Autor: José Jair Marques Jr.(*)
Na linha da experiência internacional, o Protocolo “Não se Cale” é uma iniciativa recente e legalmente instituída e difundida pelos Governos Municipal[1] e Estadual[2][3][4][5]de São Paulo, objetivando a criação de uma cultura de proteção, acolhimento, enfrentamento e combate à violência contra a mulher, nos espaços públicos de lazer (bares, baladas, restaurantes, casas noturnas e de espetáculos).
Como destaque da legislação estadual, ao estabelecimento de lazer compete:
a) prestar auxílio à mulher, em lugar reservado, afastado do agressor;
b) possuir à disposição um profissional, capacitado, para o fornecimento desse apoio, no período integral de funcionamento;
c) oferecimento de acompanhante à mulher, até o respectivo veículo ou meio de transporte;
d) oferecimento de meio de comunicação à autoridade policial;
e)na hipótese de cometimento de crime sexual, encaminhamento da vítima ao serviço médico, com urgência, com o respeito à autonomia da vontade daquela reconhecidamente capaz; e
f)acompanhamento, durante o atendimento, de terceira pessoa, preferencialmente do sexo feminino (Decreto Estadual nº 67.856/2023, artigo 6º).
Uma das principais questões resultante desses dados: enquanto comunidade, cidadãs (ãos) e consumidoras (es) possuem conhecimento sobre a existência deste Protocolo de proteção às consumidoras mulheres?
O que a realidade nos mostra?
Março de 2024. Um show. Cidade de São Paulo. Cantora italiana, Laura Pausini. Numa das várias oportunidades de conversa e atenção aos espectadores, em português claríssimo e carisma impecável, a artista discursou em ode às mulheres presentes, avós, mães, filhas, sobrinhas, e as convidou, assim como todo o público, a conhecer uma simbologia, relacionada à violência baseada em gênero contra a mulher[5].
Laura Pausini estendeu o braço, com a palma da mão direita aberta, e, na sequência, recolheu os dedos, fechando a mão, iniciando pelo polegar e depois retraindo os demais sobre ele. Explicou aos presentes que aquele gesto (intitulado, internacionalmente, Signal For Help) se tratava de uma forma de mulheres solicitarem ajuda, quando submetidas a alguma situação de risco ou abuso.
Aquela experiência pode ter sido, provavelmente, a primeira vez com a qual parcela dos espectadores tivera contato sobre aquele tipo de auxílio. Assim como, pode ter servido como rememoração àquelas personagens que já tivessem um conhecimento a propósito daquele sinal, tendo, daí, uma referência a se inspirar e repercutir aquele gestual adiante.
Qual a valia desse exemplo e registro histórico? Mesmo não detendo conhecimento específico da referida política pública em vigência, houve, naquela circunstância, uma percepção de que o problema da violência contra a mulher é uma realidade e precisa ser enfrentado, de maneira séria, reforçada e urgente, com os instrumentos necessários.
Ano depois, em 14 de março de 2025, a Fundação PROCON/SP divulga os resultados de uma pesquisa[6][7], elaborada pelo respectivo Núcleo de Inteligência e Pesquisas. Proveniente de uma consulta virtual, realizada durante 7 a 23 de fevereiro de 2025, tinha por enfoque saber e avaliar qual era o nível de conhecimento dos consultados – 1.411 frequentadores do sítio virtual da Fundação PROCON/SP, no total – a respeito do mencionado Programa "Não se Cale".
A Fundação PROCON/SP sinalizou o universo de sexo, integrado por 67% de mulheres, 33%, homens, e o remanescente 0,5%, não declarado. Quanto à identidade de gênero, a maioria das respondentes é mulher cisgênero (57,9%), seguido por homem cisgênero (28,21%), homem transgênero (8,86%), mulher transgênero (1,06%) e não binário (0,35%).
Direcionando o questionário para o efetivo conhecimento do Programa "Não se Cale", a Fundação PROCON/SP obteve o cenário de que 72% dos respondentes frequentam os estabelecimentos-alvos do Protocolo. Nesse recorte de entrevistados, 30% responderam ter vivenciado ou vivenciado e presenciado experiência de assédio ou violência contra a mulher em locais públicos. Do universo total de entrevistados (1.411), 68,8% afirmaram ignoravam e não ouviram falar a respeito do Protocolo "Não se Cale".
