@ Tatiana Shuchowsky
Nos últimos anos, um termo novo tomou conta do contexto jurídico – litigância predatória, termo utilizado para descrever o ajuizamento massivo de ações semelhantes, com o objetivo de obter lucros indevidos ou tumultuar o Judiciário.
De fato, há que se reconhecer a existência da litigância predatória por parte de alguns operadores do direito, que abusam de poderes conferidos por Lei, para obtenção de vantagens indevidas, inclusive, em nome dos próprios consumidores lesados, que por vezes, desconhecem por completo a representação da ação.
Assim, alguns profissionais se valem do volume, para protocolar ações genéricas, sem análise individualizada, apenas com base em fundamentos repetitivos, totalmente desconexos do caso individual. Fato é, o Judiciário não pode, e nem deve, ser transformado em uma fábrica de processos sem critérios técnicos e éticos.
Entretanto, o que preocupa – e aqui reside o cerne da discussão – é a tentativa cada vez mais comum de deturpar esse conceito como uma espécie de escudo institucional, por parte das grandes instituições bancárias, para afastar responsabilidades legítimas em casos de abusividades contratuais concretas.
Ao invés de atacarem com fatos, muitas instituições passam a atacar os próprios autores e seus representantes (colegas de classe), rotulando ações revisionais como "predatórias", sem qualquer análise de mérito ou das provas juntadas aos autos.
Na prática, essa inversão é perversa: o consumidor, que já parte de uma relação de hipossuficiência, passa a ser retratado como oportunista, e o banco, mesmo diante de diversos indícios de cobranças abusivas, descumprimento contratual, onerosidade excessiva, ocupa o papel da vítima.
O discurso generalizado, tenta deslegitimar toda e qualquer demanda coletiva ou reiterada, ignorando que, na realidade brasileira, onde cerca de 76% a 78% das famílias brasileiras estão endividadas, a repetição das ações judiciais ocorre exatamente da repetição sistemática das práticas abusivas por parte das instituições financeiras, a qual vive de juros, dos consumidores.
Há no entanto, conforme mencionado pelo Ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça, a litigância abusiva reversa, onde grandes empresas passam a atacar o próprio direito de ação como forma de coagir e silenciar o consumidor, inclusive, perseguindo os próprios patronos da causa, como forma de enfraquecer o controle judicial de suas práticas comerciais irregulares.
Portanto, é fundamental separar o joio do trigo: há sim advogados que se utilizam de má-fé e isso precisa ser combatido. Mas não se pode permitir que esse discurso seja manipulado para blindar os verdadeiros responsáveis por abusos praticados pelas instituições financeiras, muitas vezes de forma padronizada, em milhares de contratos e operações.
O debate sobre a litigância predatória ainda está longe de alcançar um consenso no meio jurídico e exige uma regulamentação mais clara e uma fiscalização equilibrada.
É urgente que esse instituto seja compreendido e aplicado com responsabilidade, de modo a coibir práticas processuais desleais, mas sem permitir que ele seja usado como muleta retórica por instituições financeiras para se esquivar de sua responsabilidade legal frente a práticas abusivas recorrentes.
O combate à má-fé processual deve caminhar lado a lado com a proteção dos direitos do consumidor, sob pena de invertermos os papéis e transformarmos o abusado em abusador — tudo em nome de uma suposta moralização processual que, na prática, serve apenas para passar pano em condutas bancárias ilegítimas.
TATIANA SHUCHOWSKY
-Advogada graduada pela Faculdade Centro Universitário Curitiba – Unicuritiba (2020);
-Advogada atuante na área civil e bancária, proprietária do escritório Schuchowsky Advocacia;
-Pós-graduanda em Processo Civil pela Instituição Damásio;
-Pós-graduanda em Inteligência Artificial e Inovação Aplicada ao Direito pela Instituição Damásio;
-Membro correspondente da Comissão de Direito Bancário da OAB/SP;
-Membro da Comissão de Direito Bancário da OAB/PR e
-Pesquisadora e autora.
Nota do Editor:
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