domingo, 20 de novembro de 2016

Urticária Colinérgica –Sentir na Pele: impressões dos limites entre o corpo e o mundo



Emoções podem ser expressas no corpo. Diversos profissionais têm unido forças para tratar e estudar doenças que se manifestam ou que se agravam por fatores psíquicos. Se as emoções podem influenciar a saúde do corpo, podem também ser uma excelente ferramenta para trazer melhora a esses pacientes. Junto ao profissional que irá cuidar da parte orgânica da doença, o psicólogo poderá ajudar a lidar com as limitações e angústias, auxiliando na identificação de fatores inconscientes, de relacionamentos e padrões que mantém o mal estar e o sintoma.

Nesse texto irei falar sobre a urticária colinérgica do ponto de vista da Psicossomática, ou seja, como o sofrimento psicológico é manifesto no corpo em pessoas que sofrem dessa doença.

Segundo Morais (2009), cerca de 2% à 5% da população geral é acometida por urticárias crônicas, que causam prejuízos e restrições à saúde, hábitos e qualidade de vida. De acordo com Müller e Silva (2007), a urticária colinérgica faz parte do grupo das psicodermatoses, doenças de pele que sofrem influência de fatores estressantes, como: psoríase, acne vulgar, vitiligo, entre outras. 

Para Carvalho, F. (2010), essa doença caracteriza-se pela presença de “pápulas eritematosas e pruriginosas” na presença de temperaturas elevadas, podendo surgir também após o inicio de atividades físicas ou episódios de estresse. O paciente sente a pele coçar e cicatrizes podem ser deixadas como marca desse momento. As causas ainda são desconhecidas, mas geralmente há familiares com a mesma doença, indicando que provavelmente um dos fatores possa ser hereditário. Além disso, há indícios de que o consumo de alguns alimentos possa deixar a pessoa mais suscetível a ter as crises. Logo, é necessário discutir os fatores emocionais que estão envolvidos nessa doença, o que pode auxiliar numa melhor compreensão e no progresso da qualidade de vida do paciente.

Muitas vezes, a pessoa sente-se à mercê das mudanças de temperatura, o que causa ansiedade, preocupação e sentimento de inadequação. Além disso, a irritabilidade pode ser desencadeada pelo desconforto advindo da sensibilidade cutânea, o que pode trazer prejuízos sociais. O sentimento de culpa, devido a um comportamento irritável e esquivo, muitas vezes está presente, e sucessivas tentativas de controle de fatores ambientais para melhora do bem estar podem ser gatilhos para sofrimento psíquico. Esses fatores podem deixar o sujeito vulnerável ao desenvolvimento de doenças psíquicas.

A doença crônica por si, independente de qual for, já causa ansiedade e incertezas quanto ao futuro, além de ser necessário realizar alterações na rotina e manter disciplina para realizar o tratamento, o que desperta frustração. A psicoterapia pode ser um grande aliado ao tratamento médico da urticária colinérgica, trazendo melhora nos sintomas e auxiliando o sujeito a encontrar estratégias de enfrentamento dos fatores que provocam os episódios. 

Segundo Dias, A. et al (2007, p.08), a pessoa com a afecção de pele provavelmente, de modo inconsciente, pede uma aproximação e/ou um distanciamento, não que necessariamente um anule o outro. Segundo Anzieu (2007, Dias, A. et al), em seu livro “O Eu pele” (1989), o Eu-pele compreende a representação que serve ao bebê como seu Eu durante as fases primitivas de desenvolvimento, ou seja, sua diferenciação se dá através das experiências sentidas na pele. À partir daí, seu psiquismo vai se diferenciando de seu corpo. Logo, a pele é inicialmente um “envelope” que retém e contém “o bom”, como a amamentação e cuidados, sua segunda função é de limite, barreira com o que está fora do corpo que pode agredi-lo, a terceira função da pele é a de comunicação com os outros, estabelecimento de relações importantes e registro de fatos e impressões de tais relações. Anzieu também aponta que quando não há diferenciação mãe-bebê, a pele pode aparecer como alvo da agressividade, pois a agressividade que para aquele diferenciado seria voltada para sua mãe, para o não diferenciado não é externalizada. À partir daí, pode-se notar como a separação das angústias e das projeções maternas torna-se um dos pontos centrais na análise e na terapêutica de pacientes com psicodermatoses.