Dentre os 440 entrevistados que responderam afirmativamente conhecer o Programa, as seguintes impressões:
a) 95,9% manifestaram a opinião de que informações sobre o Protocolo deveriam ser melhor divulgadas;
b) 51,1% tiveram conhecimento do Protocolo a partir de redes sociais, 22% por intermédio de televisão ou rádio, 11,5% por meio de próprios estabelecimentos de lazer e, apenas, 3,1% por meio de amigos ou familiares;
c) 51,5% afirmaram ter visto estampados cartazes ou campanhas informativas, nos próprios estabelecimentos (restaurantes, bares, casas noturnas), sobre o Protocolo "Não se Cale";
d) 26,8% responderam ter inteligência de como o Protocolo funciona, 57,5% sabem apenas parcialmente, sem detalhes, e 15,6% não têm conhecimento de como é o funcionamento do Protocolo (acionamento de agentes responsáveis pela ajuda); e
e) quanto à decisão de escolha por lugares para o entretenimento, 50,6% destes respondentes salientou que a adesão do estabelecimento ao Protocolo "Não se Cale", como parceiro, constituiria um fator determinante de decisão para a referida escolha.
Diante desses achados, a própria Fundação PROCON/SP concluiu pela essencialidade no reforço de medidas e estratégias de fiscalização, investimentos em educação, capacitação dos estabelecimentos comerciais, campanhas de conscientização e fornecimento de apoio psicológico, jurídico e social às vítimas, para o êxito e fortalecimento do Protocolo "Não se Cale".
Enquanto cidadão, cumpre-me, apenas, apresentar essa notícia, posicionar-me em escuta ativa para compreender as razões pelas quais esses dados estatísticos foram atingidos e, principalmente, exortar a todos os entes envolvidos na implementação dessa política seja assegurada a sua propagação, com a oitiva e participação do público-alvo destas medidas de proteção, as mulheres, a fim de atingir o resultado esperado. Em essência, qual seja, concretizar o acolhimento e a prevenção a situações de risco e efetivo abuso contra consumidoras em ambientes e espaços de consumo.
Doutor (2022), Mestre (2016) e Bacharel (2010) em Direito pela Faculdade da Universidade de São Paulo. Assistente Jurídico no TJ-SP. Pesquisador acadêmico, com experiência nas áreas de Direito Público e Privado.
REFERÊNCIAS
[1] MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. Lei Municipal nº 17.951/2023 (que institui o Programa “Não se Cale”, protocolo de conduta para espaços públicos e privados de lazer em situações de agressão sexual e procedimento para auxiliar pessoas que se sintam em situação de risco e dá outras providências). Disponível em: https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-17951-de-23-de-maio-de-2023. Acesso em: 25 de março de 2025;
[2] GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Lei Estadual nº 17621/2023 (Obriga bares, restaurantes, casas noturnas e de eventos a adotar medidas de auxílio à mulher que se sinta em situação de risco).
Disponível em:
https://www.al.sp.gov.br/norma/206842. Acesso em: 25 de março de 2025;
[3] GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Lei Estadual nº 17.635/2023 (que dispõe sobre a capacitação dos funcionários de bares, restaurantes, boates, clubes noturnos, casas de espetáculos e congêneres, de modo a habilitá-los a identificar e combater o assédio sexual e a cultura do estupro praticados contra as mulheres, e dá outras providências). Disponível em:
https://www.al.sp.gov.br/norma/206987. Acesso em: 25 de março de 2025;
[4] GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Decreto Estadual nº 67.856/2023 (Regulamenta a Lei n° 17.621, de 3 de fevereiro de 2023, que obriga bares, restaurantes, casas noturnas e de eventos a adotar medidas de auxílio à mulher que se sinta em situação de risco, e a Lei n° 17.635, de 17 de fevereiro de 2023, que dispõe sobre a capacitação dos funcionários de bares, restaurantes, boates, clubes noturnos, casas de espetáculos e congêneres, de modo a habilitá-los a identificar e combater o assédio sexual e a cultura do estupro praticados contra as mulheres, institui o selo e o prêmio "Estabelecimento Amigo da Mulher", e dá providências correlatas).
Disponível em:
https://www.al.sp.gov.br/norma/208366. Acesso em: 25 de março de 2025;
[5] ALPHA FM. "Em show de 3h, Laura Pausini renova brasilidade e causas sociais".
Disponível em:
Publicado em: 3 de março de 2024. Acesso em: 25 de março de 2025;
[6] GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Secretaria da Justiça e Cidadania. Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Fundação PROCON-SP). Relatório da Pesquisa "Não se Cale".
Disponível em:
https://www.procon.sp.gov.br/wp-content/uploads/2025/03/Relatorio-Protocolo-Nao-se-Cale-versao-final.pdf. Acesso em: 25 de março de 2025; e
[7] GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Secretaria da Justiça e Cidadania. Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Fundação PROCON-SP). "Você sabe o que é o Protocolo não se cale? Responda a Pesquisa".
Disponível https://www.instagram.com/proconsp/p/DFySP6fJqHs/. Publicado em: 7 de fevereiro de 2025.Acesso em: 25 de março de 2025.
*JOSÉ JAIR MARQUES JUNIOR
- Bacharel(2010), Mestre(2016) e Doutor(2022)pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo ;
-Assistente Jurídico no TJ-SP; e
-Pesquisador acadêmico, com experiência nas áreas de Direito Público e Privado.
Nota do Editor:
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