quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Score-se no seu passado financeiro


 Autora: Silvana Cristina Cavalcanti

 

Dois anos após a promulgação da Constituição Federal (1988), mais especificamente em 11 de setembro e 1990 nascia o Código Brasileiro do Consumidor, por meio da Lei 8.078/1990. 

A relação editada pela Lei trouxe inovação e anteriores abusos ao direito dos consumidores, foram extirpados da legislação. 

Trinta anos depois, aqui estamos... alinhados a quem resistiu a pandemia, junto aos nossos animais de estimação, nossas comprinhas rápidas na adega da esquina e no mercadinho do bairro... o passeio com os pets para sair um pouco a monotonia ... uma visitinha na lojinha de armarinhos da esquina. 

Há quantos anos não tínhamos percebido que a lojinha de entrega de água estava lá incauta... na mesma rua em que residimos há anos... quanto tempo não passamos em frente aquele boteco da esquina e cumprimentamos o Sr. Joaquim... e as nossas conversas em frente aos portões ... retomaram em meio as máscaras... o tal "score". 

Coincidência ou não ... aqui estamos há 3 décadas defendendo o indefensável, em busca de abrigo e acalento aos nossos direitos. Nestes 30 anos, passamos por recalls obrigatórios, televisores de última geração que não funcionam e até panelas de pressão elétricas que causam choque... imaginem se não fosse esse tal desse código do consumidor... toda empresa que se preze tem lá um exemplar a disposição para consulta... e é obrigatório, sob pena de sanção legal... 

Nesses últimos anos do código do consumidor, houve um amplo debate a temas que constantemente permearam a nossa sociedade, como por exemplo, a proibição da manutenção da restrição do nome no cadastro de maus pagadores por mais de cinco anos..., com reprimenda digna do latim "in repsa" ... a obrigatoriedade de recalls em produtos de consumo básicos como celulares, aparelhos de TV e até batedeiras... os limites da caracterização de abusividade de cláusulas contratuais relacionadas a construção civil, a introdução do código na área de prestação de serviços bancários... 

A consagração do princípio da vulnerabilidade ocorreu nessas três décadas... tal qual a mudança os pets que eram mantidos nas carrocinhas abandonados por seus Donos e que hoje ocupam destaque em grandes magazines.

Este sujeito de direito - consumidor é sempre vulnerável na relação de consumo, porém atualmente, o que tem produzido um murmurinho entre os consumidores e fornecedores de serviços é o tal do SCORE... . Se antigamente bastava o “nome limpo” e um comprovante de renda para ser aprovado no “crediário”... o consumidor passa a enfrentar o tal do CREDIT SCORING. 

E o que tipifica o Score... 

Trata-se de um banco de dados, mantido pela principal gestora e crédito do País – o SERASA, em que simples cadastro no site, com criação de senha e o número do CPF, é possível que o consumidor tenha a nota de 0 a 1000 ... a nota dada ao consumidor, vai depender de diversos fatores, inclusive sua capacidade de pagamento aliada ao seu endividamento. 

A vulnerabilidade técnica, incide sobre a insuficiência do consumidor diante do poderio do fornecedor... Será? 

O desrespeito aos limites legais na utilização destes metadados organizados e analisados a partir de hábitos de consumo e liquidação das obrigações financeiras nos respectivos vencimentos, fogem ao controle as tradicionais empresas que, simplesmente consultavam o número do CPF e traziam o veredito a aprovação do tal crediário... N/C - o velho “nada consta” dá lugar ao mundo tecnológico do credit scoring. 

O desrespeito aos limites legais na utilização do moderno sistema será controlado pelo judiciário, que já está saturado de ações com a inserção dos nomes indevidamente no cadastro de maus pagadores de dívidas realizadas pelos fantasmas que se escondem atrás de perfis virtuais e, que de alguma maneira, que não é acessível aos olhos do Senhor José da venda da esquina, acabam por produzir efeitos negativos ao cadastro que apenas trazia o tal “nome limpo” ou “nome sujo”. 

Agora, Sr. José precisará além de manter o “nome limpo”, provar aos fornecedores de bens e serviços que não atrasará o tal “crediário” ... proveniente de análise realizadas por robôs economistas que, certamente vem investigando o Sr. José, através do seu CPF há mais de 30 anos! 