Os limites entre o somático e o emocional encontram-se de modo muito tênue. Quando esse posicionamento diante do mundo e quando as emoções manifestas afetam bioquimicamente o organismo, episódios de ondas de calor decorrentes de irritabilidade, angústia, ansiedade e estresse, por exemplo, podem surgir. Para Müller e Silva (2007), a identificação do fator estressor e sua redefinição são muito importantes, pois esse estresse envolvido no enfrentamento da doença é uma evidência de que elementos emocionais são determinantes em seu surgimento e agravamento.

A pele é o maior órgão do corpo e é ela que irá refletir como está o estado de saúde do organismo. Além disso, é ela que separa o corpo do ambiente, e as inúmeras ligações com o sistema nervoso a tornam muito sensível às emoções, sendo considerada uma extensão do sistema nervoso. Por esses motivos muitas vezes pode manifestar diversas formas de patologias, que analisadas de modo simbólico irão dizer muito sobre com a pessoa se relaciona com os outros, com o mundo, sendo um eficaz órgão sinalizador. 

Quando o sofrimento de algum modo não pode ser expresso pela pessoa, seja por motivos culturais ou por questões familiares, por exemplo, de alguma forma esse sofrimento “fala”, e muitas vezes através do corpo. Uma emoção qualquer necessita ligar-se a algo, faz parte da dinâmica psíquica.

Para Dias, A. Et al (2007, p.11), o estabelecimento de vínculos e modo como ocorreram as internalizações dos objetos são centrais em quadros de transtornos psicossomáticos. De algum modo, a doença pode satisfazer um determinado papel assumido pela pessoa, um desejo inconsciente por determinado estilo de vida, a manutenção de um relacionamento que traz prejuízos (mas também ganhos). Esses ganhos, chamados de “ganhos secundários” por Freud, podem manter o sintoma vivo, este retorna e continua a manifestar-se. Esse retorno do recalcado, ou seja, desse conteúdo inaceitável, de acordo com a Psicanálise, pode voltar no corpo para aquele sujeito que não se autoriza falar o que gostaria.

É interessante que a pessoa com urticária colinérgica possa conhecer em quais situações determinadas as angústias são manifestas, e em quais situações o sintoma aparece, para que à partir daí realize um questionamento de seu sofrimento, de sua responsabilidade quanto ao seu mal estar e quanto às escolhas que vem tomando diante de sua forma de se posicionar. Tomando consciência dos fatores físicos, psicológicos e sociais que o fazem adoecer, apropria-se de possibilidades de mudanças. É através do discurso, da fala, que esses sinais expressos pela pele podem ser manifestos de um jeito que não através do corpo, pois serão canalizados através da fala e ressignificados, e é aí que o sujeito pode encontrar melhoras nos sintomas, pois passa a simbolizar e dar um sentido a esses conteúdos inconscientes.

FONTES:

Carvalho, F. ; Carvalho, S.; Figueiredo, M.; Gonçalves, D. - Urticária Colinérgica – Caso clínico – Nascer e Crescer – Revista do Hospital de Crianças Maria Pia, ano 2010, vol XIX, n.4;

Dias, A.; Dias, H.; Gauer, G. ;Rubin, R.– Relações visíveis entre pele e psiquismo: um entendimento psicanalítico – Psic. Clin., Rio de Janeiro, vol. 19, n.2, p.23 – 34, 2007;

Morais, A. – Urticárias Físicas. Blog Alergodermatologia - Link: http://alergodermatologia.blogspot.com.br/2009/09/urticarias-fisicas.html;

Müller, M.; Silva, J. - Uma integração teórica entre psicossomática; e

stresse doenças crônicas de pele – Estudos de Psicologia – Campinas- 24(2) - 247-256 – abril-junho, 2007.

POR DÉBORA GOMES VICTORINO-CRP 06/122832

















-Graduada em Psicologia nas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU);
-Pós-graduada em Psicologia Hospitalar pelo Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein; e
-Psicóloga na Casa de Repouso Sabra em Várzea Paulista, onde atende idosos residentes na instituição.
Atua na área clínica utilizando-se da perspectiva psicanalítica. Consultório em Jundiaí/SP – Rua Capitão Ricardo de Toledo 191 / 10 andar – sala 1002 Chácara Urbana - Edifício Golden Office - Telefone: 11 95341-5813.
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