por ter realizado o dever deles, por ter auxiliado a irmã dos mesmos.

Fonte

[1] Código Civil Art. 1.697. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais. 

LARISSA VERAS PRUDENTE DE ABREU- OAB/DF 49.279












-Advogada Cível, Consumidor e Criminal;
-Conciliadora;
-Especialização em Direito de Família;

-Especialização em Métodos Adequados de Tratamentos de Conflitos;
E-mail: adv.larissavpa@gmail.com
Telefone: 61 99851-3010

Nenhum comentário:

Postar um comentário