Convém lembrar que o Art. 51, inciso IV, dispõe o CDC que "são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que (...) estabeleçam obrigações consideradas abusivas ou deixem o consumidor em desvantagem exagerada, desprovidas com a boa-fé ou a equidade". 

O Código, definitivamente passou por robustas transformações, mas não mantém a realeza de outrora. Na avaliação do risco do crédito sopesado pelo tal do “score”, ao consumidor não é dado o direito de saber quais são os motivos que levariam o seu crédito a desaprovação... 

Certamente que o termômetro utilizado pelas gestoras de crédito considerando como oportuna a coleta de dados dos consumidores e seu armazenamento para análise de riscos na concessão de determinado crédito deve ser orientada pela limitação dos objetivos que envolvam os interesses sociais. 

A empresa que negar o crédito e não constatada qualquer anotação nestes órgãos ao argumento de "restrição interna", abala a moral do cliente/consumidor, age com discriminação apregoando a locução de mal pagador. 

Neste caso, o Art. 5º da Constituição Federal em seus incisos V e X, estatui a indenização extrapatrimonial, como garantia dos  direitos individuais e o Art. 927, do Código Civil, determina àquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, a obrigação de repará-lo.. 

A prática de manutenção de restrição cadastral interna, deverá ser repelida e caso o consumidor sinta que seu crédito foi negado pela tal “ restrição interna” ou ainda que seu “score” está baixo, deve procurar o responsável por estas informações e exigir que lhe sejam esclarecidas todas as informações relativas. Peça tudo por escrito e de posse destas informações, procure um Advogado que lhe orientará. É ilegal a manutenção destes cadastros, e portanto, passível de reprimenda a sua ilegalidade. 

As dívidas não podem manter-se no cadastro negativo de gestores de crédito, por mais de 5 (cinco) anos... conforme preconiza o Art. 43 do código do consumidor que caminha para a maturidade após os seus 30 anos.

Mas, efetivamente, tenho recebido diversos clientes que reclamam de telefonemas de cobrança acerca de dívidas que não constam no cadastro de inadimplentes “oficialmente” mas estão em cadastro de "restrições internas". Tais apontamentos, diminuem o score do consumidor e produzem efeitos negativos a concessão de crédito. 

Em sua maioria, tratam-se de apontamentos de dívidas de mais de 10, 15, 20 anos e, que na verdade, continuam no cadastro do CPF do consumidor "mascaradas" de dívidas internas, mas que efetivamente impedem a concessão de crédito efetivo, como por exemplo um cartão de crédito e um banco em que o consumidor é correntista há anos, ou ainda a liberação de um financiamento de imóvel ou veículo. Apesar do cadastro não constar a negativação do CPF a tal "restrição interna" efetivamente impede que o consumidor obtenha efetivamente o crédito almejado, principalmente se a tal restrição interna é relativa aquela determinada instituição procurada pelo consumidor para a concessão... ou seja, um ciclo vicioso em que o consumidor mantêm o endividamento por anos a fio, ignorando as normas de proteção/defesa direta e indireta das relações de consumo. 

Será que realmente a preservação destes meta dados e análise comportamental dos consumidores em data anterior a manutenção do cadastro de inadimplência, produziria efeitos benéficos a composição do score? 

Uma intervenção do judiciário pode ser necessária para limitar e orientar a composição destes dados, de forma que os consumidores não sejam prejudicados, inclusive com a manutenção das tais ‘restrições internas’ que, em sua maioria, dizem respeito a dívidas prescritas, mas que são mantidas nos cadastros internos dos bancos e, por conseguinte, dos gestores.

*SILVANA CRISTINA CAVALCANTI LIMA










- Empresária e Advogada. 
 - Especialista em Direito do Consumidor, Soluções para             Empréstimo Consignado com Juros abusivos.
- Diretora do Escritório de Advocacia Cavalcanti Advocacia &    Consultoria Internacional localizado no Centro Histórico de São Paulo . Contato 55 11 2503-9987 cavalcantiadv@aasp.org.br com atuação no Brasil, Estados Unidos e JAPÃO.

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